12.23.2010

Eu e uma bola de gelo nas mãos

Eu eu e uma bola de gelo nas mãos
Que alguém por engano me ofereceu
Como se os meus sonhos fossem de ferro
Os pássaros que voam de papel
E as minhas lágrimas bailarinas
De elegantes pernas dançando-me
E os meus olhos cagassem na pedra sem espelho
E em mim se dobrem longínquos sinos calcinados
Quis mergulhar em crespúsculos de ser-me
Tocando o além e abraçar-me
Eu que nunca soube onde fica o além
Senão nas mãos de minha avó fazendo renda
E nunca esperei que nenhum deus me amasse
Eu que toquei todos os deuses em lençóis de trigo
Eles que me beijam trasnlucidamente louco
Como quem não sabe nada de si e do mundo
A minha alma desepera-se em estrelas
Na esperança de campos sem abismo
Trouxe a fome de asas numa bola de neve
Para que ela voe e não me atormente os dias
E os deuses recordar-se-ao um dia
De quanto a minha pequenez gerou seres de sol
Capazes de engolir navios estanques em mares de gelo
E plantar milho nos olhos em desventura
De quem fez do sofrimentos árvores com frutos.



manuel feliciano

12.21.2010

Os deuses que me amam

Os deuses que me amam
São de pedra e sal
Bichos dóceis nas entranhas
De uma flor
Folhas secas ainda verdes
Em menopausa
Olhos alegres em pauís da cor do céu
Têm braços que não apertam
Húmidos de sede
São partos na carne que me acendem velas
E espinhos com sangue
Que me sabem a mistérios
São a neve branca e adorável
Onde me aqueço
E a casa de chuva onde me enleio
Sem unhas
E o grito mudo das palavras
Que me levam ao colo
Ah os deuses que me amam e confortam
Serão sempre deuses
Na loucura dos cadáveres ambulantes
Enquanto um cão me lambe
E a minha alma desventurada se procura
Mais que as estrelas
Que me morrem na boca frio de gelo
E o cheiro a trigo em luares de ferro
Que os meus olhos cegos imaginam ser vozes
E a degradação de tudo a tornar-me fluido
Capaz de ser homem sonhador
Suspenso em árvores de mel no pôr-do-sol
Onde só o calor de umas asas me sustenta
Como se tudo nasça para um vazio quente
De horas vazias e falsamente oportunas
Agarrado a valsas de nuvens sem mim
Das eras que se erguem como igrejas
Enquanto procuro o que nunca fui
Para chegar a ser mais que uma viagem
No desabrochar de loucas primaveras
Serão sempre deuses na imperfeição dos dias!



manuel feliciano

12.18.2010

Os Deuses amam-me

Os sol nasce nas vértebras da montanha
Uma abelha zumbe sobre a flor
O rio leva-me para um lugar improvável
Uma mulher abraça-me mesmo sem corpo
Embora seja feita dos mesmos cacos que eu
Seguro um espelho partido nas mãos com força
E os Deuses no céu riem-me imaginariamente
Como que eu saiba o que são Deuses
Mas há um que me ouve e me estende a mão
Que é a minha consciência quando me reza
E esta por si só é um grande milagre
Enquantos os barcos enferrujados
Soltam gargalhadas despojados da vida
A soro sobre o mar pleno de gaivotas.


manuel feliciano

12.16.2010

Cabelos

Agora que sei que os teus cabelos são só música
Em misteriosos sons húmidos de anjos de amoras
Quero afogar-me nos fios desse piano de chuva
E ouvir-te no zumdido das abelhas sobre as rosas
Nas gotas dos abraços que solfejam luas nas algas
Trazem-me seres em mãos que não se encontram
Que esculpem gestos nos gomos astrais dos lábios
E cada fio é uma palavra que me algema os dedos
E me abre a lâmpada dos teus sagrados mistérios
Gememdo fome a sol na partitura dos meus olhos!

manuel feliciano

12.15.2010

Palavras no Vácuo

Sou o verbo sem corpo e clausura
No cérebro húmido das nuvens
Língua na curvatura do espaço
Tempo na pele branca das folhas
Rolando em ramos suspensos
Onde falta todo o amor escrito
O vazio acende-se na lâmpada
Das faces rubras dos rostos
E as têmporas ardem de desejo
Quando me acordas na noite
E me percorres de bicicleta
Com cheiro a ervas e a terra
Incendeias-me todos os carácteres
Dos cabelos que se irrompem
Na tinta da torrente das veias
Como os pássaros que batem asas
Em gritos de novas galáxias
Eu abro-te as pálpebras do escuro
E planto-me em estrelas nas pedras
Ao som dos pêssegos das bocas.


manuel feliciano

12.13.2010

Basto-me

Não espero uma carta
Que me traga um milagre
Nem um sorriso
De uma boca desencontrada
Eu encontro-me
Mesmo se a estrada se nega
A levar-me ao destino
Porque eu colho-me nas coisas
Na ausência inesperada
Porque até nas nuvens estão a minha saliva
E o cantar dos pássaros
Nas pétalas das flores as palavras
Aquelas que guardo nos olhos
Mesmo se ninguém as escuta
Espero-me a mim mesmo
De braços abertos ao fundo da rua!

manuel feliciano

12.10.2010

Um não que gera o fruto

Desprende as tuas mãos da ilha das palavras
Há barcos de luar na tumefacção das sílabas
Acende com as pálpebras o peito das estrelas
E pássaros em cabelos no umbral dos lábios
Deixa que o teu silêncio me rasgue num farol
Sem navios em viagem afogados na garganta
Sou uma alga nascendo em teu colo salgado
E há desejos que te ardem em árvores de neve
E flores de saliva em jardins se não regressas
E eu fujo da tua escuridão que te bebo em luz
Floresce-me um sorriso na árvore já sem flores
Enquanto me matas de pão na fome do mundo.


manuel feliciano

12.08.2010

Tornado

Minha querida

Este último tornado
Deixou-me a tua luz alva rosa
Por entre a torrente dos braços
O mar ecoou-te no azul da voz
E os meus supiros eram ninhos.

E eu adormecido entre nenúfares
Por entre o barco das tuas mãos
Acordei-te em pássaros de sol
Pintas-te o mundo em cores nuas.

Minha querida

Este último tornado
Trouxe-me o mel dos escombros
E por entre o mármore das faces
Rompeste-me a brancura dos dias
Saciamos a boca seca de crianças
Dançaste-me que somos imortais.



manuel feliciano

12.07.2010

Um pouco de além

Hoje quero ser um grito no silêncio dos deuses
Não quero a minha alma na pedra das campas
Nem pássaros de sal voando nos olhos enfermos
Nem as minhas mãos pousadas sobre as bocas
Quero flores de sol voando no frio das retinas
Vozes derramadas no lume húmido das estrelas
Saliva nos raios de sol com anjos dependurados
E que na chuva brotem frutos em ramos de água
No trigo os abraços do luar feito em escombros
E barcos rasguem os lábios secos sobre a areia
Hoje só quero ser cão e lamber o além em feridas.


manuel feliciano

12.04.2010

Contradições

Abro a varanda dos meus olhos
E sento-me dentro de mim
Que nada vêem por fora senão monstros
E a minha consciência
É uma mulher nua muma praia
E o meu cérebro mostra-me ruas improváveis
Todo o desconhecido é um mito
E eu só sou a sombra debaixo
Da promessa de uma árvore
Deixo que o sol abra as portas do meu corpo
E não me batem à porta seres do outro mundo
Nem ninguém invisivel que me abrace
Senão o padeiro para me deixar o pão
E eu não fico espantado com o porquê das coisas
Entalado entre os muros de carne dos meus versos
Como as pedras, as árvores, as montanhas e os mares
As alegrias e as tristezas saem-me pelos pôros em sal
Surreais e surpreendentes coisas do outro mundo
E eu que nasci com a doença de não acreditar em nada
A minha única religião é uma tormenta
E mesmo assim rezo a todos os anjos do céu
Com corações que me sangram nos pulsos
E charcos de lama que transformo em azuis
Quantos seres invento em folhas de papel branco?
Eu que conheci os seres mais lúcidos do mundo
Nunca tive a lucidez do que digo e faço
E tenho todas as dúvidas do mundo se eu existo?
Eu que fiz das dores anjos vestidos de branco
Da folha que cai da árvore seca
Ela deitada nos meus braços sem tempo
Tenho a tristeza de não ter ilusões de namorados
Que pensavam trocar beijos em jardins existências
E que afinal só foram um baú sem nada
Eu não faço parte dos afortunados do mundo
Contento-me com o sorriso que as nuvens me brindam
Não, não tenho a piedade de ver cabelos brancos
Escrever-me cartas de amor nos lençóis
Nem das trovoadas que me rasgaram seres
Tenho é o incómodo de conhecer vários caminhos
E ao fim ao cabo não sei por qual eu vou
Só quando por sonhos todos eles tão reais
Os que são as minhas próprias pernas
E os altares sagrados onde te rezo
É único mistério que todas as coisas me dão!



manuel feliciano

12.02.2010

Na armadilha do amor

Meu amor, sei que há frutos que te amadurecem
Na chuva das pálpebras
E veneno nas palavras que te sabem a mel
E pedras que te sufocam
Das quais fazes o teu sol
E nós na garganta que te parecem o céu
E os trigais dos meus dedos
Tomam-te em pensamento
E lambem-te as vírgulas nos cantos dos olhos
E eu vou ao fundo do mar
Tirar-te de uma casa sem portas
E levo-te comigo até aos lençóis das nuvens
Dou-te um beijo e sugo a espada
Cravada no teu coração
Arranco-te as flores de aço
Que foi alguém que tas deu
E eu só sou o amor na grade dos teus cabelos
Uma brisa de mar que te guia os sentidos
Meu amor, sei que há frutos que me sabem a ti.


manuel feliciano

12.01.2010

Em busca do céu

Meu amor, o teu tronco doce cheira-me a astros flamejantes
E eu efectivamente adoro-te olhar o céu de telescópio
E nas águas furtadas do ardor húmido em triângulo
Onde rego o trigo e me iluminas as sombras do rosto
Há um vai e vem de vozes a soluçar em mar nas rochas
E brincos de princesas nas auréolas dos teus planaltos
Lambidos pela humidade da língua da brisa em carne
Num zumbido de abelhas que desflora as pétalas erectas
És-me xilofone enibriado de toques musicais nos gânglios
E os dedos no corpo tocam-nos notas musicais em sumo
E o teu céu abandona-se-me num pomar cheios de frutos
Enquantos os nossos murmúrios nos revolvem como enxadas
Há vias – lácteas que nos levam a conhecer um outro mundo
Dentro das entranhas crescem-nos estalagmites em gritos
E o céu é aves atordidas em desmaios que nos voam em saliva.



manuel feliciano