8.29.2019

Barrô


8.29.2019
Barrô

Ao crepúsculo
Uma casa iluminada
À luz de uma laranja
O fogo no coração
Olho-te por dentro
Mulher simples
Descalça
Abres-me a porta
Na flor do teu mistério
Os teus lábios chamam-me
No teu olhar
Desfolho-te
Pétalas de montanha
O teu corpo
Terra fresca e doce
Tremor de orvalho
A tua mão
Leme
Carne da minha
Ouço a tua voz
No rio do teu vale
De silêncio
E pedra
Soluço o teu nome
Barrô
Mulher
Cheiras-me a mãe
Douro
Terra de Santa Maria
A urze
E rosmaninho
A moscatel
Molhado de beijo
O céu limpo
A vida
As folhas das videiras
Cobrem-te o corpo
Início do mundo
Éden
Eu sou Adão
Tu és a Eva
Errantes
Peregrinos
Expulsos
Descido ao teu limbo
Ondeio no teu corpo
O teu sorriso de mosto
Mar de espuma
Amo-te tanto
Pedra por pedra
Deixa-me ouvir os teus cabelos
Seres-me o Paraíso
Conhecer-me
És tão linda
Ao amanhecer
Da tua brisa
Entre a boca
Desprende-me
O sol a nascer-te
Terra prometida
Desmorre-me
Em ti uma casa
Caminho de ir e voltar
Gosto tanto de ti
Pelo teu vale
Perco o meu mal
Só música de cordas
Os lábios nos teus gritos
O que não morre
O que não tem fim
Amor letal
Eu sou a brisa que a tua boca respira
O sol que amadurece o teu rosto
A chuva que serena a tua voz
Tu és igreja matriz
Rezo-te em flor
E a minha boca ferida de amor
Como as pedras de um convento em ruínas
No silêncio do teu coração
Adormeço sobre o teu colo
Lugar onde te sou
E volto
Te morro
E nasço
Mulher.

Escrito  no lugar de Cimo
de Vila-Barrô

Manuel Luís Feliciano

8.14.2019

Portugal

És tu que lhe dás o sol
O sopro
O corpo
O coração
A minha boca
A viajar na tua
Aquece-me a voz
O sangue
Frémito de lágrima
Consolo
De amor enleado nos braços
Portugal
De cada um de nós
Distante
Ausente
Poço de ternura
Que te devolva as asas
Uma janela aberta
Sonho
Aroma da pele
A seda
Grito
Uma mãe
A gerar um filho
De mãos de terra
Mátria
Olhar de lume
Lábios de outra placenta
Choram
Sementes roubadas
O chão vazio
O escuro
Árvores que perdem a voz
O sol sequestrado
No azul das tuas ancas
As algas
Iodo
O mar em desmaio
De saliva
Amor ferido
As palavras
Manta morta
O teu corpo reluz
Ao encontro do meu
Ouço-te em flor
Suspiro de luz
Fermentação
Suspiro
Morro-te.

Manuel Luís Feliciano

8.09.2019

Portugal


Perdes-te no rumo
Desfazes o caminho
As mãos
Nas curvas
De pó
O Deserto
Aroma de seios
Blusa
Azul de mar
Negra
A flor
Vermelha
Que arde em silêncio
Na casa de gomos
A boca de incenso
Os lábios de ervas
As nuvens de folhas
A chuva no dorso
A frescura das aves
O sol a raiar
No colo
Molhado de saliva
A incendiar
A paixão
A voz
O ventre
No corpo despido
O amor
Na falésia
Uma janela que escorre
De ar quente
Nas ancas salgadas
Suspiro
O teu nome
Que arde na boca
Lua crescente
Os meus beijos
A suspirar os teus cabelos
Que são de todos
De trigo
E uvas
País à beira mar
Longínquo
Emudecido
De vento
De areias
De escórias
Vozes que gritam
A tua rosa pura
De húmus
Dormente
De corpos inexistentes
Perdido
Por inventar.


Manuel Luís Feliciano