4.26.2021

Hei-de amar uma pedra

Do silêncio áspero soprar-lhe a cabeceira

Com os lábios inflamados

Descongelar-lhe os músculos

Das ancas retesadas

Há-de brotar-lhe um rio sem margens

Cheio de frases a escorrer sol para todos

E despertar todas as coisas inertes

Em recantos longínquos esquecidas

Nas flores erigidas nos seios

Exclamará sempre um sorriso

Hei-de gritar-lhe

Nos lábios as palavras ressequidas

Em delíquios cheios de aromas

Corpo em flor

Mãos que transbordam

O calor da pele

Barco de brisa

Abraço a desfazer-se

Pedra de amor...


Manuel Luís Feliciano











4.24.2021

Quando quiseres dizer que me amas, diz mãe

E o coração saber-te-à por inteiro

Não me abraces

Diz amor em gestação

Depois acaricia o ventre em flor

A semente que se inicia

A brisa que te alimenta

O teu olhar em outro olhar


Não me beijes

Sente a luz do teu ventre

A iluminar-te sem peso

E um pouco mais de ti a estender-se

O teu eu em outro eu

Uma voz a querer-te


Se por ventura chorares

É porque às vezes o choro

É uma forma de sorrir profunda

O amor a irromper-se

Numa espuma de beijos

No umbigo a prende-se...

Ao choro dos teus lábios


Quando quiseres dizer que me amas diz mãe

Di-lo com o mar a bater-te contra os lábios

Como uma luz dentro de outra luz 

O céu a criar-se ainda sem nenhuma estrela

O amor a romper do chão das palavras

O amor é morrer para se ser outro...


Manuel Luís Feliciano








4.23.2021

Não sei se chego a ser eu

Neste encontro perfeito

De seres desencontrados

Rosa

Ou nada

Não conheço verdade alguma

E se as conheço

Elas têm uma vida própria

Podem tomar dentro de mim

A forma de relâmpagos

Ou de mares 

O Choro

Ou tristeza

Para mim são lugares

Jardins dos quais  não sei fugir

Transbordo todas as frases

Do manual das ruas

Da precisão das árvores

O equilíbrio para mim 

É uma roda às voltas

As coisas não me cabem dentro

Como dentro das caixas do mundo

Sou de barcos

De Viagens inseguras

Não de casas prontas a habitar.

Deixo-me ir

Com muito custo

A descer pelas escadas

Em direção ao mar

Não trago no bolso um livro de instruções

Truques fáceis

Tão úteis à culinária

E aos fazedores da alegria e do tempo.



Manuel Luís Feliciano

 Esta noite


Encosto o meu colo


Ao teu colo


E deixo que as tuas mãos


Me conduzam a um país


Muros de outros muros


Línguas de outros mares


Amor - Terra sem fronteiras


Soluço


Frémito  de água


Tremura


Casa de luar



Nos teus olhos o além


Os muros caídos


O rasgar de asas


O meu peito no teu


A minha boca na tua


Planalto


Rua sem clausura



Encontro


País de outras rosas


Fogo de ternura


A terra a quebrar-se


Na tua cintura


Respiras


Voas


Abres


Floresces


Onde dizem que é a noite


É a tua mão quente


O mar do teu sangue


A eclodir na semente


País


Terra de outra terra


Azul de outro céu


Rua de outro espaço


Entre o teu corpo e o meu


A altitude das aves


O aroma do céu.


Manuel Luís Feliciano

4.08.2021

Um dia quero nascer

E não precisar de palavra alguma

Sorriso

Afecto

Ou verso

Que me adormeça

Ser como um rio 

Que articula as águas

Sem cansar o pensamento

De nenhum olhar que me justifique

Só o bulício da águas

A bater nas pedras

Ser um lugar onde não me encontrem

Sou uma flor fora de todos os tempo

E não encontrei o verdadeiro lugar

Sou a desordem

O caos do universo

A distopia da perfeição

Dentro de mim há arvores

Mas não me perguntem o nome delas

Sou o lugar onde jardins tardios

Entreabrem a selva

Quero morrer desonradamente

Enterrado de preferência ao lado de um cão

Não sei olhar para o fora das coisas

Dentro de mim 

Uma escuridão enorme

De um luar de Deusas

Que ao menos depois seja uma pedra tosca

Onde ninguém se assente

Que ninguém me chore 

Ou se lembrem de mim

Só a leveza das folhas a explorar-me

O choro do sol a nascer em mim.



Manuel Luís Feliciano


4.02.2021

Põe-se o rio

Põe-se o mar

Põe-se a abelha numa flor

E a minha boca de dor

Aberta na tua mão

Flor que o vento  leva

No entardecer do teu beijo

O sol não se põe

Nem o teu ar

Nem o teu rubor

Nem o teu naufrágio

E eu vou contigo pelo chão

Por um caminho cortado

Num soluçar ancorado

Ouço o teu coração

Como uma pomba num seio

A morte a dizer que não

Por detrás do teu olhar

O dia é claro e inteiro.


Manuel Luís Feliciano

4.01.2021

Ó meu amor, minha amada

Tu és flor de laranjeira

Por ti meus lábios em brasa

Percorrem a tua ladeira


Sigo silente na tua encosta

Sou como a sombra de um rio

E o meu braço luar que gosta

Do teu respirar tão macio


Os teus cabelos ao vento

Tiram-me o frio e a escuridão

Do teu beijo a contrair a terra


A tua pele é amor e perdão

Nas balas do pensamento

Os teus lábios põe fim à guerra.


Manue Luís Feliciano