6.16.2021

Um grão semeado na terra

Talvez seja o que me falte

Ou não...

Nada é simples e claro

A nitidez é uma forma de nuvem

Se admitirmos que o grão precisa da terra

Para germinar a planta

E a planta gerar o grão

Mas o que pode o grão

Ante o alimento da terra?

Talvez precise de se cumprir

E de se deixar viver 

Sem qualquer tipo de entendimento

Sem nenhuma obrigação

E compreensão bíblica

É por isso que os pássaros

Erguem a escassez de luz

Em todos os corações humanos

Migram

Deixam-se ir obedientes

À força da natureza

Morrem

E voltam

Todas as primaveras

Ante toda a falência do céu

À sua volta...


Manuel Luís Feliciano

 Não sou pessoa 

sou natureza

Quem me dera ser

Primavera no inverno

E chuva fresca num verão

Se em mim

Estivesse o segredo de transitar a luz

De saber viver o equinócio

E esperar a lentidão da luz

Mas não...

As sombras apoderam-se de mim

Talvez não querer aprender

Ou fingir de que não sei aprender

Ou não me implicar completamente com as coisas

É um estádio de consciência

De fugir das sombras

Tudo nasce da Inutilidade do grito

É não querer ser maior

Que a própria pequenez

Da mecânica do universo

É um processo de fuga

É a fadiga das mesmas linhas férreas

Dos mesmos horários e combóios

É não saber ter uma vida paralela 

Ao fantasma do mundo

É não saber sequer

Aqui e acolá colher flores

Sem as arrancar demasiadamente.


Manuel Luís Feliciano

6.15.2021

 A beleza dela, é a própria transcendência dela, eu amo-a, pode ser uma ideia, ou conceito de amor, olhar para ela, e ver que ela é a própria natureza, à sua aproximação, eu sinto a falésia onde vislumbro o mar, a beleza da areia, a rebentação das ondas, nasce-me a inquietação, o perfume do sal, a distância do céu,  que por estar mais perto não deixa de estar mais longe, que por ser tão real, não deixa de ser irreal, que por ser física não deixa de ser metafísica, porque eu sei que por dentro das suas pálpebras, há outros mundos e dinâmicas do amanhecer e anoitecer, talvez eu tenha medo do infinito, e me arrepie à luz de um sorriso, quando olho para ti na verdade eu morro. Até o franzir dos teus olhos têm Outonos, e o desfolhar de amanheceres,  hoje sei que o medo de pousar os meus olhos nos teus, é de saber que a natureza me vive, e eu realmente não a vivo, porque tenho medo de pensar que sou imaterial, sou da natureza do sonho como a natureza, ainda não aprendi a ser real, a pousar os pés no chão e seguir em frente,  ainda não sei morrer completamente ao teu beijo, sei que és uma criação de Deus e a tua pele, transcende todo o meu conhecimento, perante ti, sinto-me um mendigo, sou saliva do teu beijo, idioma do teu fogo, queria saber arder na frescura do teu aroma, ser terra da tua terra, em mim um cabelo teu pode ser um rio, uma árvore, o voar de um pássaro, queria saber não me magoar ao relâmpago da tua voz. Tu és a fome que eu tenho de Deus, a incerteza de um poema, num mundo demasiado certo, eu vivo na imaterialidade de dois mundos, quando te beijo não sinto a carne, somente o belo de um navio atravessar o azul, sinto o cosmos a arder em mim, não tenho a percepção das formas, só um grito de azul e de lágrima. Ainda não sei lidar com palavras pequenas e sentimentos pequenos, tudo em mim ganha altura, magoo-me ao amor mecânico das fábricas, a todas as obrigações sociais, a todos os gestos repetitivos, a angústia de não saber vestir outros que não seja eu mesmo, ainda não tenho a pequenez de ser uma ou mais pessoas, por enquanto só sou um desconhecido à procura nem eu mesmo sei de que.



Manuel Luís Feliciano

6.12.2021

 Que vento é este que emerge

Da voz de um Deus entre um Véu

Que os olhos sentem e não vêem

Por ser tão grande este céu.


Manuel Luís Feliciano

6.08.2021

 Sinto vontade de te levar pela rua

desfrutar do calor da tua mão

Que cheira a primavera

sei que a tua mão me liga à tua árvore

mas como eu preso a liberdade

eu quero que o meu amor por ti

te liberte os ramos

porque sei que cada coisa

É única em si mesma

E morre quando a aprisionamos

O que eu mais quero

é que caminhes

sem sentires o peso dos teus pés

Numa estrada óbvia

porque tu tens vida e amor dentro do amor

E o teu amor é mais intenso

quando ardo dentro de ti

e te liberto a mão

Há todo um caminho desconhecido

Dentro de ti

sei que és uma luz

como todas as luzes

não precisas das mãos que te prendam

senão dos olhos

Que te deixem partir pelas tuas ruas.


Manuel Luís Feliciano

A estupidez

Percebi a estupidez de às vezes ser estúpido

Porque não admitir a estupidez?

A estupidez faz parte de um confronto

Entre a inteligência  e a falta de delicadeza

Será que a estupidez não é demasiado Estúpida para lhe dar uma forma

Um corpo de um ser biológico

Um discernimento demasiado afetuoso

E até mesmo um lugar no dicionário

Uma rua onde ela insinua o seu corpo?

A estupidez deve servir para se ser estúpido

Mas nunca para abordar a estupidez

Dar-lhe uma mesa ou uma cadeira

Porque abordar a estupidez é de alguma

forma ser-se estúpido

Que ao menos possa ser estúpido por um amor

De uma estupidez romantizada

Por uma flor que mereça a minha irracionalidade racional

O meu fervor mais envolvente no seio de uma rosa

Ou o meu eu mais amoroso, nunca algo tão vulgar como a própria estupidez

Nunca algo tão térreo que mereça o meu génio, ou a minha delicadeza.


Manuel Luís Feliciano

 Poema 


Mais importante que a minha voz

É uma noite de silêncio

E mais perfeita que a minha voz

São as pétalas de uma rosa no chão

Não sou mais útil que uma folha de Outono

Nem mais importante que uma pedra

Não sou grande no meio de grandes

Nem pequeno no meio de pequenos

Sou uma parte do todo

E o todo de uma parte

Tenho o peso do mundo

E a leveza de uma brisa

Tenho o mesmo sorriso e as angústias dos demais

Não sou um ser perfeito, assumo a minha parte de imperfeição

Não uso a minha voz para me empoderar

É uma necessidade como chover

Que a minha voz não tenha medo

Mas também não ofenda

De passar em silêncio sem magoar o chão

Que a minha voz não seja ouvida

Para que outras se ouçam

Que a minha voz se cale

Para que outras nasçam

Que a minha voz seja humilde

E mais pequena que o chão

Mais importante que a minha voz é o meu semelhante

Mais importante que a minha voz é um mendigo

Mais importante que a minha voz é o amor

Mais importante que a minha voz é o sol

Mais importante que a minha voz é a tua voz

Mais importante que a minha voz é o mar

Como todas as partículas que compõem o mundo

Mais importante do que a minha voz é a paz na Palestina

Mais importante que a minha voz é a noite

Mais importante que a minha voz é o teu sorriso

Mais importante que a minha voz são as abelhas nas flores

Mais importante que a minha voz é um rio

O perfume de uma rosa

O coração de uma erva

Que a minha voz ouça mais do que diz

Que a minha voz não exista 

Quando o coração transgride

Que a minha voz seja perdoada por Deus

Quando omite o amor ou a compaixão

Mais importante que a minha voz

É perceber que erro, é pedir perdão

À vastidão de silêncio

Em frente dos meus olhos!


Manuel Luís Feliciano