9.22.2024

 O amor poderia ser [...]

Cada olhar que me leva 

Cada sorriso que pousa

Cada lágrima que cai 

Cada mão que me desagarra

Cada luz que segue em silêncio 

Cada caminho que os teus pés fazem

Cada luz escrevo que nos teus lábios

Cada folha caída que o vento varre

Como tu no momento em que apanhas o comboio

Na gare do Oriente para um outro país qualquer

Num trem de névoas a desfazer-se 

E eu no outro lado da linha 

Metade de mim dentro - metade de mim fora

Cada flor que se abre a meia luz 

Passageiro de um mistério de tantas possibilidades entre a luz das tuas retinas 

Cada palavra que os teus dedos silenciam

Cada ponte que deixo por atravessar 

A abelha que por qualquer razão não pousa na flor 

Que habita o limbo da beleza do jardim dos teus cabelos 

Um homem velho de tanta solidão a atravessar na passadeira dos teu olhos, onde só tu e o teu jardim existem.




Manuel Luís Feliciano 

6.10.2024

  


José, José 
O homem se casa com o latifúndio 
Com a terra arável 
Com a mulher x
De um abecedário 
Com a letra da palavra 
Com a palavra da frase 
Com o que os olhos comem 
Com o preconceito 
Com a ideologia 
Com o protótipo da beleza 
O Homem feio é para ser tio
Não tem lugar nos olhos da Vénus 
A quem a bioquímica não acha graça
 A sociedade cobra 
O alter ego contesta  
O estatuto não combina
A helena de Tróia não aplaude 
A intuição diz que não 
O manual das crenças não aprova
O eu imaginário não tem ligação.


Manuel Luís Feliciano 

 Tempo roubado 


Olhei para o céu e já não tinha céu

O céu era a minha mãe 

Também não vi o sol

O sol era meu pai

Olhei para o chão e não tinha ervas

As ervas eram as pessoas

Também para lá olhei e não vi as flores

As flores eram meus amigos

Também não vi as árvores

As árvores eram as pessoas que me diziam bom dia

E já não estavam lá as aves que voaram para longe...

Que eram meus irmãos.


Manuel Luís Feliciano 



 

5.22.2024

 O mundo é um texto 

O difícil é escolher  cada palavra

Cada verso

A pontuação correcta nos  lábios da vida 

Dar-lhes a respiração certa

Sabendo que cada uma se reveste de um olhar

De um silêncio de areia do deserto

Sabendo que nenhuma delas é perfeita 

Que nenhuma delas É assim tão grande

Que nenhuma delas É assim tão pequena 

Que Nenhuma delas se  encerram em  si mesmas

E nos permitem  seguir com as que escolhemos 

Sem que sejam pesadas como pedras 

Sem tropeçar em outras tão diversas  sobre as 

ruas 

perpendiculares e paralelas. 


Manuel Luís Feliciano 


4.28.2024

 Amo cada fio dos teus cabelos dourados, cada gota de orvalho do teu olhar,  cada precipício que me leva ao mais tranquilo e lugar seguro, sinto-te de folhas a amaciar o vento, de água a tocar -te as raízes, sou frágil ante a tua luz de espigas douradas, eu abraçado a ti,  tenras plantas quebráveis, soluço de mar e espuma, luz a dissipar-se no chilrear de um pássaro, busco-te como quem busca a eternidade, o teu andar que se prolonga na rua, procuro  morrer-te como o nascer do sol,  ouvir-te nas fragrâncias das flores, para que tudo nasça sem dor e lamento, bastaria que o sol ouvisse dos teus sussurros, as nuvens mais escuras do teu olhar infinito, a neve mais fria do abrir das tuas pálpebras, o florescer do luar  no  leito do teu rio a abraçar a noite, e déssemos como quem nasce  desse amor ao mundo.


Manuel Luís Feliciano 


 Vemos, ouvimos, presenciamos, sentimos e pressentimos - agarrados ao asilo da consciência.


Manuel Luís Feliciano 

2.29.2024

 Não te quero ver

 As ruas onde passo

 Sei-as de cor


 De olhos vazios para céu

 E lábios ardentes na terra

 Vou cheio de ti

 E das canções das ervas

 

E a tua carne

 origem de todo o silêncio

 do mar

 do rio

E do fogo

 Liga-se a outra carne

 

que não sabe do pó

 que dorme sobre os ossos


 Crianças

 Feitas de aveia

 Bebem-nos os astros sonâmbulos

 Mães a parir toda a dor


 E não te ver: são nuvens a desfazer-se

 O sol dentro de mim

 Em mãos dentro de outras mãos

 Barco na sêmola do amor


 No mar de uma navalha

 Em mãos desavindas do sal

 És luz que não deixa chegar

 E sombra que não deixa partir

 


Pássaro na orgia da brisa

 Ouço-te transmigrar para a morte

 Em grão a rasgar todo o fim!

 

manuel feliciano

1.20.2024

No mundo, eu experimentei várias coisas
das coisas  que experimentei, nenhuma delas me coube.

Manuel Luís Feliciano 

11.20.2023

O Eu entre os abismos

 

O mundo é o próprio abismo, o abismo de existir, o abismo de não o compreendermos, o abismo de encararmos a viagem,  o abismo de não nos percebermos, o abismo da ilusão,  o abismo de ser ou não ser, o abismo de não sermos por completo, o abismo de todos os porquês sem uma resposta óbvia,   o abismo da finitude.

Manuel Luís Feliciano

11.10.2023

 A consciência das coisas 

Em permanência 

Torna-se material

Dói e pesa

Como um homem já sem força 

Sozinho 

A arrastar-se à chuva.


Manuel Luís Feliciano