7.25.2021

 Porque sei

Que não sou mais importante

Que uma erva ou flor

Que um animal que chora

A liberdade e a dor

De um grito em desespero

De não ser pleno

Também eu quero morrer

Com a mesma alegria

Do romper da flor.


Manuel Luís Feliciano

 Quero sair daqui, daqui, daqui

Já faz muito tempo

A primavera florir

O gelo a quebrar-se

Das nuvens do céu

A chuva a fluir

Na sombra apressada

Aqui não é tudo

Aqui não é nada

Daqui quero o vento

A risada do mar

A água que galga

Do tempo nem uma folha no chão

Nem o espelho da cara

A abrir memória

O encontro de nada.


Manuel Luís Feliciano

7.01.2021

 A liberdade

É uma palavra inútil

No seu significado

E o que é útil

É a forma como cada qual a transfigura

Os pedaços de um rio férreo

Em rosa

Água 

Ou barco

No jardim da memória

Que vamos colocando com as mãos

Num lugar

Onde nem nós mesmos o conhecemos

E desfigurando o óbvio

Enfrentando com loucura o mundo

A que estamos presos

viajamos

Rasgamos essa palavra

Que não vale de nada

Se não houver o sonho

A força

A embriaguez do amor

Um espaço interior

Onde caminhamos sem as mãos presas

A coragem contra urgência do mundo 

Para acendermos a luz no corredor de uma manhã

Contra a própria cegueira

O propósito do caminho no incerto

De uma flor a dar-te a mão

Por entre o nevoeiro.


Manuel Luís Feliciano

6.16.2021

Um grão semeado na terra

Talvez seja o que me falte

Ou não...

Nada é simples e claro

A nitidez é uma forma de nuvem

Se admitirmos que o grão precisa da terra

Para germinar a planta

E a planta gerar o grão

Mas o que pode o grão

Ante o alimento da terra?

Talvez precise de se cumprir

E de se deixar viver 

Sem qualquer tipo de entendimento

Sem nenhuma obrigação

E compreensão bíblica

É por isso que os pássaros

Erguem a escassez de luz

Em todos os corações humanos

Migram

Deixam-se ir obedientes

À força da natureza

Morrem

E voltam

Todas as primaveras

Ante toda a falência do céu

À sua volta...


Manuel Luís Feliciano

 Não sou pessoa 

sou natureza

Quem me dera ser

Primavera no inverno

E chuva fresca num verão

Se em mim

Estivesse o segredo de transitar a luz

De saber viver o equinócio

E esperar a lentidão da luz

Mas não...

As sombras apoderam-se de mim

Talvez não querer aprender

Ou fingir de que não sei aprender

Ou não me implicar completamente com as coisas

É um estádio de consciência

De fugir das sombras

Tudo nasce da Inutilidade do grito

É não querer ser maior

Que a própria pequenez

Da mecânica do universo

É um processo de fuga

É a fadiga das mesmas linhas férreas

Dos mesmos horários e combóios

É não saber ter uma vida paralela 

Ao fantasma do mundo

É não saber sequer

Aqui e acolá colher flores

Sem as arrancar demasiadamente.


Manuel Luís Feliciano

6.15.2021

 A beleza dela, é a própria transcendência dela, eu amo-a, pode ser uma ideia, ou conceito de amor, olhar para ela, e ver que ela é a própria natureza, à sua aproximação, eu sinto a falésia onde vislumbro o mar, a beleza da areia, a rebentação das ondas, nasce-me a inquietação, o perfume do sal, a distância do céu,  que por estar mais perto não deixa de estar mais longe, que por ser tão real, não deixa de ser irreal, que por ser física não deixa de ser metafísica, porque eu sei que por dentro das suas pálpebras, há outros mundos e dinâmicas do amanhecer e anoitecer, talvez eu tenha medo do infinito, e me arrepie à luz de um sorriso, quando olho para ti na verdade eu morro. Até o franzir dos teus olhos têm Outonos, e o desfolhar de amanheceres,  hoje sei que o medo de pousar os meus olhos nos teus, é de saber que a natureza me vive, e eu realmente não a vivo, porque tenho medo de pensar que sou imaterial, sou da natureza do sonho como a natureza, ainda não aprendi a ser real, a pousar os pés no chão e seguir em frente,  ainda não sei morrer completamente ao teu beijo, sei que és uma criação de Deus e a tua pele, transcende todo o meu conhecimento, perante ti, sinto-me um mendigo, sou saliva do teu beijo, idioma do teu fogo, queria saber arder na frescura do teu aroma, ser terra da tua terra, em mim um cabelo teu pode ser um rio, uma árvore, o voar de um pássaro, queria saber não me magoar ao relâmpago da tua voz. Tu és a fome que eu tenho de Deus, a incerteza de um poema, num mundo demasiado certo, eu vivo na imaterialidade de dois mundos, quando te beijo não sinto a carne, somente o belo de um navio atravessar o azul, sinto o cosmos a arder em mim, não tenho a percepção das formas, só um grito de azul e de lágrima. Ainda não sei lidar com palavras pequenas e sentimentos pequenos, tudo em mim ganha altura, magoo-me ao amor mecânico das fábricas, a todas as obrigações sociais, a todos os gestos repetitivos, a angústia de não saber vestir outros que não seja eu mesmo, ainda não tenho a pequenez de ser uma ou mais pessoas, por enquanto só sou um desconhecido à procura nem eu mesmo sei de que.



Manuel Luís Feliciano

6.12.2021

 Que vento é este que emerge

Da voz de um Deus entre um Véu

Que os olhos sentem e não vêem

Por ser tão grande este céu.


Manuel Luís Feliciano

6.08.2021

 Sinto vontade de te levar pela rua

desfrutar do calor da tua mão

Que cheira a primavera

sei que a tua mão me liga à tua árvore

mas como eu preso a liberdade

eu quero que o meu amor por ti

te liberte os ramos

porque sei que cada coisa

É única em si mesma

E morre quando a aprisionamos

O que eu mais quero

é que caminhes

sem sentires o peso dos teus pés

Numa estrada óbvia

porque tu tens vida e amor dentro do amor

E o teu amor é mais intenso

quando ardo dentro de ti

e te liberto a mão

Há todo um caminho desconhecido

Dentro de ti

sei que és uma luz

como todas as luzes

não precisas das mãos que te prendam

senão dos olhos

Que te deixem partir pelas tuas ruas.


Manuel Luís Feliciano

A estupidez

Percebi a estupidez de às vezes ser estúpido

Porque não admitir a estupidez?

A estupidez faz parte de um confronto

Entre a inteligência  e a falta de delicadeza

Será que a estupidez não é demasiado Estúpida para lhe dar uma forma

Um corpo de um ser biológico

Um discernimento demasiado afetuoso

E até mesmo um lugar no dicionário

Uma rua onde ela insinua o seu corpo?

A estupidez deve servir para se ser estúpido

Mas nunca para abordar a estupidez

Dar-lhe uma mesa ou uma cadeira

Porque abordar a estupidez é de alguma

forma ser-se estúpido

Que ao menos possa ser estúpido por um amor

De uma estupidez romantizada

Por uma flor que mereça a minha irracionalidade racional

O meu fervor mais envolvente no seio de uma rosa

Ou o meu eu mais amoroso, nunca algo tão vulgar como a própria estupidez

Nunca algo tão térreo que mereça o meu génio, ou a minha delicadeza.


Manuel Luís Feliciano

 Poema 


Mais importante que a minha voz

É uma noite de silêncio

E mais perfeita que a minha voz

São as pétalas de uma rosa no chão

Não sou mais útil que uma folha de Outono

Nem mais importante que uma pedra

Não sou grande no meio de grandes

Nem pequeno no meio de pequenos

Sou uma parte do todo

E o todo de uma parte

Tenho o peso do mundo

E a leveza de uma brisa

Tenho o mesmo sorriso e as angústias dos demais

Não sou um ser perfeito, assumo a minha parte de imperfeição

Não uso a minha voz para me empoderar

É uma necessidade como chover

Que a minha voz não tenha medo

Mas também não ofenda

De passar em silêncio sem magoar o chão

Que a minha voz não seja ouvida

Para que outras se ouçam

Que a minha voz se cale

Para que outras nasçam

Que a minha voz seja humilde

E mais pequena que o chão

Mais importante que a minha voz é o meu semelhante

Mais importante que a minha voz é um mendigo

Mais importante que a minha voz é o amor

Mais importante que a minha voz é o sol

Mais importante que a minha voz é a tua voz

Mais importante que a minha voz é o mar

Como todas as partículas que compõem o mundo

Mais importante do que a minha voz é a paz na Palestina

Mais importante que a minha voz é a noite

Mais importante que a minha voz é o teu sorriso

Mais importante que a minha voz são as abelhas nas flores

Mais importante que a minha voz é um rio

O perfume de uma rosa

O coração de uma erva

Que a minha voz ouça mais do que diz

Que a minha voz não exista 

Quando o coração transgride

Que a minha voz seja perdoada por Deus

Quando omite o amor ou a compaixão

Mais importante que a minha voz

É perceber que erro, é pedir perdão

À vastidão de silêncio

Em frente dos meus olhos!


Manuel Luís Feliciano

5.05.2021

Está tão lindo o céu

Tão belo e inteiro

Dentro do teu olhar

Rio de Janeiro

Se me deres o beijo

Eu serei o mar

A onda a cavalgar

O movimento inteiro

Se me deres a mão

Eu serei a rua

Onde ninguém chora

Arara a voar

Do passarinheiro

A terra a quebrar

O sol a ir-se embora

Se me deres o olhar

Eu serei Leblon

Os passos fugidios

A circulação das rosas

Na náusea dos corpos

Em ti a renovar-se

A frescura do ar

A percorrer-te o azul

A leveza das ondas

Na espuma dos dias

As mágoas não mais dentro

Cadeado de água

Se me deres o amor

Eu serei semente

A barra da Tijuca

A ferida ausente

A terra em gestação

O fogo a recolher-se

A abrir-se em ti

A alegria inteira

Fora de outro tempo

Relógios de luar

Tempo permanente

Em copacabana

Areia em flor

Entre mim e ti

O amor a expandir-se

Rio confluente

Margem desfeita.


Manuel Luís Feliciano


4.26.2021

Hei-de amar uma pedra

Do silêncio áspero soprar-lhe a cabeceira

Com os lábios inflamados

Descongelar-lhe os músculos

Das ancas retesadas

Há-de brotar-lhe um rio sem margens

Cheio de frases a escorrer sol para todos

E despertar todas as coisas inertes

Em recantos longínquos esquecidas

Nas flores erigidas nos seios

Exclamará sempre um sorriso

Hei-de gritar-lhe

Nos lábios as palavras ressequidas

Em delíquios cheios de aromas

Corpo em flor

Mãos que transbordam

O calor da pele

Barco de brisa

Abraço a desfazer-se

Pedra de amor...


Manuel Luís Feliciano











4.24.2021

Quando quiseres dizer que me amas, diz mãe

E o coração saber-te-à por inteiro

Não me abraces

Diz amor em gestação

Depois acaricia o ventre em flor

A semente que se inicia

A brisa que te alimenta

O teu olhar em outro olhar


Não me beijes

Sente a luz do teu ventre

A iluminar-te sem peso

E um pouco mais de ti a estender-se

O teu eu em outro eu

Uma voz a querer-te


Se por ventura chorares

É porque às vezes o choro

É uma forma de sorrir profunda

O amor a irromper-se

Numa espuma de beijos

No umbigo a prende-se...

Ao choro dos teus lábios


Quando quiseres dizer que me amas diz mãe

Di-lo com o mar a bater-te contra os lábios

Como uma luz dentro de outra luz 

O céu a criar-se ainda sem nenhuma estrela

O amor a romper do chão das palavras

O amor é morrer para se ser outro...


Manuel Luís Feliciano








4.23.2021

Não sei se chego a ser eu

Neste encontro perfeito

De seres desencontrados

Rosa

Ou nada

Não conheço verdade alguma

E se as conheço

Elas têm uma vida própria

Podem tomar dentro de mim

A forma de relâmpagos

Ou de mares 

O Choro

Ou tristeza

Para mim são lugares

Jardins dos quais  não sei fugir

Transbordo todas as frases

Do manual das ruas

Da precisão das árvores

O equilíbrio para mim 

É uma roda às voltas

As coisas não me cabem dentro

Como dentro das caixas do mundo

Sou de barcos

De Viagens inseguras

Não de casas prontas a habitar.

Deixo-me ir

Com muito custo

A descer pelas escadas

Em direção ao mar

Não trago no bolso um livro de instruções

Truques fáceis

Tão úteis à culinária

E aos fazedores da alegria e do tempo.



Manuel Luís Feliciano

 Esta noite


Encosto o meu colo


Ao teu colo


E deixo que as tuas mãos


Me conduzam a um país


Muros de outros muros


Línguas de outros mares


Amor - Terra sem fronteiras


Soluço


Frémito  de água


Tremura


Casa de luar



Nos teus olhos o além


Os muros caídos


O rasgar de asas


O meu peito no teu


A minha boca na tua


Planalto


Rua sem clausura



Encontro


País de outras rosas


Fogo de ternura


A terra a quebrar-se


Na tua cintura


Respiras


Voas


Abres


Floresces


Onde dizem que é a noite


É a tua mão quente


O mar do teu sangue


A eclodir na semente


País


Terra de outra terra


Azul de outro céu


Rua de outro espaço


Entre o teu corpo e o meu


A altitude das aves


O aroma do céu.


Manuel Luís Feliciano

4.08.2021

Um dia quero nascer

E não precisar de palavra alguma

Sorriso

Afecto

Ou verso

Que me adormeça

Ser como um rio 

Que articula as águas

Sem cansar o pensamento

De nenhum olhar que me justifique

Só o bulício da águas

A bater nas pedras

Ser um lugar onde não me encontrem

Sou uma flor fora de todos os tempo

E não encontrei o verdadeiro lugar

Sou a desordem

O caos do universo

A distopia da perfeição

Dentro de mim há arvores

Mas não me perguntem o nome delas

Sou o lugar onde jardins tardios

Entreabrem a selva

Quero morrer desonradamente

Enterrado de preferência ao lado de um cão

Não sei olhar para o fora das coisas

Dentro de mim 

Uma escuridão enorme

De um luar de Deusas

Que ao menos depois seja uma pedra tosca

Onde ninguém se assente

Que ninguém me chore 

Ou se lembrem de mim

Só a leveza das folhas a explorar-me

O choro do sol a nascer em mim.



Manuel Luís Feliciano


4.02.2021

Põe-se o rio

Põe-se o mar

Põe-se a abelha numa flor

E a minha boca de dor

Aberta na tua mão

Flor que o vento  leva

No entardecer do teu beijo

O sol não se põe

Nem o teu ar

Nem o teu rubor

Nem o teu naufrágio

E eu vou contigo pelo chão

Por um caminho cortado

Num soluçar ancorado

Ouço o teu coração

Como uma pomba num seio

A morte a dizer que não

Por detrás do teu olhar

O dia é claro e inteiro.


Manuel Luís Feliciano

4.01.2021

Ó meu amor, minha amada

Tu és flor de laranjeira

Por ti meus lábios em brasa

Percorrem a tua ladeira


Sigo silente na tua encosta

Sou como a sombra de um rio

E o meu braço luar que gosta

Do teu respirar tão macio


Os teus cabelos ao vento

Tiram-me o frio e a escuridão

Do teu beijo a contrair a terra


A tua pele é amor e perdão

Nas balas do pensamento

Os teus lábios põe fim à guerra.


Manue Luís Feliciano

1.15.2021

As coisas mais fáceis são as que nos metem medo, as difíceis, nem pensamos nelas.


Manuel Luís Feliciano