4.20.2013

Esta noite teria tudo para me levar ao teu rosto
Eu abro a janela e olho a escurdião à volta
Antes do meu olhar bater contra o prédio em frente
Tem um jardim ao meio os meus olhos
E a minha boca cheia de anseios
Uma estrela que tem lume e não arde
Pássaros que já dormem violentamente
Mas era a lua que eu queria
Quando abro com o coração a janela
a lua que revigorasse os meus pés frios
a minha cabeça pousada no teu colo
molhada pelos teus cabelos
nesta tão lenta sombra quase acordada

E é nesta cólera de eu te buscar à noite
Nesta enércia que bebe a cor das estrelas
Que era justo que o teu corpo se aproximasse
E o céu se iluminasse nos meus olhos
Eu eu adormecesse na violência dos pássaros
E encostasse o meu ouvido sobre a abóboda
E as tuas mãos me ceifassem em carícias
E eu me entregasse devagar contra este céu sem fundo
De umbigo onde a minha voz deslizasse
E os meus ombros verdadeiros e felizes
Chamassem pelos teus ombros
E a noite a noite me amortecesse num abraço
De tão fria que é a sua sombra.

Tenho esperado por esta noite desobediente
Pela tua mão tão dispersa sob a noite
Em que o amor está suspenso e não circula
Com a mesma devoção dos operários
Que dão todo o seu esforço à lassidão das máquinas
Por um naco de pão ainda no grão ferido
Tenho batido com a mesma ternura
Que eles elevam os seus músculos
E sustentam com alegria as esposas

Por um apelo às flores que já não vingam
Em nome de não ter que esperar mais por nada
Atravessa a nuvem densa e o abraço que não há
O beijo inútil entregue ao caule da ceara
O rio das crianças que doentemente sonham
Atravessa o silêncio na ausência dos lábios
Os dias banais e impróprios em que te espero
Atravessa a covardia dos músculos que paralisam
As lágrimas que não têm lugar senão nos olhos
A agonia que não faz parte da garganta
Atravessa a indiferença que o coração é grande
Os dias que já não lembras e ainda permaneces
Os barcos que se afundam dentro dos ossos
Atravessa a morte que não há-de ser nada
A primeira morte é a dos que não amam
A segunda morte é a dos que matam sem darem conta
Atravessa esses lugares que não viram os olhos nem sentiram o coração
A mentira da noite que não se move
Em que quase não chego a ver dia
E toda a tua ausência me engole. Dos dias em que um por um se quebram.
E o teu rosto inteiro
Fiel à luz
Fiel à vida
Atravessa a monotonia e o desepero
Atravessa a memória
Atravessa o tempo
aquele que vive esmagado nos ponteiros

O amor há-de ser sempre uma árvore em que eu te possa esperar
Da escuridão de uma janela sem um prédio em frente.

Manuel Feliciano

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