5.27.2011

Não é um mar

Um não meu amor



É quando as estrelas brilham já desfeitas

E o sol amadurece no céu de argila



E o branco da folha se faz corpo

Com cheiro a terra

E gritos incendiados na seda do barco

Que desprendem os cadiados da chuva

E as palavras no cardume das nuvens

Em cálices de dedos entornados

Num um não

Que sabe dos teus braços abertos

No orvalho de carvão Vivo Por mistério E lonjura Sem fim

Em vozes a baloiçar nos braços trémulos das ondas

Com unhas que avivam o desejo nas cinzas

Ainda por arder

Sempre por arder

Todo em árvore

Ainda por me ser

Já florido Cheio de frutos

Verde de infância Num pátio com plantas Ao faz de conta

Onde tudo é conta

E a conta é sempre

Que burilas sem pressa



Ai amor, estás-me a doer: É não morte Num mar de trigo dourado

E um banco sempre connosco sem sombra





Em que nos salvaremos

Porque somos loucos

Sem mais nada Que nos afunde

Como um jardim que atravessa a alma E evita o mármore

Aquele dia em que um não me sabe todo à tua pele sem areia

E a apanha é um ai que ainda desconheço

Que me sabe completamente à tua boca em floresta!



manuel feliciano

5.21.2011

Água

A água corre

Desprendida das formas

E há sol

E árvores líquidas

Que correm

Em palavras, sonhos e seres

A cada gota

Labial

Que diz tudo sem embaraço



E as pedras

Na laringe da água

Árvore

Fruto

Gesto por ser

E mãos cegamente maduras Disfarçadas

Submissas

Inconscientes Velhas

Náufragas no verbo podre de madeira

A adolar o bolor da lúxuria da imagem

Rendido ao pó que unge toda a cabeça

E os pés no mar em toques de piano

A desviar toda a torrente



É a pedra

O próprio homem

Génio da sua sombra

Alma sem propósito

Servo da riqueza





E a água ? A agua não tropeça

A água… ai como dói esta água pura

A cheirar a alfazema

Num colo de carne

A água que vê tudo

A água que ouve tudo

A água que não disfarça Sem assombro

A água que sente rumo às estrelas

Que as próprias mãos não agarram

E chega bem alto porque se basta.



manuel feliciano

5.20.2011

Antagonismo

Esqueci-me de tudo

Como quem trás o mundo em bocados

Com pétalas de aurora

Escuridão em lume

E as tuas mãos arderem-me nas rosas

Do húmus a ser têmporas

O mar na chuva a escorrer-me pelas pálpebras

E eu

Neste vertical branco de juncos

És-me da cabeça

Do tronco

E dos membros

Na física das nuvens

Húmidas de olhares que se trocam

Nos teus cabelos a retorcer-me de brisa

No labirinto do teu pensamento

No teu abraço a crucificar-me

Lembro-me de tudo

Estás cheia de sede

Com um vestido azul a cegar-me os olhos

Mas não te moves

Porque te moves

E aqueces e esfrias comigo

O sol

E eu quero refrescar-te na memória da água

E tu abres a boca

Punhado de luz nas asas que me levam

A um corpo celeste

Fendido de esquecimento´

Ahhhhhhhhhhhhhhhhh não venhas!

tu vieste sempre àquele

Banco que não precisa de chão

Nem de corpo todo presente

Algures presente

Para quê presente?

Esqueci-me de tudo

Como quem te trás por dentro

O meu esquecimento é uma lembrança ausente

Comestivel como os figos

Do verbo iluminado dentro da tua boca

Que chama por mim Memória salgada com gaivotas

E eu procuro-te nas algas

E no que não há a oriente das faces Tudo com a força

De mosaicos arrancados Inseparáveis

E o sol tão branco é tudo por cantar



Por entre os meus lábios que te trazem!



manuel feliciano

5.18.2011

Fogo nupcial de anjos

Eu sou do próprio pó dos deuses

E mais à frente

Mais à frente

Há um mar só mais à frente

E é só a minha cara

Triste

Feliz

Contente

Nascendo em outras caras

Em outras abordagens

E o meu corpo todo fundido

Fogo nupcial de anjos

No tempo mais à frente

Que só tem mais à frente

Altos voos

Na profundidade marítima das coisas

Minhas

Vossas

Perplexas

Simples luar nas folhas caídas

Com crinças no pátio dos astros

Que sobem… que sobem… que sobem

Basta abrir a boca toda

Braçada de luz

E toda a imaginação

Tocável

Com a forma objecta dos sonhos



E é esse pó que me traz todo em seiva

Peixe

Iguana

Cobra

Março

Rio no rubor gasoso das nuvens

Estendido e amplo

De outono em primavera

Aberto nas hastes dos braços

Velejando nas alturas

E esse pó?

E esse pó? É só um sorriso a querer saber de mim

É só Deus a cravar-me um beijo

Sou só eu

Feito de ti

E tu é sempre que os jardins florecem

Sempre que queremos

E esse pó?

E esse pó?

Viagem de tudo

Ainda por fazer

Sempre por fazer Alagar-se de amor

Estrela redentora

É esse pó que não me quer nunca morto!



manuel feliciano

Giesta

Sou do abismo da Luz

Não existo

Só sinto

Giesta no verde monte

Sem sono

E pomar a crescer

Com frutos ilegíveis



Fora das unhas pintadas

Do morro da inteligência

Na cabeça dos fósforos

Palavra desoxigenada



Sou de outras pedras

De outro tempo!

De um vazio cheio de amanhã

E um ontem por nascer



Não tenho nacionalidade

Não tenho pátria



Não sofro de Mouros conquistados

Nem de Caravelas quinhentistas

Nos pulmões da água



Sou a própria caravela

Sem mundo e história

Mar florido da giesta

A arder-me por todo



Enquanto o mundo quebra

Não sabe de si nem das ervas

Reluz em bocas tão cegas

E as ervas são a minha pátria



Porque as ervas nunca se cegam

Com as sementes e os pássaros

Os rios envoltos em estrelas

E o sol nas mãos de outros seres.







manuel feliciano

5.16.2011

Não mais morreremos

Não mais morreremos



Porque o teu beijo fica para além





Dos barcos submersos Na voz do mar



Dos ouvidos

Deixados no silêncio das pedras





No fundo do abismo e das ilhas



Desencontradas

De estrelas apagadas no escuro



Das areias sem conchas



Da existência húmida dos ferros



Que a nossa boca

Fez flor

Planicie extensa

Palavra prolongada

Braço não palpável



Enquanto iamos ao fundo



De todos os frutos que não vimos

Numa visão longínqua

Vestida de uma manhã

Cheia de sementes e pássaros

Sedenta

Descobrimos o milagre

Fora da armadura do corpo

Amadurecemos sem sol

Colhemos só de querer O firmamento da rosa

Sem margens

Nas faces E fomos





Por entre línguas trémulas que não mais acabam.





manuel feliciano

5.15.2011

É dia

Sairemos de barco

Mas não pelo rio

Com a boca verde
Dentro da janela
A remar contra as nuvens

Só pela montanha
De pedra em pedra
De ramo em ramo

Por coisas distantes

Pelos gritos

Contra a desconfiança


A incerteza

O dia no qual não punha nada

Os punhos fechados na boca

Na impressão das imagens
Vestidas de madeira viva

De mar
Dia pleno
E justiça

Que te celebrem bem alto os ombros



Para fazer um jardim que nos mereça.




manuel feliciano

5.14.2011

Cântico Comum

A terra nem me causa amor

Nem desconforto

Só espanto



Nem a memória

Humana

Presa

Temerosa

Feita de sol e barro

A idolatro



Porque a memória é uma gaveta

Que não conhece a altura dos Deuses

Escondidos no abismo



O meu coração é pobre

E não corre atrás de nada

Porque o rio não corre atrás do mar

Deixa-se ir pela encosta

E não pugna pelas flores

Que latejam em jardins

Apanhadas há tanto tempo



Nem por sorrisos

Que se passeiam nas ruas

Mas que dormem

Sossegados na pele

Desde sempre cheios de vida



Não digo à torre alta:



- És a virilidade e a perfeição do tempo



E à torre baixa:



- És a margarida inacabada…



Não vivo como quem quer arrancar tudo

A nuvem que é nuvem também erra

E eu como ela caio

E eu como ela me evaporo

Em rotação constante



Sou um mero caminho acidentado

Não mais que um baldio de terra

Nas letras das ervas

Sem cicatrizes Embora doa

A urze e abelhas

Porque a vida e a chuva

Ardem mas não são lenha

E não nos deixam as cinzas

Senão a boca que transborda

O amor sublimado



Nas palmeiras do tempo

Entre bichos e coisas que são de um cântico comum!







manuel feliciano

5.13.2011

Urbi et Orbi

Deixa-te só ser árvore



Porque as árvores não se cansam



Cantam com alegria a fome



E abraçam para cima



Mesmo se os navios se afundam



No ciclo umbilical da seiva



A transbordar de ternura







Se és pobre ama com as mãos cheias



Sem quereres saber de ti



O mar inventa-o nas pedras



Porque as pedras são liberdade



Palavra sem freio ao vento



Mulher madura em fruto



Mar no colo de outros mares







Não reclames a pátria para ti



Porque a pátria é uma parte da beleza



Mas tu és da poeira ancestral



E nasceste com o propósito do mundo



E o mundo é do segredo da abelha



Que a simples asa ausenta



E só o mel é que faz jus aos teus olhos!





E os teus olhos magoados



Com o pássaro que caiu do ninho



Não choram só porque chove



Não riem só porque está sol



Estão envoltos numa outra esfera



Que sonha abrir a primavera



E morrer com a boca em cântico





Como quem morre de amor e é



Imagem musical absoluta



A única palavra muscular



Ave azul em pleno voo



Que toda a realidade é abstracta



Desfeita em veias do desconforto



Onde corro em plenas águas





Acaso que sabes das coisas?



Do ombigo que nada ouve



Da noite que abre os braços às estrelas



Da força que gera o mundo



Senão que inutilemente existes



Na eternidade que te conhece



Mesmo se te diz sempre que não



O não é um Deus que te sabe por inteiro.





manuel feliciano

5.11.2011

Pomar Vermelho

Granjeio o teu nome

Num pomar vermelho

De caravelas lavrando a espuma

Silêncio com sons que rasgam

Gritos em cavalos de sol

Que não se ouvem

E ecoam nos dentes

E a língua

Na omoplata do olhar

Desenha-te em sílabas

Em raízes de cabelos

Que Justificam todo o corpo

Ausente

Reflectido

Aqui e agora

Na fronteira sem linha

Antigos caminhos que me moram

Na explosão da estrela

Vivificada da pele

Onde me abraças e não sentes

O mistério da minha boca

Mar do azul das tuas pálpebras.







manuel feliciano

5.09.2011

Alma

Sofro por uma lágrima tua

Que me incendeie todo o corpo

Que me faça vislumbrar a alma

Esse pedaço fechado que levas nas tuas mãos

O que preciso para ter-me por inteiro

É uma lágrima a cair

É eu a querer saber de mim



Esse pedaço fechado que sabe mais

Que todos os olhos abertos

Não menos que as Ovelhas no pasto

Não menos que o Movimento da terra



É gotas de um sorriso no mar

É carne do meu sentir

Abrindo-te todas as mãos

Príncipio que não tem fim



Tão fechado

Tão fechado

Pedaço que sinto e não vejo

Falésia que me abre o céu.





manuel feliciano

5.07.2011

Cadavre Excquis

São de água os barcos submersos na cidade

A idiotice passeia-se em farois brancos

Que os mosquitos engolem sem misericórdia

E há tudo para sofregar numa manhã verde

Árvores dos pensamentos à tona das ruas

Enrolados num cigarro que poucos vêem

E a infância lateja nas folhas secas

E os olhos transbordam para outra face

Onde o sol não morre feito um cadáver





Disseram-me que havia

Uma mulher na praça

E que vendia

Costas nuas

Casas de fumo

Raios de felicidade

Noites sudorentas no cio dos corpos

O orgulho a desfalecer no leite

A raiva amolecer nas aves

E um suspiro quase a ser céu

O filtro do crépusculo em interditas pedras

Para não ser mais

Por detrás do sol

A terra em movimento inverso

Os lábios brancos

A inutilidade do espaço

Os rios varonis com todo o aço

O desmanchar do lume

Que nos traz à tona.



E eu comprei

Móveis que se dobram na boca

E se penteiam na lua

E não se confinam aos limites

E riem-se vergados de frutos

E nos despertam do sono

E nos enchem de outras ruas

No cérebro de outras lâmpadas

Um velho a perdurar no limbo

Um ninho sem um triz nos lábios

Fintei a firmeza da terra

O húmus no transcurso dos teus dedos

Onde escorrem as almas todas

E a dor é quando

O teu beijo é estrela amor

Face que dispensa toda a sombra

Quando me volto para ti.





manuel feliciano

5.05.2011

Para além das coisas

As flores secas num lugar improvável



Deram-nos as mãos num jardim verde



E os cânticos dos pássaros que não estavam



As maçãs douradas no gume do riacho



E as palavras adormecidas no sangue das folhas



Era a maravilha das fontes a desenlear



O nosso próprio amor a arder noutra vereda



E o vazio era um seio quente



E a inquietude as línguas no sossego do céu



E o fim o ciclo húmido da rosa



E a secura soube-nos a água pelos braços



Dos pés a cabeça a latejar na brisa



O verbo a refulgir nos ângulos já mortos



A vida prolongada em pedras maduras



Pingou-se-nos o corpo na constelação dos olhos



E os pés seguiram mesmo fora dos muros.











manuel feliciano

Do nada

Aí vem ela das sombras

Das cinzas

Dos lábios em terra seca

Invernos que mataram

Cheios de séculos

Destinos e labirintos

E a carne toda em brasa

Na cinturinha das flores[…]





Quero-te prender



Para que não saias do limite

Saindo fora de todos os limites



E te saborear

Saborear com gostinho

A a doçura do teu pólen

Na crosta

Inflamda da flor

A tremer





Depois da boca do gelo

Ter queimado toda a erva

Ter exclamdo toda a morte

Tu Sofres-me



Como raízes no cérebro

Como algo que só entendo



E por isso eu corro[…]

Como uma lâmpada do nada

Acesa com todo o seu escuro

Cheinha da tua voz[…]





Para te ter

E te deter

E escrever

E lamber

Os teus ombros

E abismos

E cabelos que não findam

E os cantos que a tua face

Esconde

E caminhos que desconheço

Como quem os conhece a todos





Mas tu[…]

Como és desejável tu

Com as tuas mãos fresquinhas

Sofregas para me nascer[…]

Porque és do abstracto das coisas

Só me deixas o perfume

E uma música a parir

O teu corpo a consumir-me.





manuel feliciano

5.04.2011

A angústia

Disse-me que havia um jardim

Onde os ramos eram rouxos

E que os desejos doiam

Mais que as cicatrizes da carne

E o sol ensopado de noite

Sabia à brancura dos frutos

E só a beleza escoava

Na dor azul tão réptil

Mas que as pálpebras inflamadas

Embora maduras para a apanha

Fazem parte de outro Outono

E que os pássaros eram outros no diadema do sangue

Que cinge a sua cabeça.



E quando a espuma lhe abraça a cara

E quando o sal é flor vermelha





O frio é árvore que abraça

O sulco dos olhos jardim

E a terra negra uma estrela

O único cérebro do corpo.





manuel feliciano

5.02.2011

Colo inóspito

Hoje todo eu sou uma larva

E o meu céu é uma maçã

Lançada ao vento

Nos olhos da terra

Voltados para as costas dos pinheiros

Para a visões que não engolem

E a caruma é o mar verde

E as minhas mãos sombras de pomares

Onde tu estás tão presente

E o meu grito é silêncio

Mas tem carne

O hálito da tua boca

Cheira à flor da tua pele

A cadeira onde te sentas e tomas amor comigo

Numa chávena sem fundo

E as madrugadas onde tu não estás



E as palavras fechadas dentro das cartas

Tão abertas como se a vida as quisesse



E o teu colo as acolhesse

São patas de caranguejos

Fogem da espuma do mar

Atravessam os limites da vida

Sem as rédeas onde as pernas tropeçam.

5.01.2011

Massa de ar

Quero a boca esmagada de ternura

E um sol de pedra que me mate a sede

Para que siga por esta carne fraca

E em silêncio escute a voz das silvas

Com os meus ombros de lata tumefactos

Porque eu quero o amor num tronco seco

E um céu de árvores com aves e estrelas

E entrar na casa húmida e transparente

Com pilares espetados dentro da massa de ar

Como se esteja agarrada aos músculos



E o chão já nem sequer valha nada […]

quero tudo isto

como as raízes das nuvens

Em hélices de aeronaves

Fogo e água

Riso e choro

Morte ilusão

E a vida palavra sem porto

Rolando às cambalhotas



Sem os olhos presos a amargos vimeiros

E à escuridão que cega

Me rasgue todos os meus olhos

Como a chuva que transborda a moldura da boca

E desagua nas pedras mesmo sem rio e leito.







manuel feliciano