7.27.2011

Verão quente

Quero-te mais que a pele do teu corpo

Que o céu quer às estrelas

E é só isso que quero que seja a morte

Sono dinâmico do beijo

O meu amor extremo de outro corpo!


Ah se soubesses como te amar

É ter todos os caminhos sem caminhos

É não conhecer mais o fim

Só o das palavras

Que se alongam

Em raízes de barcos

E não mais se desfazem





Em faces na chuva



Ah se soubesses como tu e eu

Somos o céu

E o que fica para além

Que arranhas com as unhas
Ainda todas por sentir

Sempre por sentir

E já se sentem

Bordadas ao pescoço

Como é belo este assombro

De corda de violão que se estica
Do bico à asa
Do céu ao bico
Neste verão escorrendo em primavera
Com uvas doces cheias do teu grito.



manuel feliciano

.

7.20.2011

Seios

Os teus seios, ai os teus seios

Redondos como a alma humana

Silenciosos da cor dos gemidos

Braçada de mar nos olhos

Curvos com toda a extensão

Escrevem nas lascas dos lábios

A mudez a arder de gozo

E enquanto morro é vale vivo

E enquanto vivo procuro o vale

E as palavras curvas

E os beijos curvos

Que voltam ao mesmo ponto

Ao mesmo olhar

Feito de coxas macias

Qual timbre da chuva na cara

Qual sol a beliscar o arvoredo

É quando a terra deixa de existir

Nos teus seios de ardósia e uvas!



manuel feliciano

7.09.2011

Poema do desconhecido

Nas entranhas das uvas em videiras

Alagando o vale da minha alma

Eram de água as pedras nas raízes

Os esteios pontos onde se cruzam

Os olhos que poderiam ser só terra

A terra que poderia ser só sombra

Mas eu crepintando, na folhagem

Entre os arames das ramadas

sou mesmo se a luz não tem mar

sou mesmo se a chuva não tem mais carne

Porque os castelos são de fumo

E o fumo é de terra

E a terra o coração

Ah como as videiras choram e as lágrimas não são suas

E gritam por uma casa envolta num mistério

Uma boca dourada que lhes beba o sangue

Ah mémoria de um impulso que reencarnou um corpo

Por uma morte que nunca aconteceu

Porque já aconteceu e ainda está tudo vivo

O mundo é surreal como todas as paredes

Paredes que são vácuas

Mas são paredes

Estrelas que não têm luz

E luzem

Olhos com cataratas que vêem

Ah materialidade imaterial dos gestos e das coisas

Do que se aperta e desaperta

Projecção elástica de estar vivo

A morte é agora quando abres as asas

E a brisa cardíaca inaugura todo o corpo!

O corrimão que não quer saber das mãos

Cadáver musical de uvas

Por entre a clave dos dentes!



manuel feliciano

7.07.2011

Estás à espera de que?

Estás à espera de que?

O chão é feito de ar

E o sol é feito de chuva

Olha o rio que corre na árvore

Mesmo com as raízes presas

E o rosto quente na neve

Mar que é mar sabe a beijo

Beijo que é beijo sabe a sal

E nós somos tudo isto

Mas tu prende-me

Prende-me

Com as cordas da tua voz

Com que o amor é feito

E colhe-me em amoras nas nuvens

É aí que os anjos estão

De clamor e céu nessa pele

De aurora e brisa

Carne sem mais forma no explodir de estrelas

Húmidas de saliva

A escorrerem pelo tronco

Lâmpada incandescente

Estás à espera de que?

Que os anjos vivam por nós?

Faz dos teus olhos a ponte

É hora de trocarmos palavras

Com cheiro a púbis florida.







manuel feliciano

.

7.02.2011

Pelvis

Ouvia-se uma árvore estranha numa nuvem

Depois a nuvem despiu-se como uma mulher na chuva

A terra toda seca alagou-se

E o pássaro abriu os gomos secos

Na pelvis da terra

A cheirar a carne



E um grito cor de laranja

Relampejou

Entre os braços que já dormiam

Os lábios procuraram-se noutros

Nasceu de uma força mágica

A erva no sorriso

E um silêncio

Mais cortante que a altura das estrelas

Disse-me com raízes de cabelos



Que ser homem

É só metade de si na luz em torno da lua

Num beijo absoluto

É sempre que

Um pássaro transborda a finitude do mar

É Sempre que uma palavra emerge

Nos músculos de outras paredes.



manuel feliciano