4.25.2010

As minhas únicas viagens

As únicas viagens



Eu amei só as viagens que não fiz
Suspostamente viagens alucianadas
Também Medicamente proibidas
Sem horas a fio no check in
E malas penduradas sobre a bússola
Com data pressuposta de regresso
Aquelas em que eu viajei de facto
Em que parti sem nenhum destino
Nas quais eu pude mudar todas as rotas
Aquelas em que nunca me esperaram
Nas quais tão pouco me despedi!




Manuel Feliciano

Deus é de facto

Deus é um facto


O rio traz no corpo as mãos divinas de Deus
A insuficiência dos homens transborda todo o seu leito
A fronteira é a ponte do lugar para todas as coisas
E todas as coisas vivem fora da compreensão
E a incompreensão é a casa sagrada de Deus
Conhecem alguma coisa que exista fora de uma casa?
Um filho que nasceu sem pai ou uma erva sem semente
Os pássaros para a água ou os peixes para o céu?
Porém, a humanidade é um cão como qualquer outro cão
O homem faz as armas e o cão lambe as feridas
Cada ser é húmus da história do seu próprio mundo
A pequenez resulta da vontade em ser-se grande.



Manuel Feliciano

4.23.2010

Quem me dera ter alma

Quem me dera ter alma
Sem horas translúcidas
Da paciência das pedras
Ao longo da estrada
Indiferentes ao mundo
Consciência sem filhos
Corroídas pelo medo
De seres inexistentes
Calcinados em lares
Sem ânsia e metafisica
Da lonjura das nuvens
Alheias a si mesmas
Sem reclusos por dentro
Gritando entre as grades!

Manuel Feliciano

O Belo Olimpo

Este é o Oimpo de que Torga nos fala

São Leonardo da Galafura


À proa dum navio de penedos,

A navegar num doce mar de mosto,

Capitão no seu posto

De comando,

S. Leonardo vai sulcando

As ondas

Da eternidade,

Sem pressa de chegar ao seu destino.

Ancorado e feliz no cais humano,

É num antecipado desengano

Que ruma em drecção ao cais divino.



Lá não terá socalcos

Nem vinhedos

Na menina dos olhos deslumbrados;

Doiros desaguados

Serão charcos de luz

Envelhecida;

Rasos, todos os montes

Deixarão prolongar os horizontes

Até onde se extinga a cor da vida.



Por isso, é devagar que se aproxima

Da bem-aventurança.

É lentamente que o rabelo avança

Debaixo dos seus pés de marinheiro.

E cada hora a mais que gasta no caminho

É um sorvo a mais de cheiro

A terra e a rosmaninho!



Miguel Torga

Eu sou Barroense


Resende situa-se num espaço privilegiado junto ao rio Douro e a freguesia de Barrô é a porta de entrada na Região Demarcada classificada pela UNESCO como Património Cultural da Humanidade.

Depois das intervenções no Parque Fluvial de Porto de Rei e no Cais Turístico-Fluvial de Caldas de Aregos, o Cais do Bernardo será mais um equipamento que irá estabelecer uma relação estreita e integradora de Resende com o seu rio, conduzindo a um novo reencontro com o Douro.




Je suis né à Vilar de Barrô, mes amis

au revoir

4.19.2010

amanhã

Amanhã por detrás das folhas
Seremos flores ou medusas?
Matéria inacabada
No corpo do tempo
Rindo dos tiranos
E da própria morte
Sem olhares pisados
Com marcas de sangue
Sem a dor da chuva
E o parto da nuvem
Nos gomos da boca
Batendo no peito
A voz arvorecida
Após um prego nos dedos.


Manuel Feliciano

4.18.2010

Elis, conforta-me[...]Dói-me o que não posso!!!!

Hoje tenho o conforto
De ter ido à missa
Disseram-me que aqui
O mundo é uma mentira
Para jogar fora este casaco velho
Por entre os carris da máquina do tempo
Em busca de mim
Em busca do sentido
[...]Preciso de andar, foda-se!
Preciso de andar
Até ao cume mais alto das ilusões
Quem terá a culpa?
Quem fez a puta da culpa
Há sempre um culpado
Porque terá que haver sempre um culpado?
Tanta ferrugem nesta ignição
Que se entranha
Que se alastra
Pelas horas falsas
Que nem como, que nem choro!
Nem sou cálculo matemático
Eu tenho um barco à minha espera
Eu posso ter um barco à minha espera?
Tomem estas ávores e desprendam-nas
Destas ciladas e conluios do diabo
Filho da puta do diabo é sempre o culpado
O diabo das tentações
O diabo dos maus caminhos
O diabo das doenças
Esperem tenham calma não desistam!
Eu quero envenenarar-me com os meus anjos
Quantas vezes me embalaram e eu nem senti
Eu quero aproveitar enquanto os tenho
E vêm sempre naquela hora
Naquela hora em que não somos nada
Como se alguma vez tivessemos sido alguma coisa
Não, por favor! eu não quero voltar a mamar!
Eu cresci e já sou adulto
Eu quero é conhecer a Elis Regina
Eu não tive tempo para ir com essa musa
Num cavalo de orvalho
Entre as mãos e uma tarde
Colher frutos no céu
Sua voz feita em sumo
E eu escorrendo em sua boca
Todo, completamente todo
“Sou capira, pira pora nossa
Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e funda o trém da minha vida”
Eu só quero o meu barco
Não o quero de pó, desatem a minha vida!
Na proa sem destino
Tragam-me corpos do nada
Que guardo dentro de mim
Em crepúsculos salivares de trigo!




Manuel Feliciano


http://www.youtube.com/watch?v=dNmqHozOBzE

4.17.2010

Como a poeira consola

Súbita…uma flor de gelo
Afagando o colo…
Eu trago nos meus olhos
Torrões de açucar
Que são insolúveis
À própria chuva
Que praia é esta de um azul cansado
Dói-me até ao pescoço esta descrença
De saber que sou de saber que existo
Enquanto sombra que perdeu a casa
Que era somente casa metafísica
Que voz agreste ainda me chama
Para beijar quem? - a puta da vida[…]
Eu só sou fantasma com uma lanterna
Quem é o ladrão que me leva o estômago
Que sopa é esta que me come a língua?
Tenho sonhos prenhes na esfera do céu
Um parto adiado na boca ferida
Mais fria que a bala moldando o fogo
E que fé a minha sem campo exacto!
Sou manco, manco, deveras manco!
Eu creio em tudo desacreditando
O sol que é bom há-de perdoar-me
Ou a neve fria trazer-me o castigo
Encham-me de luz, pois não quero ver!
O belo jardim d'árvores de pedra[…]



manuel feliciano

O incógnito mundo

Súbita…uma flor de gelo
Afagando o colo…
Eu trago nos meus olhos
Torrões de açucar
Que são insolúveis
À própria chuva
Que praia é esta de um azul cansado
Dói-me até ao pescoço esta descrença
De saber que sou de saber que existo
Enquanto sombra que perdeu a casa
Que era somente casa metafísica
Que voz agreste ainda me chama
Para beijar quem? - a puta da vida[…]
Eu só sou fantasma com uma lanterna
Quem é o ladrão que me leva o estômago
Que sopa é esta que me come a língua?
Tenho sonhos prenhes na esfera do céu
Um parto adiado na boca ferida
Mais fria que a bala moldando o fogo
E que fé a minha sem campo exacto!
Sou manco, manco, deveras manco!
Eu creio em tudo desacreditando
O sol que é bom há-de perdoar-me
Ou a neve fria trazer-me o castigo
Encham-me de luz, pois não quero ver!
O belo jardim d'árvores de pedra[…]



manuel feliciano

4.13.2010

O mundo admirável

O mundo admirável



A beleza absoluta com que admiro as coisas
Com a lucidez exacta dos frutos maduros que caem
E alegria do homem colhendo a infinitude do mundo
Sem a ceifeira nos braços cantando vestida de negro
É como que as coisas dissessem no silêncio das bocas
Nada é completamente igual como vestimos os ramos
Mas a existência dos ramos já me é uma voz perfeita
Pois é nas coisas finitas que encontro longos cabelos
Verbos para além dos olhos onde finco os meus dedos
Coisas perfeitamente mortas que habitam lugares secretos
Mais densas e vitais que a cegueira dos meus olhos
Como quem olha para as coisas e as acha pequenas coisas
Só porque as coisas trazem o mistério que nos dão água
Em mim a simples pedra é raíz que chama o sol!


manuel feliciano

4.12.2010

Nunca partiremos

Deixa que a água reluza por dentro do tronco do sol
Que a nitidez da luz mitigue a verdade ilusória
E que a verdade não tenha candeeiros velhos à chuva
E a própria lucidez não seja nunca a da morte
Só porque há um buraco onde crescem as acácias
Eu quero adormecer como quem anda pela fonte
Acartando cântaros de água em aldeias milenares
A vida não foi um erro, senão um barquinho de esperança
Onde Tu e Eu Mãe comeremos sem medigarmos sorrisos
A morte é tão abstracta como é a própria vida
Eu não sou do pó da terra senão a aliança do trigo
Da boca à alma e da alma[...] à janela do infinito
Nunca me tranques no escuro porque não tens existência
Sou eu mesmo quem te confere a tua própria mentira!

Manuel Feliciano

4.07.2010

Poema aos poderosos

“Comamos deste pão
E bebamos deste vinho”

Não queiramos ser aranhas em Guantánamo
definhando a alegria pelas húmidas paredes
Fazer casas de sol das lágrimas que caem
Eclodindo nossos frutos em árvores de argila

Sujar a cara em cantos frescos de aves
Matar os sonhos em bocas derrocadas
Ter sobre as mãos campos de defuntos
E da podridão clamar que somos gente!

Comamos deste pão, mas em partilha
Sem olhar com desdém o que trabalha
O que faz do seu suor cálice e vinho
E alimenta o poderoso que é sanguesuga!


Manuel Feliciano

4.04.2010

Se os meus olhos fossem

Se os meus olhos fossem
Absolutamente olhos…
Eu tomaria o teu corpo na pedra
E veria o mundo com todo consolo
As minhas mãos não seriam de barro
E ergueriam sorrisos nas folhas
Crianças de verde dançariam no trigo
As maçãs não matariam os anjos
Se os meus olhos fossem
Absolutamente olhos…
Eu não seria fruto do acaso
A melodia do pássaro desataria o rio
Dos raios do sol não emanariam cordas
DA flor e do fogo renasceriam almas
O sonho e a vida não seriam trapos!



Manuel Feliciano

4.02.2010

Glória Dávila Espinoza


A poesia de Glória Dávila Espinoza, tem a particularidade de atingir uma metalinguagem muito singular, o que a diferencia dos demais poetas, capaz de transportar o leitor para ambientes surrealistas, raros, maravilhosos e cheios de mistério.
Reconheço-lhe o pendor de quem canta a terra, o sofrimento e o amor de uma forma sublime, e desconstrutiva, o que faz da sua poesia um mundo permanente em construção, e análise, não sei se é, porém, a Glória, que empresta a voz à deusa natureza, ou se, pelo contrário é a mãe natureza, que empresta antes a sua voz à poetisa, sendo que, poder-se-à dizer que Glória é a panteísta-cristã em harmonia, porque a sua criatividade é já um estadio demiúrgico da alquimia do mundo, ou seja para agravar mais a reflexão da sua poesia, a sua poesia é o paradoxo, antiparadoxo, mundo em éblouissance.
Mas, falar da poesia de Glória Dávila Espinoza, é beber de uma fonte inesgotável, pois denoto-lhe, uma aptidão simbólica, no reflexo das suas palavras, e ainda uma luminosidade, e um grito latejante capaz de erguer até a mais dura pedra, pois a sua poesia é um estado inesgotável de dizer o mundo em reflexão dentro da axiologia e dos valores que a poetisa resvala dentro dos seus versos.
Aliás, conotar a poesia de Glória Dávila, como uma poesia proeminentemente barroca, como muitos críticos o fazem, é amarrar demasiado a sua inteligência e sensibilidade de uma mulher, que obviamente está atenta aos vários cânones literários dos grandes autores do mundo.
Conseguinte, convém é salientar, que as palavras da autora, ao invés de nos saciarem, são simultaneamente pão e fome, e que transportam dentro de si, a incomensurabilidade de signos e significados que nos remetem para a intemporalidade da sua dêixis, o que faz de si a poetisa do ad eternum.


http://gonzaloespino.blogspot.com/2010/03/gloria-davila-la-poeta-por-gonzalo.html



Manuel Feliciano