10.19.2013

Quero-te levar a uma terra pequena
Tem gente morrendo de sede
Nessa terra pequena maior que o mar
Aqui os homens mais tiranos não cobram
Os dentes trincados na boca
A saliva na língua
Dormem nas raízes das silvas
O que seca abrange a imensidão
De um barco que navega na pele
Destrói as velas do horror e morte
E tudo o que a noite esmaga de silêncio
Nas pálpebras dos olhos, é rio que se desprende
Entre a Ogiva das palavras que sangram
Cai sobre a boca e os seios
Em forma de amoras.

Manuel Feliciano

6.02.2013

Silêncio


Silêncio
Nas veredas que ardem
Os seios tão puros
A carne tão habitada
Silêncio, de mãe, mais alta que o céu
De um beijo
Que queima a boca
De saliva
Silêncio
De uma ferida que cresta
Nas mãos de uma criança
Silêncio de uma janela
Virada para o mar, e não saber quem sou
Dos braços que apertam e não chegam
Silêncio,
 De uma flor ao acordar
  Das estrelas e do céu
E os olhos colhendo o corpo dentro do útero
Silêncio do frio
Que cheira a pele quente da voz que magoa
Silêncio das ervas ameaçando a morte
Silêncio que em mim não cala o rosto
Nem o amor, nem a rosa
Dos bichos no estio, encarnando o polén
Das bocas e sílabas que acendem
As Línguas de silêncio, amadurecendo o beijo!

MF

5.30.2013

Quase um pássaro



Nós vivemos uma vida inteira
ou uma vida metade
fingindo que amanhã é um outro dia
sem a mão e a pá lenta do coveiro
que desassossega
  Nos vivemos e desvivemos
  no deserto da garganta
Quase um pássaro a nascer de sede
e no fundo de nós há uma criança
sozinha chamando a mãe
e o resto é o vento
que nem sempre move as laranjeiras
Ou o meu corpo tão nú lugar de ninguém
como a ferida a alastrar no sol.
Uns dizem que é Deus
outros dizem que é o chão e a saudade
de sermos nós em algum momento inteiros
Um fruto de ternura nos braços de alguém.

Manuel Felicano

5.25.2013

Quero sol amor

Tenho a boca fria rasgada pela chuva

De a gastar com a sede

De a consumir afinal no que nasce e dorme

Na a luz dos teus cabelos

O silêncio da imensidão do sol, que não sabe do amor

E da saliva que resiste aos cardos que florescem

No silêncio de te chamar

O grão que se gasta a cada sílaba

O grão que levanta o pó da minha boca, a terra que limpa água suja

Com o rubor e o beijo dos pêssegos

O cheiro das ervilheiras, os meus pés molhados

O zumbido das abelhas tão tenras

Seja os teus braços contra a ausência

Que os meus olhos ardam nas folhas que secam amarelas

Mas que eu possa brincar num jardim sem estremecimento

Renovar o ar
A folha a cair de verde

A água que falta na borda dos lábios, na raíz dos dedos

Cortados

Na rocha que o teu rosto amadurece

Enquanto os meus olhos

Aguentam as palavras de bocas que nos apertam quase tácteis

E esmagam

As veias que queimam,

A força dos seios a limpar as nuvens.



MF

5.20.2013

Dia


Que dia é este
Sem mão e sem tronco
Que bate no meu corpo
E me oferece
Água
De lábios tão secos

Que dia é este
De beijo que só sinto
O corpo em absinto
A boca destilada
Que evapora
E é Nevoa.

Que dia é este
Que me abraça e leva
E o sol tão inteiro
afogando-me a cara

Que dia é este
Dia de nascer
 De um funeral de flores
abrindo as cúpulas
No teu seio quente
A primavera que chega.

MF

5.18.2013

Na minha garganta bate o sol nas pedras
E os teus passos de mel piam-me de dor
Cheiras-me a flores que morrem de belas
E dentro dos teus pés é todo o meu amor.

Na minha garganta há um campo verde
De ervas e papoilas, carne onde te deitas
E eu sou o grito molhando a tua sede
O chão ausente com que me deleitas

Na minha garganta está o fim de tudo
O meu pescoço dorme junto ao teu peito
E os teus braços chegam a não ser nada

Na minha garganta começa o teu leito
Sinto a cinza no sangue da tua palavra
E tu em mim somente o céu sem fundo.

Manuel Feliciano

5.08.2013

Mãe

É manhã quando a tua mão
Floresce contra o silêncio
A estrela que arde na boca
A tua voz abre
Onde o trigo adormece
E faz flor
Do rio que já parte
E Céu que escurece
A tua mão
Ainda que cansada fica
Traz o fogo
Da morte mais profunda
Ouve-se os pássaros
As ervas
E as abelhas
Todo o resto é noite mãe.

Manuel Feliciano

4.20.2013

Esta noite teria tudo para me levar ao teu rosto
Eu abro a janela e olho a escurdião à volta
Antes do meu olhar bater contra o prédio em frente
Tem um jardim ao meio os meus olhos
E a minha boca cheia de anseios
Uma estrela que tem lume e não arde
Pássaros que já dormem violentamente
Mas era a lua que eu queria
Quando abro com o coração a janela
a lua que revigorasse os meus pés frios
a minha cabeça pousada no teu colo
molhada pelos teus cabelos
nesta tão lenta sombra quase acordada

E é nesta cólera de eu te buscar à noite
Nesta enércia que bebe a cor das estrelas
Que era justo que o teu corpo se aproximasse
E o céu se iluminasse nos meus olhos
Eu eu adormecesse na violência dos pássaros
E encostasse o meu ouvido sobre a abóboda
E as tuas mãos me ceifassem em carícias
E eu me entregasse devagar contra este céu sem fundo
De umbigo onde a minha voz deslizasse
E os meus ombros verdadeiros e felizes
Chamassem pelos teus ombros
E a noite a noite me amortecesse num abraço
De tão fria que é a sua sombra.

Tenho esperado por esta noite desobediente
Pela tua mão tão dispersa sob a noite
Em que o amor está suspenso e não circula
Com a mesma devoção dos operários
Que dão todo o seu esforço à lassidão das máquinas
Por um naco de pão ainda no grão ferido
Tenho batido com a mesma ternura
Que eles elevam os seus músculos
E sustentam com alegria as esposas

Por um apelo às flores que já não vingam
Em nome de não ter que esperar mais por nada
Atravessa a nuvem densa e o abraço que não há
O beijo inútil entregue ao caule da ceara
O rio das crianças que doentemente sonham
Atravessa o silêncio na ausência dos lábios
Os dias banais e impróprios em que te espero
Atravessa a covardia dos músculos que paralisam
As lágrimas que não têm lugar senão nos olhos
A agonia que não faz parte da garganta
Atravessa a indiferença que o coração é grande
Os dias que já não lembras e ainda permaneces
Os barcos que se afundam dentro dos ossos
Atravessa a morte que não há-de ser nada
A primeira morte é a dos que não amam
A segunda morte é a dos que matam sem darem conta
Atravessa esses lugares que não viram os olhos nem sentiram o coração
A mentira da noite que não se move
Em que quase não chego a ver dia
E toda a tua ausência me engole. Dos dias em que um por um se quebram.
E o teu rosto inteiro
Fiel à luz
Fiel à vida
Atravessa a monotonia e o desepero
Atravessa a memória
Atravessa o tempo
aquele que vive esmagado nos ponteiros

O amor há-de ser sempre uma árvore em que eu te possa esperar
Da escuridão de uma janela sem um prédio em frente.

Manuel Feliciano

4.18.2013

Desfiguro na floresta do teu umbigo
Ao teu calor fecho os olhos
e sinto a morte
a abrir-me
é como o mar das tuas pernas
a ceifar-me a boca
tão verde de pássaros
nos ramos da floresta
o cantar do sol
a entregar-me outras planuras
os teus ombros quentes
Na minha garganta em cinza
enchem-me da tua boca
Braços de ternura
respirar de estrelas
Ferida de água
A erva cresce-me no mais fundo de ti
Na escuridão dos peixes
Dobrando o pescoço
O teu tronco inteiro
Molda-se ao meu e ainda é dia!

Manuel Feliciano
Eu já morri com as flores mais brancas

E o que agora anda em mim

São as sílabas na tua boca

Em lábios quentes de mar

Nos destroços dos teus olhos

Um jardim

E frutos a cair de chão

Mais altos que os nossos braços nas nuvens

Que Deus não trinca com a boca

Ante a língua dos teus cabelos

Uma abelha é mais que abelha

Sobre a seda do umbigo, ainda é

Tão tenra a Lua

Que cheira a seio e a leite

Os meus dedos semeiam

O amor quente de mãe
Ventre que germina as narinas

A carne que não morreu

No poente das sobrancelhas

As tuas mãos a nascer

Desprendem-se do meu corpo.

Manuel Feliciano

2.26.2013

Tem o teu cheiro
O reabrir dos braços
A densidade do mar
A beijar-me a boca
E o sol é a tua sombra

Tu de pernas nuas
Barro desfeito, moldando-me
Já a tua mão me queima os olhos
E o teu sangue é gaivota
O teu olhar a garganta

De maçãs pelo chão mordidas
Lábios que sabem à areia
E bagos de uvas inchados
nas tuas mãos frias
E em mim primavera florida

De um beijo semeado nos ombros
contra a saliva que não corre
Escrevo ilha no mar
Seio de barco em névoa
Do fim à primeira abelha no mel

E tu morrendo-me no jardim
Sob a noite escura, deito a cabeça na tua
Já és pássaro e brisa! A cor embebecida
na flor de aurora! Soluço de sal.

Manuel Feliciano ( IN MORTE DO AMOR)

2.20.2013

É impossivel…
Que o vento a lamber a janela
Que esta noite escura
E a chuva a cair na boca
O frio de uma estrela
A disjuntar-se nas pálpebras

não sejas tu lá fora
a bater-me dentro
Na fevre de videiras secas
Os olhos rebentam
E dou-te as mãos em abandono
O teu rosto pousa-me

Que estes dias distantes
Não tenham o sopro de sol
Na tua garganta
E um rio correndo para a fonte

Os teus lábios aliviarem-me a boca
A arrancarem-me a morte
VOU DESFEITO numa manhã clara
na rua dos teus seios
nos teus cabelos intactos
De frutos que não se vêem

Não seja o meu corpo e o teu
A chorar de amor!

Manuel Felciano

1.31.2013

Serão os teus joelhos magoados

Hoje o sol e os passarinhos

Ou um sorriso a saber à tua boca molhada

Que não sabe de ti, e toda a tua garganta na minha

Os teus dedos apertados nos meus

Como uma fonte a secar, cheia dos teus cabelos

Os meus olhos, junção das tuas costas

Que abrem no mar as suas asas.

MF