11.14.2019

Portugal

Portugal

(Desglorificação)

Pedaço de corpo

Desabitado
Bravio
Verde em flor
Ainda por dar fruto
De toda a gente
Outrora
Berço de algum astro
Cultivado
Promessa de um céu limpo
Beijo sem ferida
Mar eterno onde bracejo
Da saliva que regressa ao ventre
E te procuro ó mundo
De dentro para fora
Expoente da raiz
E da flora
Jardim onde me sento seguro
Mãe
Sem fronteira.

Manuel Luís Feliciano

8.29.2019

Barrô


8.29.2019
Barrô

Ao crepúsculo
Uma casa iluminada
À luz de uma laranja
O fogo no coração
Olho-te por dentro
Mulher simples
Descalça
Abres-me a porta
Na flor do teu mistério
Os teus lábios chamam-me
No teu olhar
Desfolho-te
Pétalas de montanha
O teu corpo
Terra fresca e doce
Tremor de orvalho
A tua mão
Leme
Carne da minha
Ouço a tua voz
No rio do teu vale
De silêncio
E pedra
Soluço o teu nome
Barrô
Mulher
Cheiras-me a mãe
Douro
Terra de Santa Maria
A urze
E rosmaninho
A moscatel
Molhado de beijo
O céu limpo
A vida
As folhas das videiras
Cobrem-te o corpo
Início do mundo
Éden
Eu sou Adão
Tu és a Eva
Errantes
Peregrinos
Expulsos
Descido ao teu limbo
Ondeio no teu corpo
O teu sorriso de mosto
Mar de espuma
Amo-te tanto
Pedra por pedra
Deixa-me ouvir os teus cabelos
Seres-me o Paraíso
Conhecer-me
És tão linda
Ao amanhecer
Da tua brisa
Entre a boca
Desprende-me
O sol a nascer-te
Terra prometida
Desmorre-me
Em ti uma casa
Caminho de ir e voltar
Gosto tanto de ti
Pelo teu vale
Perco o meu mal
Só música de cordas
Os lábios nos teus gritos
O que não morre
O que não tem fim
Amor letal
Eu sou a brisa que a tua boca respira
O sol que amadurece o teu rosto
A chuva que serena a tua voz
Tu és igreja matriz
Rezo-te em flor
E a minha boca ferida de amor
Como as pedras de um convento em ruínas
No silêncio do teu coração
Adormeço sobre o teu colo
Lugar onde te sou
E volto
Te morro
E nasço
Mulher.

Escrito  no lugar de Cimo
de Vila-Barrô

Manuel Luís Feliciano

8.14.2019

Portugal

És tu que lhe dás o sol
O sopro
O corpo
O coração
A minha boca
A viajar na tua
Aquece-me a voz
O sangue
Frémito de lágrima
Consolo
De amor enleado nos braços
Portugal
De cada um de nós
Distante
Ausente
Poço de ternura
Que te devolva as asas
Uma janela aberta
Sonho
Aroma da pele
A seda
Grito
Uma mãe
A gerar um filho
De mãos de terra
Mátria
Olhar de lume
Lábios de outra placenta
Choram
Sementes roubadas
O chão vazio
O escuro
Árvores que perdem a voz
O sol sequestrado
No azul das tuas ancas
As algas
Iodo
O mar em desmaio
De saliva
Amor ferido
As palavras
Manta morta
O teu corpo reluz
Ao encontro do meu
Ouço-te em flor
Suspiro de luz
Fermentação
Suspiro
Morro-te.

Manuel Luís Feliciano

8.09.2019

Portugal


Perdes-te no rumo
Desfazes o caminho
As mãos
Nas curvas
De pó
O Deserto
Aroma de seios
Blusa
Azul de mar
Negra
A flor
Vermelha
Que arde em silêncio
Na casa de gomos
A boca de incenso
Os lábios de ervas
As nuvens de folhas
A chuva no dorso
A frescura das aves
O sol a raiar
No colo
Molhado de saliva
A incendiar
A paixão
A voz
O ventre
No corpo despido
O amor
Na falésia
Uma janela que escorre
De ar quente
Nas ancas salgadas
Suspiro
O teu nome
Que arde na boca
Lua crescente
Os meus beijos
A suspirar os teus cabelos
Que são de todos
De trigo
E uvas
País à beira mar
Longínquo
Emudecido
De vento
De areias
De escórias
Vozes que gritam
A tua rosa pura
De húmus
Dormente
De corpos inexistentes
Perdido
Por inventar.


Manuel Luís Feliciano

7.26.2019

Felizmente há luar

A noite é velha
De sílabas cansadas
De flor a crestar
O medo
A voz enferrujada
Navios roucos
Pousados
Sobre a areia
Rosa divina
As tuas mãos são o leme
Contra a miséria
A pobreza
E a opressão
Desata o povo
Felizmente há luar
Rosas nos seios
A esperança
E o amanhã
O fogo que nos quer
Viver
A boca
Quente
O orvalho
A paz
O mar
A pele
As costas
E a redenção
Ardem cadeiras
E moedas no chão
As grades
O cárcere
Somos o vinho
Que ferve pelos bagos
Dança comigo
Põe a tua saia verde
Calam-se os sinos
E os Reis do Rossio
Tu és Paris
E e eu a Revolução
A queda da Bastilha
A voz nova que nasce
O fogo
A redenção
O povo
A rua  menstruada
A voz que sonha
O feto
Vencer a escuridão.


Manuel Luís Feliciano

7.19.2019

Douro - Loivos da Ribeira




Douro - Loivos da Ribeira

Os teus olhos
Pousaram nos meus
E os meus incendiaram-se
Ficaram com medo de entrar
Nas janelas dos teus
De quem olha um Jardim
De quem se quer sentar
E sentir a paz das oliveiras
Eu fiquei tão sereno
Porque encontrei em ti a colina
O deslizar do vale
E o rio Douro a correr-nos
A mansidão das ervas
Os teus braços tão leves acorrentar-me
E a tua pele terra de brisa
À espera de um beijo
Que te abrisse o voo
O céu que atravessa a ponte da Ermida
O teu olhar
Da humidade do Douro
Abraço
Do amanhecer
Ternura
Suspiro do que volta a nascer
O cheiro das laranjas dos teus dedos
O amor
A peregrinação de uma encosta
Que nos mostre o mar
E no fundo
Do nosso olhar e da nossa carne
Deus em nós reunido
Cada sílaba que não conseguimos dizer
Mas que vivenciamos
A origem do mundo
O infinito das tuas pálpebras
Eram de carne e não eram de carne
Os teus cabelos eram tão de luz
Mais longos que o mundo
E o teu rosto
O milagre da música
Amor
Big bang
Eu amo-te tanto
Que ouço as tuas flores dentro de mim
O céu a iniciar-se
A beleza de todos os animais
O fogo que traz a vida
O Deus que há-de vir
Verdade dentro de nós
Poema
Segredo
Beijo!

Manuel Luís Feliciano



7.18.2019

A selva

Esta Selva
A que deram o nome de Portugal
Elefante sem direito a terra
Maranhão
Índios exaustos na guerra
Dos cafezais
Branco explorador
Negro escravo
Não é cultura
Nem amor
É tortura
Sem pudor
Ideologia
Se ao menos lavasses o rosto
No rio Jordão
Se fosses sangue do mesmo sangue
Se fosses amor do mesmo amor
E sentir de todo o sentir
Vivesses nos ombros
E os ombros vivessem em ti
Tu serias Portugal
Terias fado e lágrimas
Sentisses a fome
E fosses a fome
Olhasses os que choram
E fosses os que choram
Olhasses os mendigos
E soubesses ser a rosa
Mística
De sal
E mar para todos
Aos que sofrem
Seres rio e verdade
Aos que que nada têm
Seres caravela
Luz e leme
País de tiranos
O mundo impuro
Consente
Eu não
E em cada canto das Cidades
Gorilas por debaixo das Pontes
São animais sem país
Sem língua
Identidade
Cidadania
Não entram na conta
Do político
Malabarista
Da esquizofrenia
Alienação
São carne para matar
Os sem braços
E pernas
Animais de outra espécie
Na selva do capital
Não prosperam
E sonham
Minguam o corpo
Não há bananas
São vendaveis!
Quem te faz a cama
E te mexe a lama
E nela se enlama
É o político
Que vai morrer
Ao relento do céu
Do mesmo jeito que o gorila
Virar merda
Ser cagalhão
De nada lhe vale o tostão
Astrolábio sem direção
Sem estatuto
E ideologia
Dar o tributo ao chão.

Manuel Luís Pereira Feliciano

7.13.2019

Metamorfose

Metamorfose

Greta
Era de ti o beijo
Do bicho da seda
À borboleta
Em movimentos lentos
Os teus braços velas
Nas ondas do corpo
Cada carícia
Da língua ao pescoço
Asas
Voo
Cativeiro de flores
Gemido
A descer-te pelos ombros
À velocidade do fogo
A reparar-te as ruínas
Dos seios
Pétalas por pétalas
Do verão
À primavera
A luz
A chamar-te
O movimento das ancas
Inóxidadas
A raíz
À regressar à semente
Ao sémen
À púbis
No veludo da carne
Rio estendido
Intermitência
Entre o antes e o depois
O sono
Quarto aberto
O tempo a lamber os frutos
Um Deus na tua carne
A minha boca a gemer-te
Do sumo para a laranja
Da laranja para o arco-íris
Fora do sistema
Na saliva que corta o fogo
Do fogo que ateia a saliva
O limbo
Frémito de ternura
Nas tuas costas
Pernoitadas por dedos aflitos
Insecto que ao beber da flor
É mar a deitar-se no sol
Eixo ininterrupto
Da casa para o trabalho
Da luz que mata a escuridão
E não estorva
No teu corpo labirinto
(In)hóstil
Inteligível
Jardim
Dos cabelos que não emergem
Na brisa
Os nossos lábios
Lenha inconsumível
Cratera
Infinitude
A fechar-me
A abrir-te
A nascer-me
Intocada
Útil
Vai e vem
Regresso a casa.

Manuel Luís Feliciano

7.12.2019

Júlio Cortazar- A Auto-estrada do sul


Em Fontainebleau
Corrente de fogo
Flor na auto-estrada
A rapariga do Dauphine
Na saia do tempo
Corpo a perder de vista
Alimentou as rosas
A inocência
O Jardim
Deu de Beber à noite
E à manhã
Desmanchou no travessão
A cólera
Nos seus braços lânguidos
Fronteira
E além
Amadureceu o frio
Arrefeceu o sol
Perfilhou os ocupantes
Do trânsito parado
Encontro da tribo
Da minha boca e a tua
Borboleta desamparada
No pára-brisas
Relógio sem ponteiros
Soluço da brisa
Acidente
Espasmo das nuvens
A compaixão das rosas
As tuas mãos as de todos
A salvação
Do meu olhar e o teu
Acorrentados
Rectrovisores
De longo alcance
Todos connosco
Em caravana
A ilusão do voo
Nas tuas ancas
Ciclo do fogo
Olhar de anjo
Filho a nascer
Esperança
Terra prometida
De mãos dadas em direção ao sul
Sonho do amor
miragem
Espuma de alfazema
Água quente
Pelo peito e pernas
E o vinho
A fermentar o amor
Sobrevivemos à sede
Paris
Nos teus seios límpidos
Conheço-te
Ao arranque dos carros
Que se perdem
Avançam
Sem olhar para trás
O ciclo das asas
A fragmentação dos corpos
Desconhecidos
Cada rosa por si
As silvas dos lábios
Que ainda querem os meus
Inflamados
O meu olhar e o teu
Desacorrentam-se
Do mundo inteiro
Utopia
Adormeço nos teus cabelos
Levo-te por dentro
Flor de gasolina
Cano de Escape
Sonho
Peregrinação
Alegria de chegar
Desencontro.

Manuel Luís Feliciano

7.08.2019


Jesus Cristo

Porque te deixaram morrer

A voz abrindo-se na folhagem das pedras

As palavras nos ouvidos dourados das areias

O coração sempre do mesmo lado

O pregos no lugar dos dedos

As andorinhas piando na boca

O amor - mãe em carne viva

o meu coração não tem lugar para o teu fim

Pensas que faço uma vénia à múmia do mundo?


Clamo-te - E não te ouço

Num sorriso edificado

As tuas pernas sem mais mar

Uma árvore despida - Barco do teu dorso

Sem as moedas de César

Só espada que nada sabe da ternura

Os lábios que tudo sabem sobre a espada

Que Deus é esse que te mata de amor?


peco
Como eu peco meu Deus
no mais sujo de mim
há uma flor branca
E os teus pés lugar para eu chorar
Os cabelos de Madalena
doendo-me no pescoço


Nenhum Deus merece a tua morte

nem a tua palavra

nem o teu rosto

Só amoras nessa ferida tão tenra

na crusta dos olhos

Só os teus pés cansados da terra

A aliviarem-me - os lábios da ceia

de Crianças em eiras de milho

Dobando o mar em corações de papoilas

No beiral dos pássaros

uma árvore à espera da porta da tua mão

Que entre por esta boca tão pouca!


Manuel Luís Feliciano
Entre a sombra e o homem
Entre o homem e a sombra
Quero a tua mão fresca de fruto
Que me tire daqui
Das areias finas
Do teu corpo escaldante
A terra
Deserto
A música da tua saliva
Só a rosa da tua boca
Beijar-te a púbis
Ser rio
Decompõe as palavras
O grito das flores
A beijar o verão
O sol que não chora
As ruas em betão
Os frutos a gritar o Outono
O aroma das tuas pernas
Salva-me
Sabes a mel
Criação da água
Beijo
Desmoldura
Pele fresca da chuva
Abraço-te
Decompõe-me a noite
Decompõe-me o dia
As ideias que cegam
O princípio
E o fim
As frases que estão presas
E os teus seios o jardim
Liberdade
Veredas sem caminho
As palavras que correm
No estalar do amor
Voz  do poema da tua boca
Abrigo
Sem lugar.

Manuel Luís Feliciano

7.03.2019

Portugal - Mercado negro

Portugal
País do mercado negro
Tudo é vendável
Vende-se as leis
A constituição
Os direitos
Até a compaixão
Se tens dinheiro
Há leite que escorre pelos seios
Se não tens dinheiro
Já não és cidadão
És moço cangalheiro
Se te chegas à frente
Jogas o pião
Se não te podes chegar
Cai a noite
Sobre o teu lar
Ficam os barcos a cantar
Com a ferrugem
Ao luar
E a guerra no coração.

Manuel Luís Feliciano

Portugal - Desrespeita as pessoas na precariedade e doença

As tuas leis
São de um fado
Que não tem reis
Só bóis e um arado
E cornos da paciência
Do homem
Que morre à míngua
Do mendigo que dorme na rua
Do homem acidentado
À volta da nora
À volta da nora
Desamparado e entregue a si
A comer de um pai que já não tem
Ao qual o Estado te obriga
Do pouco que te podem dar
Porque o Estado fugiu
Está na puta que o pariu
Não cumpre a santidade
Nem a lei da Constituição
E cede à corrupção
Ó flor da economia!
Somos todos portugueses
O povo come da pia
O mediano fica sem nada
Coitado do inválido
Do homem que adoeceu
Não tem direito morreu
Contra esta máquina que mata
Estado dos nossos impostos
Do diabo do dinheiro
O Estado és tu e sou eu
Não é de nenhum barqueiro
De um homem por fazer
Quer-se um homem inteiro
Não um pseudo burguês
Pago à conta de um português
De um homem que caga
E borra o cú como todo o freguês
Queremos a sanidade e o bem
Não te apoderes! Oh tirano!
E dizes que nos fazes leis?
Sem  sequer nos inquirires
Tu crias-nos agregados
Nossos corpos já criados
Leis de engaiolados
Já velhos por doença
Sem direitos e maltratados
E nos obriga a comer do pouco dos nossos pais?
E a nossa liberdade, e os direitos na doença?
Direitos a não ter direitos
Direitos à dignidade depois da morte
Santos deputados
Trabalhadores do estado e do privado
A quem servis? A Deus ou ao diabo?
Deputados dos cemitérios
A honra que te seja feita! Há fome!
 E desavença nos lares
Abram as gaiolas da liberdade
A que te subjugam
Ó Estado desumano
Indignem-se portugueses
Escarrem nas botas dos deputados
É dia de feira! Políticos da mentira
Portugal como as ervas para toda a terra
País de cidadãos humilhados
Não cedeis a esta tirania, de gente que nos espolia, e nos trata por vilãos.
E falam em democracia?

A sombra da Europa.
Olhai para o chão malfeitores



Manuel Luís Feliciano

7.02.2019

Portugal

Nasce o sol
Na púbis da montanha
Há erva que cresce
E alegra a terra
No corpo maduro
No suspiro de orvalho
A formiga trabalha
A farinha
E o pão
Que cresta na boca
O gemido do dia
E outras tantas caem
Pelos seios inclinados
À guerra
À tortura
Ao silêncio
À indiferença
Ao medo
Se a formiga não tem pernas
É tirano o beijo
A lei
A ferida
Que esmaga de desejo
A voz dentro das flores
O sol entrecolhido
A luz de não seres nada
No mar que está parado
Portugal não chora!

Manuel Luís Feliciano

É neste silêncio tão de árvore
De cinza
Que os teus braços contra
o  meu peito
de nuvem mordida
de chuva
semeiam as primeiras folhas
E o teu fogo entra na raiz

E na saliva que corre
O céu é inteiro
O teu corpo quente
E as aves, que se foram
parem-me a luz
a tua brisa
E as ameixas rosas dos teus lábios


O teu nome
Escorre-me pela garganta
Desagua pela tua
Cintura
vem-me o cheiro
Do teu ventre
E a tua mão a nascer na minha

Os teus cabelos
ainda florescem
E chamam as abelhas
Tenras
Às flores com que te trago
Neste silêncio.

Manuel Feliciano

Árvore

Subi ao cimo de uma árvore esguia
Contei-lhe a angústia que o meu peito sente
Ela cantou comigo enternecida
Não tendo a solidão de toda a gente

Olhando-me no rosto, fez-me querer
Que ela não tem dor nem solidão
E para além do que dói é barco a vencer
A ferrugem do barco no coração

Eu fiquei contente, esqueci o mundo
Senti-me alto no seu enaltecer
Perdi o medo que tenho de viver.

Ao ver-te enraizada lá no fundo
É no céu que almejas o teu viver
Nos ramos consegues o mundo conter.


Manuel Luís Feliciano

7.01.2019

Sou grito apenas que se levanta
Não posso ser teu porque sou de ninguém
Sou ave que voa e se encanta
Ao pousar-te és-me o céu mais além

Como um salteador que vai vagueando
No trigo dos teus cabelos se abraça
No tempo em que o teu olhar me enlaça
E os meus lábios com os teus vão chorando

Uma gaivota que grita dentro de mim
Sou como o vento que não consegue parar
Dentro dos teus olhos a naufragar

Voando ao partir longe de ti
És-me o perto das tuas mãos a chamar
Proa de seio pelo amor a marear.

Manuel Luís Feliciano

6.24.2019

Portugal da Rés-impudica

Portugal
País insano
Não tens barcos
Nem arrais
São as formigas o teu cais
Que te abrem o mar
Palhinha  por palhinha
Que te carregam
Do extremo da flor ao mar
Falta-te o gesto humano das ervas
Num por de sol
A morrer de paz
Não tens o tremor de um beijo
Urge-te saber seres terra
Pés nos valados
Geada nas mãos
E ouvires o coração
Nas pernas das mondadeiras
Dos grão da estirpe humana
Dos animais e árvores que respiram
As flores e bichos que o Planeta abraça
Seres sangue de todos em cada um
E ao teu silêncio mais um mendigo
Um excluido de feras de carne
Uma prostituta que ilumina a praça
Mais pura que a verdade
Um homem desempregado
Uma família que ficou sem nada
Que deixaste de amar
Tu não honras as estrelas
O mar de cada um
Tu não mereces o teu chão
Porque és guerra
Entre a escuridão
Tu és pecado
E não és perdão
E as flores é que te padecem.



Manuel Feliciano

6.19.2019

Portugal

Portugal
Tu és do cheiro do mar
Da mulher fraterna
Dos olhos leais
Do rosto sincero
Das mãos que se abrem
A todos os teus filhos
Do pão que alimenta
O mar que há nas bocas
E os barcos ancorados
De ferrugem nas gargantas
Portugal
Mulher
Corpo de terra
Saia de ervas
Mãos de lajedos
Rosto de luar
De alma própria
Respiração do vento
Olhar pleno
E fundo
Grávida de flores
E rio
De palavras
Onde todos cabem
Menos a mentira
Tu não tens dono
És de ti mesma
Tu não és dos novos colonos
Dos pés dos índios
E das leis podres
Como a fruta
Onde os navios se partem
Portugal de agora
Levam-te a esperança
As estrelas
E os astrolábios
O marear
Em teu nome implantam
A desigualdade
O silêncio dos lírios
O medo
A indiferença
A escravatura
A tirania
O Estado
O Sistema da rosas envelhecidas
No fundo do mar
À espera de um sopro
E do calor das mãos
Da ternura dos lábios
Urge-te o coração no peito
Nas sílabas em ruína.



Manuel Luís Feliciano

5.23.2019

Portugal

Levanta-te cadáver
Da mão dos infiéis
Das vinhas dormentes
E dá mar aos barcos
E dá chão aos pés

Falta-te o rosto
O amor
O beijo amplo
E o corpo inteiro

Levanta-te do lodo
Dos corações cruéis
Dos vendilhões do templo
Sê um só corpo
Lanterna no bréu
Chorai.

Manuel Luís Feliciano


5.22.2019

Abril nunca nasceu
Nem as ruas se tornaram brancas
Foi a fome que adormeceu
Na flor das tuas ancas

Palavra molhada sem sangue
Anémica ao luar nasceu
Num coração feito de arame
Que no ventre não gemeu

Sobrevive o sol e a erva
A serpente na areia
Há sempre um mais que sobrevive
No amor que é a teia

Texto semeado no chão
Lanterna no umbigo que é teu
Desaprendeu a dar a mão
Caiu não mais se ergueu

Portugal velha nação
Flor das mãos e do mar
Saudade e um coração
Na orla do teu olhar

Era um Vento que não morresse
Na ternura de um animal
Um ferida que vencesse
A escuridão e o mal.


Manuel Luís Feliciano

4.19.2019

Esta noite encosto o meu colo
Ao teu colo
E deixo que as tuas mãos
Me deixem sentir
O que é um país
À entrada do rio pelo mar
Eu sinto que o teu colo é diferente

recomeça

Os filhos, os animais e as abelhas
E a minha boca
Um chão de suspense
Semeado
Tudo o que te desço
É como que
Uma casa que me abres
Saiba a um país
E a matéria das tuas mãos
A origem do meu mundo

E os pássaros
Pássaros que nunca nasceram
Te debiquem
Mas tu floresces
Onde dizem que é pedra
É a tua mão a violar o sol que queima a folha
Caminho que só leva ao rosto
Os dias que só têm começo
Já os barcos vão

E eu e tu corpos de um outro país
De uma outra colheita
Onde a morte é o dia
Em que o teu coração se me abre para sempre.
Ainda ficamos em rio de amendoeiras!

Manuel Luís Feliciano
Quero cavar o teu corpo com o meu sorriso
E não respirar do vento
Senão do teu vento
E não beber da água senão da tua
É isso que dá vida ao meu corpo
Que move o meu mundo
E não me envelhece

De asas de cigarra queimada
Eu vou ao mar
E do balsamo que escorreu
Faço voltar
O teu corpo mais maduro
O dia mais intenso
A crescer-te pelos cabelos
E os meus braços
A mergulhar nos teus tão mais inteiros

Nas campainhas das flores
A fresquidão dos teus seios
Bebo-os só com um gesto de sede
Como um rio que toca o mar e não deságua

E a tua boca não mais é maçã bichada!

Manuel Feliciano
Geada e vento
No íntimo
Do fogo
Rosam
Os teu seios
Nos meus olhos
E há árvores mornas
Ao teu despertar
O inverno do teu corpo branco

Os meus braços
choram-te beijos
De húmidas folhagens
E a terra
Do teu corpo
 Estala
De sol
a Voltarem-me de rosas
E Clareiras de água

Os pássaros
Que Atravessam
O meu corpo de argila
Gemem os teus pés
Na minha garganta
De erva molhada
Já trabalha ao longe no teu jardim
Os teus braços nos meus
e a nudez das flores
A promessa da tua voz
Aquecer-me sementes
O inverno nos lábios a esvair-se!

Manuel Feliciano

4.18.2019

Eu já morri com as flores mais brancas

E o que agora anda em mim

São as minhas sílabas na tua língua

Em lábios quentes de mar

Nos destroços dos teus olhos

 Um jardim

E frutos a cair ao chão

 Que Deus não trinca com a boca

Ante a secura que cresta

Uma abelha é mais que abelha

Sobre a seda do ombigo, ainda é

Tão tenra a Lua

Que cheira a seio e a leite

Os meus dedos semeiam

 O amor quente de mãe
Ventre que germina as narinas

A carne que não morreu

No poente das sobrancelhas

As tuas mãos a nascerem-me, o meu corpo de criança

Do teu corpo a desprender-se-te.

Manuel Feliciano
Tu vinhas das flores puras de Outono
Com os teus pés em fim de verão
Que não escutei por serem brancas
E a tua voz brisa de pétalas
Que só ouvi no coração…

Amei-te no azul que queima
Do fogo que o teu olhar ateia
Que de tão perto é proibido
E de tão longe é ferida aberta
Estrela cadente na boca a abrir
Que só de querer já é de nós

Em ruas de uma cidade antiga
Dei-te uma casa feita de luz
Feita da tua alquimia
uma areia que se torna grão
E trigo amadurecido
Abracei-te onde não há chão

Vivemos numa gota de um sorriso
Que rebenta entre os corais das tuas mãos
Do amor que não conhece o perigo
Entre os meus lábios e o teu coração

Se o Outono teimar em ir embora
E não te quiser mais comigo
As tuas mãos me levarem pelo teu rio
E no teu amor me afogares
Lembra-te que és terra do meu abraço
Dos pássaros que voltam às figueiras
De um tempo que não sabe findar!

E o resto é música da chuva
Nos braços de árvores a cair
Uma centelha no oceano
E o teu olhar quase enxuto
Molho a boca no infinito
No sabor da tua voz e grito
Do teu amor que há-de voltar!


Manuel Feliciano
Quero beber-te
Só a meio voo
Como quem cheira
As penas de um pássaro
E os bagos e as uvas
Restando nas minhas mãos

A minha garganta
É uma ramada
Onde o sol se deita
Dentro da tua

Perdi-te? Não sei.
O rio corre
E as raízes beijam-lhe a carne

As minhas estão na tua humidade
Na canção
Das tuas pernas
A chamar o mar

Em mim estás toda nua
És videira a florir
A terra cresta
E na ternura da língua
O teu fogo escorre
Tu não sabes partir

és pão a voltar-me à erva.

manuel feliciano

4.14.2019

A terra não é mulher


A terra não é mulher
Mulher é fruto de palavras claras
Que habitam o corpo
Quando o corpo anoitece
E não lhe habitam estrelas
Embora na pele lhe nasça trigo
E nas rubras flores os lábios
E nas gotas de orvalho as lágrimas
Na noite tuas pálpebras fechadas
E na luz da manhã teus olhos em flor
A terra não é mulher
Mulher é trigo fora desse trigo de sol e vento
O rosto e o colo que a terra não conhece
A alma que afaga o corpo tão lasso
Que desmaia ao iniciar da lua
É o sabor e o cheiro das flores em beijo
As pálpebras que a terra nunca teve
De olhos interiormente iluminados
As sílabas que a terra não sabe dizer
Onde os rios nascem e há crianças ao sol!
Manuel Feliciano
Andam a cantar os bichos
A cantar os bichos
A cantar as rosas

Anda a cantar o grão
A cantar o grão
A cantar a terra

Anda a cantar o sol
A cantar o sol
A cantar a nuvem

Anda a cantar a lua
A cantar a lua
A cantar a noite

Andam a cantar estrelas
A cantar estrelas
A pintar o azul

E eu dou as asas aos bichos
As asas aos bichos
Para me seres a rosa

Eu dou o meu corpo ao pó
O meu corpo ao pó
Para me seres o grão

Eu dou a minha boca à nuvem
A minha boca à nuvem
Para me seres o sol

Eu nasço-te flor na escuridão
Molhado no teu sangue
Para me seres a lua

E eu dou o meu corpo ao teu
Para pintar o céu
Para me seres amor!


Manuel Luís

3.26.2019

Por que me fechas os olhos
 Enquanto o carnaval passa?
 Há tantas ervas moleirinhas
 Quando me fechas os olhos
 Há moças que abrem todas as paredes

 O teu fechar dos olhos
 Faz-me cócegas no coração
 E as minhas pálpebras
 Puti-abertas e cósmicas
 Deixam-se semear

 Uma luz sideral
 De folhas vermelhas
 Menstrua-me
 Nas matizes do teu campo
 Os candeeiros rompem-se

 Oh misteriosa luz solar
 De clareiras de seios
 No fundo da minha covardia
 Desfaz-se um fluido de cristal

 E de cada vez que não me olhas
 Cheira-me a lenha e a forno
 Baptizando os meus lábios

  Eu ceio do teu vinho
 Eu ceio do teu pão
 E a agua morre-me na luz da tua boca

 Coloco nos meus dedos os aneis do teu olhar
 Sobre um fevereiro florido
 Para que te vestes de morte?

 Um olhar teu
 Maior que a dimensão solar
 Alaga-me
 Dos teus corais
 E piamos
 Piamos como corvos
 No teclado das asas

 Tu és uma laje nua…
Da cor da amendoeira
 Com que gozamos de orgasmos
 E os Deuses dentro de nós

 Agora eu sei. Tu fechas os olhos para me aqueceres.
 Para sentires o cimo do mar enrolado nas tuas nuvens.
 O odorante incenso nas tépidas costas!

 Manuel Feliciano

Menina Índia


Menina Índia
Cheirinho a canela
Cabelos - veredas
De amoras silvestres
Os teus pés pão da terra

Eu desço pelos teus olhos
Da selva aos lagos
Eu subo pela tua voz
Do chão às árvores
Eu bebo do teu sol
Água que cresta o meu pó
De ti ao céu

Sou brisa no teu sorriso
Rio na tua lágrima
No cantinho do teu olho
Onde me abrigo da chuva
Semente em gestação

Eu não te vendo
Eu não te compro
Eu não te planto
E se não tens voz
Meus joelhos em ferida

Tu és canção do vento a assobiar
Flor sem dono
És terra da terra
Terra sem ferida
Voz que aquece o sol
Voz que vai e vem
Sol que não se prende
Sol que é de ninguém

Eu não te vendo
Eu não te compro
Menina Brasil
Tu és do azul do céu
Do azul sem guerra
Do azul do mar.

Manuel Luís Felíciano
É neste silêncio tão de árvore
De cinza
Que os teus braços contra
o  meu peito
de nuvem mordida
de chuva
semeiam as primeiras folhas
E o teu fogo entra na raiz

E na saliva que corre
O céu é inteiro
O teu corpo quente
E as aves, que se foram
parem-me a luz
a tua brisa
E as amexas rosas dos teus lábios


O teu nome
Escorre-me pela garganta
Desagua pela tua
Cintura
vem-me o cheiro
Do teu ventre
E a tua mão a nascer na minha

Os teus cabelos
ainda florescem
E chamam as abelhas
Tenras
Às flores com que te trago
Neste silêncio.

Manuel Feliciano
A terra não é mulher
Mulher é fruto de palavras claras
Que habitam o corpo
Quando o corpo anoitece
E não lhe habitam estrelas
Embora na pele lhe nasça trigo
E nas rubras flores os lábios
E nas gotas de orvalho as lágrimas
Na noite tuas pálpebras fechadas
E na luz da manhã teus olhos em flor
A terra não é mulher
Mulher é trigo fora desse trigo de sol e vento
O rosto e o colo que a terra não conhece
A alma que afaga o corpo tão lasso
Que desmaia ao iniciar da lua
É o sabor e o cheiro das flores em beijo
As pálpebras que a terra nunca teve
De olhos interiormente iluminados
As sílabas que a terra não sabe dizer
Onde os rios nascem e há crianças ao sol!

Manuel Feliciano
Sei que és amor aquela que tu não és
pérfida vagueando duvidosa
mas porém assente de cabeça e pés
de tua alma firme crente e luminosa

Espero-te onde nunca te encontro
na vasta montanha faz eco uma voz
quando ouço o vento do teu corpo
abraço-te dançando e sorrindo a sós

desaconchego aconchegado de amor
sentindo-me alto ajoelhado na praia
bebendo o espelho da tua voz

aquecendo-me no frio com todo o fervor
molhado de sangue em rosas de areia
o teu corpo que é mundo e não é, só esplendor!

Manuel Luís Feliciano
O meu país
Não é aquele que me contaram
De céu e mar circunscritos
Não existe
É lá fora
Não é o dos reis e da história
Dos vencedores e dos vencidos
Dos exploradores e dos explorados
Senão o dos teus braços de ar e fogo longínquos
Sim é este o meu país
A minha pátria abençoada
Da geografia do teu olhar
Das escarpas dos teus seios
Das águas corredias dos teus cabelos
Que descem
Pelas tuas costas
até ao por do sol das tuas ancas
Do deus que me acolhe
Ante os teus suspiros
De libelinhas a tocar as águas
Eis que se desenha um país
Uma língua estrangeira
Uma flor de orvalho
De uma Patria a nascer.

Manuel Feliciano
Mulher tu nasceste
e trouxeste contigo o jardim
Perdido
A ave semeada na boca
O mar a transbordar nos braços
O escuro
O escuro não o trouxeste
Mãe
Amor
Pedra de água que sabe a colo
E a açucena

Ah como dói o sol
E as nuvens 
Nas tuas mãos frescas
Cheiro a Selva
Macchu- Picchu
Veredas de pedras
O sol dos Inkas
Explosão de amor
Corrente de água
Os teus braços compridos
A minha face vazia
Na planura da boca
E o mar sempre à volta
No mar do Pacífico
Os Barcos despidos
Um cais de ternura
Nestes olhos rasos
À vela do teu hálito!

Amor, eu não quero beber-te
Nem das tuas paisagens
O canto dos condores
O mundo resume-se a ti
Tu vieste para ficar[…]
Tu és o mundo e a escuridão
Que nada pode contra a tua carne fresca!
Porque Tu és a mãe
E o fogo
Que gera o lugar…
Leva-me ao teu colo 
Quero adormecer
Pelas encostas da tua brisa
De trigo quente e dourado
E os pássaros partindo e voltando!

Manuel Feliciano
Não sei quem sou
Procuro-me nas ruas do teu olhar
E ao querer saber dos meus olhos
Tu és já um rio nas pálpebras que me sangram
No coração
E eu areias e deserto
Corro-te no sangue
E não sei do meu
Chamo-te
E não me sei chamar
Sou centelha que não sabe arder
Ouço-te
E não me sei ouvir
Vejo-te
E não me sei ver
Queria poder agarrar palavra por palavra no silêncio da tua boca
E construir-me de ti
Para deixar de não ser
Porque eu sou nada
Sou como um sol
Não próprio
Fundura onde os teus cabelos não chegam
No crepúsculo dos teus seios
Que não conhece a noite
Durmo-te
E não me sei dormir
Porque há fendas abertas ao luar, onde as mãos não entram
Vivo-te
E não me sei viver
Espero-te
E não me sei esperar
Abraço-te
E não me sei abraçar
Porque há medos de rosas
A desvirginar
E os meus passos ficam sem chão
No rubor de folhas menstruadas
Não encontro as mãos e os pés, caminho-te
E não me sei caminhar
E o que sou é qualquer coisa
Que não encontro dentro de mim
Saliva no ventre de uma manhã a desbravar o tempo
A margem de um abraço
Que não te sabe morrer
Como a terra a doar-se à chuva
Uma criança ao teu colo
E a tua luz a desabrigar-me
Quero-te
E não me sei querer
Amo-te e não me sei amar
Desconheço-me
Creio em ti
E não me sei crer
Por ventura sou uma flor sem nome
Perdida no teu Jardim.

Manuel Feliciano

Liberdade

Os meus olhos não têm espaço
São o céu da tua boca
Jardim do teu abraço
No azul da tua cintura

Desejo ser-te o mar
Arder no teu vestido
Por entre algas e sal
Visitar-te o paraíso

Não me faças refém
Do mundo que é e não é
De uma criança que chora
No sussurro de uma maré

Derruba-me os muros
Soldados e combatentes
No laço dos teus lábios
Papoilas choram sementes

Tu despes-me o corpo
Vento que vai e vem
Que não encontra o rumo
E o teu luar conhece bem

As tuas mãos apátridas
Linhas no infinito
Sou estranha criatura
No fogo do teu grito.

Manuel Feliciano