5.30.2013

Quase um pássaro



Nós vivemos uma vida inteira
ou uma vida metade
fingindo que amanhã é um outro dia
sem a mão e a pá lenta do coveiro
que desassossega
  Nos vivemos e desvivemos
  no deserto da garganta
Quase um pássaro a nascer de sede
e no fundo de nós há uma criança
sozinha chamando a mãe
e o resto é o vento
que nem sempre move as laranjeiras
Ou o meu corpo tão nú lugar de ninguém
como a ferida a alastrar no sol.
Uns dizem que é Deus
outros dizem que é o chão e a saudade
de sermos nós em algum momento inteiros
Um fruto de ternura nos braços de alguém.

Manuel Felicano

5.25.2013

Quero sol amor

Tenho a boca fria rasgada pela chuva

De a gastar com a sede

De a consumir afinal no que nasce e dorme

Na a luz dos teus cabelos

O silêncio da imensidão do sol, que não sabe do amor

E da saliva que resiste aos cardos que florescem

No silêncio de te chamar

O grão que se gasta a cada sílaba

O grão que levanta o pó da minha boca, a terra que limpa água suja

Com o rubor e o beijo dos pêssegos

O cheiro das ervilheiras, os meus pés molhados

O zumbido das abelhas tão tenras

Seja os teus braços contra a ausência

Que os meus olhos ardam nas folhas que secam amarelas

Mas que eu possa brincar num jardim sem estremecimento

Renovar o ar
A folha a cair de verde

A água que falta na borda dos lábios, na raíz dos dedos

Cortados

Na rocha que o teu rosto amadurece

Enquanto os meus olhos

Aguentam as palavras de bocas que nos apertam quase tácteis

E esmagam

As veias que queimam,

A força dos seios a limpar as nuvens.



MF

5.20.2013

Dia


Que dia é este
Sem mão e sem tronco
Que bate no meu corpo
E me oferece
Água
De lábios tão secos

Que dia é este
De beijo que só sinto
O corpo em absinto
A boca destilada
Que evapora
E é Nevoa.

Que dia é este
Que me abraça e leva
E o sol tão inteiro
afogando-me a cara

Que dia é este
Dia de nascer
 De um funeral de flores
abrindo as cúpulas
No teu seio quente
A primavera que chega.

MF

5.18.2013

Na minha garganta bate o sol nas pedras
E os teus passos de mel piam-me de dor
Cheiras-me a flores que morrem de belas
E dentro dos teus pés é todo o meu amor.

Na minha garganta há um campo verde
De ervas e papoilas, carne onde te deitas
E eu sou o grito molhando a tua sede
O chão ausente com que me deleitas

Na minha garganta está o fim de tudo
O meu pescoço dorme junto ao teu peito
E os teus braços chegam a não ser nada

Na minha garganta começa o teu leito
Sinto a cinza no sangue da tua palavra
E tu em mim somente o céu sem fundo.

Manuel Feliciano

5.08.2013

Mãe

É manhã quando a tua mão
Floresce contra o silêncio
A estrela que arde na boca
A tua voz abre
Onde o trigo adormece
E faz flor
Do rio que já parte
E Céu que escurece
A tua mão
Ainda que cansada fica
Traz o fogo
Da morte mais profunda
Ouve-se os pássaros
As ervas
E as abelhas
Todo o resto é noite mãe.

Manuel Feliciano