12.23.2010

Eu e uma bola de gelo nas mãos

Eu eu e uma bola de gelo nas mãos
Que alguém por engano me ofereceu
Como se os meus sonhos fossem de ferro
Os pássaros que voam de papel
E as minhas lágrimas bailarinas
De elegantes pernas dançando-me
E os meus olhos cagassem na pedra sem espelho
E em mim se dobrem longínquos sinos calcinados
Quis mergulhar em crespúsculos de ser-me
Tocando o além e abraçar-me
Eu que nunca soube onde fica o além
Senão nas mãos de minha avó fazendo renda
E nunca esperei que nenhum deus me amasse
Eu que toquei todos os deuses em lençóis de trigo
Eles que me beijam trasnlucidamente louco
Como quem não sabe nada de si e do mundo
A minha alma desepera-se em estrelas
Na esperança de campos sem abismo
Trouxe a fome de asas numa bola de neve
Para que ela voe e não me atormente os dias
E os deuses recordar-se-ao um dia
De quanto a minha pequenez gerou seres de sol
Capazes de engolir navios estanques em mares de gelo
E plantar milho nos olhos em desventura
De quem fez do sofrimentos árvores com frutos.



manuel feliciano

12.21.2010

Os deuses que me amam

Os deuses que me amam
São de pedra e sal
Bichos dóceis nas entranhas
De uma flor
Folhas secas ainda verdes
Em menopausa
Olhos alegres em pauís da cor do céu
Têm braços que não apertam
Húmidos de sede
São partos na carne que me acendem velas
E espinhos com sangue
Que me sabem a mistérios
São a neve branca e adorável
Onde me aqueço
E a casa de chuva onde me enleio
Sem unhas
E o grito mudo das palavras
Que me levam ao colo
Ah os deuses que me amam e confortam
Serão sempre deuses
Na loucura dos cadáveres ambulantes
Enquanto um cão me lambe
E a minha alma desventurada se procura
Mais que as estrelas
Que me morrem na boca frio de gelo
E o cheiro a trigo em luares de ferro
Que os meus olhos cegos imaginam ser vozes
E a degradação de tudo a tornar-me fluido
Capaz de ser homem sonhador
Suspenso em árvores de mel no pôr-do-sol
Onde só o calor de umas asas me sustenta
Como se tudo nasça para um vazio quente
De horas vazias e falsamente oportunas
Agarrado a valsas de nuvens sem mim
Das eras que se erguem como igrejas
Enquanto procuro o que nunca fui
Para chegar a ser mais que uma viagem
No desabrochar de loucas primaveras
Serão sempre deuses na imperfeição dos dias!



manuel feliciano

12.18.2010

Os Deuses amam-me

Os sol nasce nas vértebras da montanha
Uma abelha zumbe sobre a flor
O rio leva-me para um lugar improvável
Uma mulher abraça-me mesmo sem corpo
Embora seja feita dos mesmos cacos que eu
Seguro um espelho partido nas mãos com força
E os Deuses no céu riem-me imaginariamente
Como que eu saiba o que são Deuses
Mas há um que me ouve e me estende a mão
Que é a minha consciência quando me reza
E esta por si só é um grande milagre
Enquantos os barcos enferrujados
Soltam gargalhadas despojados da vida
A soro sobre o mar pleno de gaivotas.


manuel feliciano

12.16.2010

Cabelos

Agora que sei que os teus cabelos são só música
Em misteriosos sons húmidos de anjos de amoras
Quero afogar-me nos fios desse piano de chuva
E ouvir-te no zumdido das abelhas sobre as rosas
Nas gotas dos abraços que solfejam luas nas algas
Trazem-me seres em mãos que não se encontram
Que esculpem gestos nos gomos astrais dos lábios
E cada fio é uma palavra que me algema os dedos
E me abre a lâmpada dos teus sagrados mistérios
Gememdo fome a sol na partitura dos meus olhos!

manuel feliciano

12.15.2010

Palavras no Vácuo

Sou o verbo sem corpo e clausura
No cérebro húmido das nuvens
Língua na curvatura do espaço
Tempo na pele branca das folhas
Rolando em ramos suspensos
Onde falta todo o amor escrito
O vazio acende-se na lâmpada
Das faces rubras dos rostos
E as têmporas ardem de desejo
Quando me acordas na noite
E me percorres de bicicleta
Com cheiro a ervas e a terra
Incendeias-me todos os carácteres
Dos cabelos que se irrompem
Na tinta da torrente das veias
Como os pássaros que batem asas
Em gritos de novas galáxias
Eu abro-te as pálpebras do escuro
E planto-me em estrelas nas pedras
Ao som dos pêssegos das bocas.


manuel feliciano

12.13.2010

Basto-me

Não espero uma carta
Que me traga um milagre
Nem um sorriso
De uma boca desencontrada
Eu encontro-me
Mesmo se a estrada se nega
A levar-me ao destino
Porque eu colho-me nas coisas
Na ausência inesperada
Porque até nas nuvens estão a minha saliva
E o cantar dos pássaros
Nas pétalas das flores as palavras
Aquelas que guardo nos olhos
Mesmo se ninguém as escuta
Espero-me a mim mesmo
De braços abertos ao fundo da rua!

manuel feliciano

12.10.2010

Um não que gera o fruto

Desprende as tuas mãos da ilha das palavras
Há barcos de luar na tumefacção das sílabas
Acende com as pálpebras o peito das estrelas
E pássaros em cabelos no umbral dos lábios
Deixa que o teu silêncio me rasgue num farol
Sem navios em viagem afogados na garganta
Sou uma alga nascendo em teu colo salgado
E há desejos que te ardem em árvores de neve
E flores de saliva em jardins se não regressas
E eu fujo da tua escuridão que te bebo em luz
Floresce-me um sorriso na árvore já sem flores
Enquanto me matas de pão na fome do mundo.


manuel feliciano

12.08.2010

Tornado

Minha querida

Este último tornado
Deixou-me a tua luz alva rosa
Por entre a torrente dos braços
O mar ecoou-te no azul da voz
E os meus supiros eram ninhos.

E eu adormecido entre nenúfares
Por entre o barco das tuas mãos
Acordei-te em pássaros de sol
Pintas-te o mundo em cores nuas.

Minha querida

Este último tornado
Trouxe-me o mel dos escombros
E por entre o mármore das faces
Rompeste-me a brancura dos dias
Saciamos a boca seca de crianças
Dançaste-me que somos imortais.



manuel feliciano

12.07.2010

Um pouco de além

Hoje quero ser um grito no silêncio dos deuses
Não quero a minha alma na pedra das campas
Nem pássaros de sal voando nos olhos enfermos
Nem as minhas mãos pousadas sobre as bocas
Quero flores de sol voando no frio das retinas
Vozes derramadas no lume húmido das estrelas
Saliva nos raios de sol com anjos dependurados
E que na chuva brotem frutos em ramos de água
No trigo os abraços do luar feito em escombros
E barcos rasguem os lábios secos sobre a areia
Hoje só quero ser cão e lamber o além em feridas.


manuel feliciano

12.04.2010

Contradições

Abro a varanda dos meus olhos
E sento-me dentro de mim
Que nada vêem por fora senão monstros
E a minha consciência
É uma mulher nua muma praia
E o meu cérebro mostra-me ruas improváveis
Todo o desconhecido é um mito
E eu só sou a sombra debaixo
Da promessa de uma árvore
Deixo que o sol abra as portas do meu corpo
E não me batem à porta seres do outro mundo
Nem ninguém invisivel que me abrace
Senão o padeiro para me deixar o pão
E eu não fico espantado com o porquê das coisas
Entalado entre os muros de carne dos meus versos
Como as pedras, as árvores, as montanhas e os mares
As alegrias e as tristezas saem-me pelos pôros em sal
Surreais e surpreendentes coisas do outro mundo
E eu que nasci com a doença de não acreditar em nada
A minha única religião é uma tormenta
E mesmo assim rezo a todos os anjos do céu
Com corações que me sangram nos pulsos
E charcos de lama que transformo em azuis
Quantos seres invento em folhas de papel branco?
Eu que conheci os seres mais lúcidos do mundo
Nunca tive a lucidez do que digo e faço
E tenho todas as dúvidas do mundo se eu existo?
Eu que fiz das dores anjos vestidos de branco
Da folha que cai da árvore seca
Ela deitada nos meus braços sem tempo
Tenho a tristeza de não ter ilusões de namorados
Que pensavam trocar beijos em jardins existências
E que afinal só foram um baú sem nada
Eu não faço parte dos afortunados do mundo
Contento-me com o sorriso que as nuvens me brindam
Não, não tenho a piedade de ver cabelos brancos
Escrever-me cartas de amor nos lençóis
Nem das trovoadas que me rasgaram seres
Tenho é o incómodo de conhecer vários caminhos
E ao fim ao cabo não sei por qual eu vou
Só quando por sonhos todos eles tão reais
Os que são as minhas próprias pernas
E os altares sagrados onde te rezo
É único mistério que todas as coisas me dão!



manuel feliciano

12.02.2010

Na armadilha do amor

Meu amor, sei que há frutos que te amadurecem
Na chuva das pálpebras
E veneno nas palavras que te sabem a mel
E pedras que te sufocam
Das quais fazes o teu sol
E nós na garganta que te parecem o céu
E os trigais dos meus dedos
Tomam-te em pensamento
E lambem-te as vírgulas nos cantos dos olhos
E eu vou ao fundo do mar
Tirar-te de uma casa sem portas
E levo-te comigo até aos lençóis das nuvens
Dou-te um beijo e sugo a espada
Cravada no teu coração
Arranco-te as flores de aço
Que foi alguém que tas deu
E eu só sou o amor na grade dos teus cabelos
Uma brisa de mar que te guia os sentidos
Meu amor, sei que há frutos que me sabem a ti.


manuel feliciano

12.01.2010

Em busca do céu

Meu amor, o teu tronco doce cheira-me a astros flamejantes
E eu efectivamente adoro-te olhar o céu de telescópio
E nas águas furtadas do ardor húmido em triângulo
Onde rego o trigo e me iluminas as sombras do rosto
Há um vai e vem de vozes a soluçar em mar nas rochas
E brincos de princesas nas auréolas dos teus planaltos
Lambidos pela humidade da língua da brisa em carne
Num zumbido de abelhas que desflora as pétalas erectas
És-me xilofone enibriado de toques musicais nos gânglios
E os dedos no corpo tocam-nos notas musicais em sumo
E o teu céu abandona-se-me num pomar cheios de frutos
Enquantos os nossos murmúrios nos revolvem como enxadas
Há vias – lácteas que nos levam a conhecer um outro mundo
Dentro das entranhas crescem-nos estalagmites em gritos
E o céu é aves atordidas em desmaios que nos voam em saliva.



manuel feliciano

11.29.2010

Amor é fome

Por mais que eu te tenha
Há olhos no canto dos lábios
E lábios por nascer nas flores
E flores por colher na chuva
E olhares por beber no orvalho
Por mais que eu te tenha
Há fogueiras por atear nas faces
E línguas por hastear em velas
E navios atracados nos cabelos
E rios que não me desaguam
Abres-me as grades do peito
E saís-me pela estrada da voz
E eu busco-te em campos de seda
E tu e eu corremos de mãos dadas
Há palavras que me enchem de fome!


manuel feliciano

11.28.2010

Veredas da alma

Meu amor, quando a natureza me nega os teus beijos
Entretanto os rebentos dos meus poros florescem
Chegam-me as primeiras andorinhas aos ombros
E as tuas mãos tocam-me em suaves chilreiros
Aquelas que se te abrem nas pálpebras da alma
Mas meu amor, há muito tempo que não tenho corpo
Nem tão pouco tenho a pretensão de ser visivel
E da mesma forma que a neve se torna em sol e sorrisos
Eu sou-te o alimento nas coisas mesmo se não as sentes
E acredita que os nossos lábios se tocam em auroras
Porque, os nossos beijos não são da terra, só do Paraíso!


manuel feliciano

11.26.2010

Caminhos por dentro

E o jardim das tuas pálpebras em tons de azul
E eu a tocar as flores com os meus lábios em neve
Sentado num banco que só eu tenho no peito
E as crianças de mãos dadas nos teus olhos
Serão os meus filhos no umbral à minha espera?
E a paz serena em seda preta a vestir-te o tronco
Jorra mais que a lua entre as abobodas dos montes
E os fios de cabelos cheios de frutos de carne
E eu perdido por caminhos como se me existissem
E a brisa dos teus olhos a naufragarem-me em barcos
E eu encontrado em ti como quem não se encontra
Numa ânsia misericordiosa que me abraça e ama.


manuel feliciano

11.25.2010

Flores da vida

Só pôde ter tudo
Quem nunca teve nada
Ter amado as coisas
Quem nunca as tocou
Só pôde ter vivido
Quem se trocou por um sonho
Só pôde ter sentidos
Quem viveu na solidão
Só pôde ser homem
A quem as dores amou.


manuel feliciano

11.24.2010

Dentro das coisas

Meu amor eu só sou dentro das coisas
Enquanto cerejeiras em flor no teu olhos
A chuva miudinha nos teus cabelos
O sol a abrir-te o coração da boca
E os meus labios a florecerem-te nos seios
Aparte disto sou floresta densa e escura
E o meu eu sombra nas tuas pálpebras com sol
Consciência vazia sem pilares e rio
E os meus braços uma ponte bamba
O meu coração deseja dar-te tudo
E as minhas mãos não esperam por nada!


manuel feliciano

11.22.2010

Neurose

E tu que dizes que a realidade é o que tocas
A lenha que arde e se consome
E os navios dentro dos vaga-lumes
O copo que se bebe e nunca esteve cheio
A mulher de carne como tivesse carne
A árvore abrindo a boca já de velha
Ainda a nascer dentro de mim
E a bala do amor desferida pelos olhos
E o sangue a escorrer invisivel
E os que nos sorriem por dentro da Primavera?
E a mulher transparente que respiro pelas narinas
E eu nos lençóis em veleiros de abraços
E fogueira que me aconchega de ausências
E eu a caminhar pelas ruas sem corpo?
E a minha alma feto dentro do teu ventre
E as pernas presas e eu no colo das coisas
Ah que doces neuroses verossímeis
As que efectivamente me embebedam
E sem as quais eu não chegaria a ser homem.


manuel feliciano

11.17.2010

linguagem do amor

Eu faço amor numa linguagem estranha
Ainda os nossos olhos mal se tocam
O sol escreve-nos asas nos ombros
E rouba-nos o som às palavras
As aves chilreiam-nos nos dedos
E enleiam-nos o coração com ninhos
Por entre os arbustos do peito
O mar soluça-nos dentro da garganta
E os veleiros rasgam-nos os sentidos
E a pele das rochas arrepia-se-nos na boca
Aos pés de palmeiras de uma ilha
Voamos tão longe com o corpo atado às ondas
E num fremir idioma em que nos amamos
Em vozes que nos desenham imagens indecifráveis
A saliva branca derrete-nos todos os sons
E eu e tu somos um país outro – o mundo!
Filhos de línguas estranhas que se gesticulam
E que mal se conhecem, abordam-se de frente
E passam ser outra coisa que vem dos céus!



manuel feliciano

11.16.2010

Mais além

Meu amor
Estou no limite da luz
Que os lábios temem na noite
Na terra ainda não cavada
À frente da trovoada
Das areias do deserto
Na abóbada do céu
No tempo que se dobra nas ondas
Para te colher como um anjo
E te receber com um beijo
Sem um trovão que perturbe
Ou a brancura da neve
Nos ossos alvos do corpo
E te mostrar o outro mundo
No pão quente das minhas mãos
Em Outonos que incendeiam
E Invernos que enternecem
E brisas que nos olham crianças
Sem folhas que se corroam
Com os grãos secos da chuva!


manuel feliciano

És-me

Na planície dos meus pulmões
Respiro o teu encanto
A brisa dos teus cabelos
Dedilha-me em rendas de trigo
Em pássaros húmidos nas pálpebras
E os teus dedos evaporam-se
Ao som de Citaras ancestrais
Conduzem-me aos teus suspiros
Por caminhos virginais
Onde os meus lábios se afogam
E as tuas mãos trepadeiras
Que se despenham do sol
E se libertam em fogo
Sou-te todo em sentimento
A arder fora das muralhas
Nos ramos desse teu tronco
Os teus pés o meu pensamento
Que me leva às alturas
Nas algemas do teu colo
Batem-me as ondas do mar
Revolto no teu vestido
O meu coração é-te a boca
Veleiro em águas profundas
De Flor de sal e de lágrimas
Que colho em teu altar de rosas
Enquanto me esvaio em teus seios.





Manuel Feliciano

11.09.2010

Agora que chove

Não chores amor, é só a chuva a sorrir
Pelos canaviais do céu
As casas e os jardins
Os olhos e os sonhos
Num colar de gotas de água
Que um beijo agradece
Enleado entre as folhas
Deslumbra-te com ele ao pescoço
Pintado com um até já dos pássaros
Embriagados nas nuvens
Ardendo de amor nos bicos
Lambe o sal e adocica-o
Voa num desmaio azul
Que a Primavera volta mais forte.



manuel feliciano

11.08.2010

Pássaros de água

Que importa que o sol chova nos cabelos
Que os verbos ranjam nos joelhos
Os olhares me esmaguem contra os muros
Os abraços sejam um charco de lama
Os beijos uma fogueira apagada
E eu a morrer de frio
Que os outros tenham pés e não me vejam
Que a lonjura me torne num galho seco
Beijem com o pensamento numa pedra
Se tu vens nessa fragrância de olhares maduros
E fazes-me ver ao longe onde os deuses dormem
Dar frutos onde não existem árvores
Das visões que rasgam o metal do escuro
Resplandecer em tudo o que não tenho
Se a tua sombra tem mais força que o corpo
Se o teu corpo me nasce dentro do mistério
Estou feliz e ainda bem que sou criança
E a realidade é algo que eu desconheço
E à turba exasperada que me faz troça
E eu pisco-lhes o olho esquerdo sem traça
E aponto-lhe um pénis viril com um dedo
Porque sou monte maninho e não me moldo
Às bocas que se derrocam e estão bem altas.


manuel feliciano

11.06.2010

As vírgulas nos músculos

E as vírgulas no lugar dos músculos
No calor das frases pausadas dos olhos
Correm-me na curvatura dos cotovelos
E deixam-me a fresca aragem
Da linha dos lábios acesos
Os beijos suspensos em orações
Enquanto te leio entre o paredão e o mar
As amoras amadurecem-te nos cabelos
E eu como-as deliciosamente à espera
Que os corpos se abracem sem parágrafos
Na semântica dos jardins que ardem
Nos poros da pele mais à frente
O que vai muito para além das Vírgulas
E do trote dos cavalos desenfreados.


manuel feliciano

11.02.2010

Ad aeternum

Que os barcos rasguem os braços de pedra
A ave voe na folha seca da língua
O sol consuma o vírus do mundo
A chuva bata na janela feita um anjo
E me quebre o vidro escuro da alma
E o céu só seja uma pequena formiga
Caminhando no celeiro das minhas mãos
E as estrelas os passos do meu pensamento
Que as flores brancas não cheirem a sangue
Não aos teus seios esculpidos em mármore
Quero uma arma nas asas de uma pomba
Ser bala de orvalho que extingue feridas
Quero nascer na cortina do fim
Ir de mãos dadas com o arco-íris
Onde a manhã desfaz letras de ódio
No berço quente da cama das ervas
Onde os deuses têm corpos tão claros
Numa boca cega que me mostre impossíveis!

poeta manuel feliciano

10.27.2010

Ser rio

Nos trémulos lençóis maduros da cama
O rio desceu corado pelos teus cabelos
Dançou com os seios lambendo as rochas
Tomou-as de frente no colo uma a uma
E arderam na carne serena da orquídea
Comeu a sofreguidão e o medo da vida
Em cachos de sorrisos salpicados de uvas
Cantou a canção nas asas de uma garça
Por entre dores do sol nas mãos paridas
Abandonou-se nos fios de uma guitarra
E abraçou multidões nas margens de terra
E os olhos ardiam-me em estrelas cadentes
E o meu coração na tua doce boca chorava
Em doces jardins verdes de saliva e pássaros
E dentes dedilhando-me em anjos nas alturas
Em luas por cima do céu em ruínas com flores
No candelabro do mel dos teus olhos astrais
Sou-te barco na armadilha das faces límpidas
Enredado em fios sussurrantes de cardumes
Morro na folhagem dos teus ombros ancestrais
E perco-me na linguagem fresca de quem sou
O sonho quente no sangue crente de alguém
Antes que mar se me acenda por todo o corpo
Em torrões de açúcar de línguas de espuma
E renasça em girassóis dentro da tua placenta
E me leve fragmentado ao teu altar do mundo!



manuel feliciano

10.26.2010

Ausência de mim

As minhas mãos fechadas dentro de uma gaveta
Os meus pés jogados numa fisga para o céu
O meu corpo a ranger num plátano velho
Não são o limite das flores varridas pela brisa
O meu pensamento arde longe desta sombra
Fragmento-me num comboio de orvalho onde te levo
Deixo o cálice dos meus olhos a entornar para dentro
Sem sequer tragar o sol da matéria venenosa
Bebo das imagens que não sucumbem ao sal da vida
Cinzelo Vénus no mármore quente da nuvem
Orquestro a música na plumagem rubra dos astros
Deixo que rio bata as asas nas folhas secas do silêncio
E colho em vozes ausentes frutos com que faço a casa.



manuel feliciano

10.25.2010

Maçã do amor

Toma esta maçã madura amor
Por dentro da sua polpa
Estão os beijos das tuas pálpebras
Enlaçadas às minhas
Quando te olhei o rosto à janela
Pela primeira vez na floresta virgem
Dos meus olhos acorrentados
Ao teu peito debruçado
A arder-me nas têmporas
Os lábios sôfregos pelas ondas
A amaciar a pele das rochas
Como me ardia a água do teu vestido
Nos astros tumefactos da garganta
Tu na bicicleta a entrares por mim adentro
As carícias dos abraços no lume das estrelas
Com as raízes na terra e o pensamento no mar
Toma esta maçã madura amor
E partilha-a com a minha boca
Como se ainda esteja a nascer para a árvore
E reguemos as raízes com a saliva da memória
E despe-me como quem me cobre junto a ti.


manuel feliciano

10.24.2010

Pseudo modernidade

Uma galinha com as patas sujas no charco
Come entontecida e cacareja ao som do milho
E os dias correm-lhe como um rio sossegado
Mas a sua alma não tem umbrais esfomeados
Pelas pegadas que o mar rouba sobre a areia
Nem vacas de nuvens que pastam nas alturas
Ou rochas do mar onde se ergue uma sereia
O nevoeiro que o sol desata numa gaivota
A consciência tocando as cordas dos músculos
A bomba moribunda desactivada com beijos
A lágrima salgada desaguando em bons ombros
E a fome ceifada nos ventres por todos os covardes
Porém, não conhecem a gástrica flor da hipocrisia
Nem a sofisticação viril da pseudo modernidade
Nas galerias da estupidez do ódio e da maldade
De homens que têm mãos e continuam amputados.


manuel feliciano

10.23.2010

À Actriz Carla Bolito























A actriz Carla Bolito em palco, prima por um carácter firme e autêntico, com a genialidade dos seus movimentos corporais, desprende-se completamente de si e empresta a sua genialidade ao que se chama arte, com uma voz sem mácula e cristalina, de repente o seu corpo ilumina-se e trasmuta-se numa das várias personagens que esconde dentro de si, eu diria na minha óptica estética de espectador, que a considero uma das melhores actrizes da actualidade portuguesa, a quem Portugal deve estar atento, uma verdadeira fera a representar, quer no cinema, quer no teatro.

Aconselho-vos, que por onde quer, que esta estrela brilhe, é digna dos mais fortes aplausos!


manuel feliciano


Carla Bolito (Moçambique, 1973), é uma actriz portuguesa.

[editar] Carreira
Integrou o Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra (CITAC). Cursou Formação de Actores no Instituto Franco-Português e Instituto de Ficção, Investigação e Criação Teatral (IFICT). Trabalhou como actriz residente no Teatro O Bando sob a direcção de João Brites, Raúl Atalaia e Horácio Manuel. Posteriormente trabalhou com Ana Nave; José Peixoto; Lúcia Sigalho; Paulo Claro e Jorge Silva Melo (Artistas Unidos). Encenou Areena, em parceria com Rafaela Santos, no Centro Cultural de Belém; Teatro-Fantasma, com Cláudio da Silva, no Espaço Negócio da Galeria Zé dos Bois; Transfer, de que é autora (Ed. 101 Noites; 1ª Edição - Fevereiro de 2006).

Trabalhou em dança, tendo participado em coreografias de Olga Roriz e Clara Andermatt.

[editar] Cinema
No cinema trabalhou com os realizadores Joaquim Sapinho (Corte de Cabelo), Ivo Ferreira (O Que Foi?), Eduardo Guedes (Falando de Anjos), Teresa Villaverde (Água e Sal), Fernando Vendrell (O Gotejar da Luz, Pele e 14 de Fevereiro a 1 de Abril), Solveig Nordlund (Amanhã), Paulo Belém (W), Margarida Cardoso (A Costa dos Murmúrios). Deu a voz a um filme de Edgar Pêra.

[editar] Televisão
Para a televisão contou com participações pontuais, destacando os telefilmes Facas e Anjos, de Tiago Guedes; La Mort Est Rousse, de Christian Faure; 88, de Edgar Pêra; a série Bocage, de Fernando Vendrell.

Participou recentemente na série O Testamento para a RTP, onde interpretou o papel de Telma.

Foi premiada no Festival Internacional de Cinema de Locarno, como Melhor Interpretação Feminina do ano de 1995, com Corte de Cabelo, de Joaquim Sapinho.

Amor ausente

Meu amor, não foi o gelo que não nos aconchegou
Nem o fogo que nos arrefeceu
Temos uma brasa quente e húmida na garganta
Que nos liga aos braços bravos dos nossos oceanos
Os nossos olhos germinam mesmo nos galhos
Desfeitos da noite madura e quente
As minhas mãos desferem-te flechas de gritos
Lambendo o silêncio ausente do teu corpo astral
E os teus lábios desfeiteiam a múmia da existência
Colados aos meus sobejando a lava de estrelas
Almiscarados com chocolate e torrões de açúcar
Em beijos tragados num marulhar de hienas
Nos cálices refrescantes de flores rubras e alvas
Enquanto o nosso amor reluz na tosse cadavérica das rosas
Que me importa os bichos que mutilam a avenida
Dos meus sonhos abertos ao céu como uma borboleta
Que o sol tenha o sabor asqueroso das trevas
E a escuridão a claridade da língua singrando nas espáduas
Até às curvas húmidas dos meus dedos no som da água
Onde me perco na partitura da tua cavidade musical
Que importa que a podridão arboresça e dê frutos celestes
Eu amo-te toda com os pés frios nas pedras
Os teus olhos consomem-me e ferem-me como duas balas
E o meu corpo é um texto húmido em gotas de sangue
Onde a tua ausência se refunde nos meus dedos
Em ninho que uma ave na Primavera teceu na árvore
Ao fundo do meu umbigo trémulo no teu abrigo
E tu e eu no choco caloroso dos ovos por debaixo das asas
Mas minha querida e apaixonada na ausência de ti
Não há bisturi que corte a pele da minha essência
A morte semeia-me-te a palavra como o grão a ave no céu
Oh casco enferrujado de um navio num banco de areia!
À luz envenenada de uma estrela desmaiada
Oh anjos que tanto venerei sem corpo!
Oh deuses da minha voz em recuo sem respostas!
Altares floridos da minha espera sagrada por ti
Do meu Eu numa caixa de fósforos por arder
Que uma folha de Outono seca te traga amor
Quero-te quente aqui e agora basta-me de cerejas
Onde te como deliciosamente sentado na árvore
Nesta presença invisível de mim, onde te ouço Docemente!



manuel feliciano

10.20.2010

Quando eu te tenho

Quando eu te tenho
O mundo está à distância dos teus olhos
O mar que é grande cabe-nos nas mãos
Há glaciares que nos derretem nos beijos
As laranjeiras secas dão laranjas cheias de sumo
Tu és o Ouro e a prata que eu não tenho
O Inverno é frio mas amadurece
Os frutos alvos do teu rosto
O escuro é uma manhã tal como um rio desamarrado
Que quebra o som dos tijolos e dos escravos
E os deuses moram-nos tranquilamente sem cortinas
Os nossos cabelos são árvores no deserto
Nós apanhamos mesmo pêssegos nas nuvens
Sem necessidade alguma de os comermos
Quando eu te tenho
Basta-me a luz dos meus olhos na tua voz
O crepúsculo do teus pés na minha sombra
Somos ponte de saliva que não se desmancha
O universo é-nos só um pequeno ponto
Que nos teus dedos germina multidões
De grãos afectuosos na minha alma
A tua ausência é o reflexo de que me habitas.



manuel feliciano

Navio de letras

Vou por um navio de letras
Os bancos são bocas exangues
Os passageiros reticências
O destino não tem hora.

Abraços desencontrados
Como quem os aperta
Num mar imenso de pó
No umbral de uma casa
Sem porta que dê para fora.

Ouço a música dos pêssegos
Que nunca tocaram a quilha
Do concavo da boca
E souberam-me ao além
Pela bruna tão clara
Rezo de joelhos a uma pedra.

Não me queixo, para quê?
Atraco-me ao troco de uma figueira
A mesma que judas conhece
E faço dela uma prece
O Deus que tanto esperei
No cantinho dos teus olhos.


Enquanto o mundo for
O nada é multidões de gente
E eu sou um mero lastro
Fatias de uma melancia
E o meu coração ausente.

E sigo pelo mar de pedra
Eu sei lá o que é o mar
Sou ponto de interrogação
Pinheiro plantado no monte
Enquanto a viagem segue.


manuel feliciano

10.19.2010

Poeira nos olhos

Tu que vais pelo caminho sempre erguido
Mesmo se há fisgas apontadas ao teu peito
E os outros te obstruem o luar das pálpebras
E fazem disso o sangue que lhes dá a vida
Só por que os outros te destroem e são felizes
As mãos imensas no horizonte das palavras
Esmagam-te a voz com mãos dentro dos bolsos
Viram-te a cara como a sombra de um cadáver
Tu brotas água no deserto das suas almas
Abres os lábios e braços num bando de aves
Tens pão nos sonhos que fermentou na chuva
E um mar de estrelas fundeadas na esperança
Se os outros matam com a poeira nos olhos
De bolsos cheios morrem mesmo cheios de fome.



manuel feliciano

Music Box: POETRY SLAM NIGHT

Music Box:
POETRY SLAM NIGHT
Travessa do Carvalho nº24 ao Cais do Sodré
Por Alex Cortez
http://www.musicboxlisboa.com/

Para todos os jovens que gostam de presenciar poesia declamada pelos novos poetas da actualidade, numa noite que combina poesia música e encenação, que traz a palco vários artistas quer da música, quer do teatro, convido-vos a conhecer este novo espaço que a cidade de Lisboa vos concede pelas mãos de Alex Cortez e Janine.



Manuel Feliciano

(Em memória de Deus)

A Fernando Pessoa

(Em memória de Deus)


Senhor, de quem sou só sombra
De quem o sol é húmus
De quem a chuva é lua
De quem a neve é fogo
E a água uma ave na árvore
O mundo uma ferida na garganta
Na tua presença ausente
Faz com que tudo o que eu crie
Seja a tua consciência
Ligada à sensibilidade dos meus dedos
De um bom filho para um pai
Limpa-me a alma para que te sinta
No que em mim há de mais fértil
Os meus sonhos sejam matéria
E o meu pensamento marinheiros
E a espera não me doa
Com os pés dentro da lama
Dá lume por ventura aos meus passos
Para iluminar almas sem gente
Deixa-me ser pão em esfomeados
Ser-te servo é-me toda a liberdade!

manuel feliciano

10.18.2010

Cool_the best





Do álbum:
POÈSIE & LINGERIE por Alex Cortez

So lovely Night




Do álbum:
POÈSIE & LINGERIE por Alex Cortez

A beleza de um momento - Eu-Lisboa-o Mundo




Do álbum:
POÈSIE & LINGERIE por Alex Cortez

My beautifull Night-Lisboa




POÉSIE & LINGERIE (Carla Bolito, Inês
Jacques e Cláudia Efe) ao vivo na sexta 15 OUT @ Musicbox 'POETRY SLAM
NIGHT' !!!!!!

Eu estive Aqui - Poetry SLAM Night




POÉSIE & LINGERIE / Inês Jacques, Cláudia Efe, Carla Bolito, Edgar Alberto e


Poetry SLAM Night
à nota "POETRY SLAM NIGHT / Sessão II / Sexta feira 15 de Outubro"


Um poema é um corpo. E a lingerie é o manto de sensualidade que Inês Jacques, Claudia Efe e Carla Bolito vão levar à boca e às urnas, levar a poesia a sufrágio do queixo do povo. É um jogo erótico: temos em mão – mais em olho do que em mão, é certo – um espectáculo de contornos curvos e sedução sibilina. As três intérpretes propõem colocar em relevo, por uma noite que seja – na esperança de frutos, filhos, seguimento no sangue e no peito, o erotismo que é tão intrínseco à poesia, à fastidiosa aparente dos livros, plena de perfume, olhar e carne. A sedução é uma arte, uma arma, e o que aqui está é uma célula revolucionária com um belicismo muito próprio: olhos no lugar de canhões, palavras no lugar de morteiros, explosões em compasso, violência em libido. Um jogo de anca com par, mas em trio. Há sonhos luminosos que começam assim.

Zzzzzz

Zxzzzzzzzzzzzs

POETRY SLAM NIGHT / sessão II /amanhã 15 OUT, ENTRADA LIVRE.





POETRY SLAM NIGHT / sessão II /amanhã 15 OUT, ENTRADA LIVRE. Os concorrentes inscritos são: Samantar Mohi
/ Mário Abel Costa
/ João Silva
/ Manuel Feliciano
/ Afonso Mata /
Boris Nunes. O vencedor ganha uma colecção de livros gentilmente oferecidos pela QUETZAL EDITORES e pela editora 101 NOITES, bem como um prémio MUSICBOX!! Inscrevam-se para as próximas sessões!!

POÉSIE & LINGERIE / 15 OUT 23h @ Musicbox / Entreabre-se




Com as nossas queridas artistas: Da esquerda para direita; Actriz Carla Bolito, Vocalista Cláudia Ef, coreógrafa Inês Jacques.


POÉSIE & LINGERIE / 15 OUT 23h @ Musicbox / Entreabre-se
a boca
na saliva da
rosa

no raso da
fenda
na fissura das
pernas

Entreabre-se a
rosa
na boca que
descerra
no topo do
corpo
a rosa
entreaberta

E prolonga-se a
haste
a língua na
fissura
na boca da rosa
na caverna das
pernas

que aí se
entre-curva
se afunda
se perde

se entreabre a
rosa
entre a boca
das pétalas / Maria Teresa Horta

A bomba

A bomba não se auto-faz
É castrada e marioneta
De farrapos
É escrava
E não dona
Não tem bunda
Nem desbunda
Só rebenta
Nem sentimentos tem
Nem consciência
Não ri da pobreza alheia
Nem chora da desgraça
Não mama
Não toma café
É vagabunda
Não trabalha
Não tem sexo
Não ama
Nem desama
Não idealiza
Nem sonha
Nem pensa
Nem se interessa por ninguém
Só rebenta (PUMmmmmmmmmm)
Como não pensa
A bomba não existe
Não tem lábios de Vênus
Nem suco gástrico
Não se penteia
Nem faz manicure
Não ingere nem digere
É cadáver como tantos outros
Lambendo o pó imundo
Dos desafectos
Das árvores sem folhas
Com ramos eléctricos
Que não abraçam
Nem deslaçam
É túmulo caíado
Flores murchas sem paixão
Num mar sem ondas
Que bate nas rochas das bocas
Marulham na garganta
E Rebenta no coração (PUMmmmmmmmmm)
A bomba tão amada
Que é pássaro de pedra
És tu e sou eu [...]


manuel feliciano

10.17.2010

Sabem o que eu valho?

Sabem o que eu valho?
Uma moeda de 20 escudos
Que perdi num bolso
Uma gravata atada ao pescoço
[Esgana-me]
Mãos de sereias e coxas lívidas
[Torturam-me]
A impressão que aquela loira
Sentada a ler um livro no jardim
Poderia ser minha
[Eleva-me]
É o que eu valho
Um ser demodé
[Pouco me importa]
Ou um very important people
[Deixo para a natureza]
Aos olhos de outro
E eu e a consciência das coisas
E as coisas para mim
E eu para as coisas?
Uma árvore plantada no jardim por engano
O alcatrão passou a ser mais belo
Que uma mulher
A erguer-se no orvalho de uma flor
[Enlouquece-me]
Óhhhh, eu que pensava que só
As mulheres gordas sofriam de desamores
As loiras esguias também as vejo
A chorar à varanda
E as minhas pernas desgraçadas?
Deixo-as no Cais do Sodré
Para aqueles que as têm e não as usam
E afinal o que são os olhos meu amor?
- Duas moedas oxidadas
Vêem o que existe
E vêem o que não existe
Ou melhor não vêem nada!
Por que não é com os olhos que se vê meu amor!
Eu que vi agora duas putas tão bonitas na travessa
Com o coração afogado no Tejo
[Dói-me]
Quem lhes envenenou o amor?
Quem lhes desmereceu o beijo?
Ao tic-tac de um relógio
Sobra-me este dia a dia cheio de mim
Acham pouco?
Num vai e vem de comboios e gente a correr-me!


Poeta manuel feliciano

10.14.2010

Em abandono

Meu amor. Digo-te deserto como um beijo
Despido sem segredos na árvore do Outono
Está na hora de sermos, como quem se abandona
E nasce inteiramente para as coisas
Como pássaros bordados de saliva nos ombros
Folhas rosadas na brisa da pele
Pés nas conchas da areia
Silêncio húmido dos peixes
A voz gretada nas rochas
A rouquidão na vaga das pernas
Espasmos nas colinas com oferendas aos deuses
Sementes no texto das ervas sempre a cada abraço.


manuel feliciano

Em Lisboa

No dia 15 de Outubro de 2010, estarei no concurso, Music Box (Poetry Slam) em Lisboa. Travessa do Carvalho nº 24 ao Cais do Sodré , Lisboa., por volta das 22 horas.




manuel feliciano

10.13.2010

Valsa das flores

E neste sono profundo da vida […]
Enquanto a terra abre a carne à semente
E a chuva amadurece a flor
Eu espero o dia loucamente
Mais à frente sem lonjura
Sonhando com os braços quentes do dia
Como quem morre para a morte
E acorda para a vida
Enleio as minhas mãos nas tuas
Na convulsão dos deuses sem precipícios
Desposando as gargalhadas do sol.


manuel feliciano

10.12.2010

No areal da memória

No areal da memória
Não ficaram as tuas pegadas
Nem o sobejo salgado das ondas
Palavras sem hastes e folhas
Nem as sombras húmidas dos corpos
No areal da memória
Os nossos braços erguem-se de vida
Os corações esvoaçam nas gaivotas
Tu e eu quebramos o vidro do tempo
E no areal da memória
Só ficam aqueles que morrem
A nossa boca chama sempre o sol
Deixemos as lembranças para o mar
E a saudade para os que não amam
E para os que nunca chegaram a ser
Nós estamos aqui felizes da vida
O meu amor incendeia todos os silêncios.

manuel feliciano

10.10.2010

Aos teus olhos

Que me importa que os teus olhos
Sejam ruas desertas
Jardim sem árvores e pássaros
Homens sem consciência
Poeira da cinza de cigarros
No final de uma conversa
Prisioneiros da vaidade
Loucos impérios cegos
Estações sem passageiros
Que me importa que os teus olhos
Tenham a escuridão da noite
Chuva que não escreve na terra
Invernos com folhas na rama
Flores da imunda soberba
Se os meus olhos vêem por ti.



manuel feliciano

10.08.2010

Não me peças o regresso

Meu amor, não me peças o regresso
Nem os braços no mar
Nem o tronco nas andorinhas
Nem os lábios no teu colo
Por que me és tudo isto.
Eu vivo-te como um ciclo sem tempo
Nos poros da tua alma
Acaso alguma árvore vive sem raízes?
Eu nunca te parti
Mesmo quando os terramotos
Teimaram em destroçar as vozes
E apagar a memória
Eu tive sempre a liquidez
Para te ser sem quaisquer muros
Atravessar-te todas as portas
Mesmo estando fechadas
E dar-me todo em aconchego.


manuel feliciano

Um não cheio de vida

Meu Amor
Um não dos teus lábios
É um céu azul aveludado
Uma árvore no oceano
Uma nuvem desfazendo-se
Numa bailarina na garganta
Um arco-íris entre os dois
É um corpo erguendo-se da pedra
Laranja colhida nas telhas
O sol chovendo-me beijos
Meu amor
Um não dos teus lábios
Ainda que tenha sombras
E penhascos desabitados
Sabe-me a sim
Em asas de andorinhas.



manuel feliciano

10.07.2010

Ciclo da vida

Na Primavera há flores que morrem
No verão a água nasce nas folhas secas
Mas não sei para que lugares correm
No Outono colho frutos que não como
De Inverno o gelo queima, mas derrete-se
No teu rosto é onde tenho todas as coisas
Seguras e sinceras, que me mostra a casa
Secreta e imune a todas as tempestades.


manuel feliciano

10.06.2010

Eternamente

Uma orquídea de sol cruzou-te a boca
E nenhum Outono ousou levar-te a voz
Nem sequer o vento te enrugou a alma
Nem o gelo fendeu a luz do teu rosto
Voaste em ave eterna ao cair da folha
E devolveste os ramos ao amor sedento
A chuva é-te flor nas sílabas do rosto
Que eu colho na placenta azul do céu.

Poeta Manuel Feliciano

Cosmos

Atenta à Primavera a latejar na boca das flores
Ao baile das abelhas nos cálices das cúpulas
À nuvem branca a despir o sol com ternura
Ao luar da pele a abrir a semente no escuro
Aos olhos cintilantes na nascente do colo
Aos espasmos da brisa a acariciar os lábios
Ao marulhar das vozes no silêncio do útero
Atenta aos corais na abstracção da memória
Desmorona-te suavemente, cai e varre o pó
Suspira aliviada e casa-te com o mistério da vida
A dor só é uma gota no mar de toda a perfeição.


manuel feliciano

10.05.2010

Portugal em lágrimas

Sou irmão de um povo doente à beira-mar
De uma consciência com vielas intransitáveis
Pensamentos à janela que caem de velhos.
Ó bocas submersas no útero de um lago sujo
Que não conheceis a liberdade pura da palavra
Húmida e sincera a cheirar a romãs e campo
Que nasce nos montes e a morre nos corações
Temeis a casa Pátria seca e não menstruada.
Submissos que lavrais no cio de línguas estéreis
Como cães vadios desesperados pelas sobras
Mijai nos pés de quem vos nega o suor da carne
Soprai alto no jardim frio com árvores graníticas
Que vos fizeram às raízes, húmus, e ao grito?
Desprendei a música que dorme nos túmulos
Para que em vós nasça um Portugal por inteiro.

manuel feliciano

10.04.2010

Viagem imóvel

Na cama imóvel do quarto
Nas sombras da noite
Com lençóis de espuma
À luz de um candeeiro.

Sou um navio no mar
Viajo entre as paredes
E a janela ao fundo
Corpo estendido sem lastro
Entre o tédio e a loucura.

Enrolo-me no vento
E subo pelas nuvens
Sigo pela esteira firme
Do teu vestido azul
Longe dos invernos
E dos dentes da chuva
A ranger nos ossos da proa.

Lavo a minha alma
Nos rastros dos cabelos
Que ouço na voz húmida
Do amanhecer das pálpebras
Estrangulo a aritmética
E o mundo racional
Com árvores nos dedos.

Abrigo-me no teu útero
E brinco com as mãos
Discretas e invisíveis
para que não acordes.

Beijo-te os pés na brisa
Por que as leis naturais da vida
Quebram-me todos os laços
E eu fico-te sempre nas asas.

Semeio-te tudo o que tenho
Somente com as faces da cara
Para não cansar os lábios
Os campos, as flores, e os ninhos
Que o céu conhece mais que eu.

Não mais que uma azeitona
Que chora num lagar de azeite
Para se oferendar em louvor
Ao amor que eu sinto por ti.




manuel feliciano

10.03.2010

Metamorfose

Escrevo-te palavras de amor nos olhos
Respiro-te em trémulas narinas
E deixo-me cair no dorso da tua terra macia
Sobre o sussurrar de folhagens
E fundo-me em magma e rio
Em pássaros labiais ardendo à chuva
Em auréolas estelares em rebento
Em torno de líquidos moinhos
No âmbar do colo até à foz
As mãos são carvão em fogo vivo
Buscando-te uma fenda no escuro
Luminoso e quente
E nos músculos das cordas da lira
Com sons desconexos nas virilhas
Que escorrem nos troncos das coxas
As almas e evolam-se em névoas
O coração ferve e descarrila
Num comboio gemendo em túneis
Com combustível de romãs
Que abre e rasga
Que morde e abocanha
Que come e não magoa
Que mata e ressuscita
Em plena metamorfose vou
Na popa do pénis pela desembocadura
Velas içadas de desejos
De dois marinheiros por trovoadas
Com faíscas de mel e sal
Eu quero-te árvore a florescer de Inverno
Abelha de saliva Polinizando-me mar adentro.



manuel feliciano

Caros leitores do meu blogue

Gostaria de lhes transmitir que sinto um enorme prazer em ser lido, todavia, para algumas pessoas que ousam de má fé, queria referir que os poemas estão registados na Sociedade Portuguesa de Autores.

Esperança

A esperança é uma mulher
De cabelos longos
Nasce menina nas pálpebras
Das folhas molhadas
É um farol
De luz na pedra dura
E um navio
Feito do silêncio dos dedos
Basculhando a escuridão.
É ir pelo mar das dores
Plantar macieiras no azul
Dançar um tango num rio
Que corre seco às gargalhadas
Matar a sede no Sahara
A brasa a luzir na boca da chuva.
Comer a maçã que não vingou
É uma mulher de seios fartos
A flor em devaneios
Que ousa nascer nas ancas do gelo
E nunca lhe nasce sequer uma ruga.


manuel feliciano

10.02.2010

Rasguei uma nesga na noite molhada

Rasguei uma nesga na noite molhada
Com dores de um parto
Por entre raios vermelhos de sol
E o inverno a sangrar-me
No corpo e na alma
Enquanto as abelhas
Me polinizavam o sorriso
E a Primavera me acenava sem flores
Gritei toda a minha loucura
Às larvas
E à traça
Onde me deixaram passos na areia
E uma casa sem luz
Que corroem os sonhos
Não fiquei à janela a ver o sol
Quebrei os muros
Com as lágrimas nos dedos
Desbravei o impossível
Florestas de abismos com machados de luz
Com os ossos desfeitos
Mandei foder o diabo
E a puta da sorte
E segui mesmo em frente num barco de gelo
Com a proa quebrada
Pelas ondas do mar aluídas
Na imperfeita paisagem
Em jardins de sangue
Redemoinhos de seios
Fogos que ardem apagados
Desamarrei os braços cortados
E levantei-os ao céu
E cantei o que não tinha
Com os bolsos cheios de pedras e sorrisos
Colhi bem alto no colo de árvores em névoas.



manuel feliciano

10.01.2010

Leva-me dentro de um bolso

Desmancha o calor dos teus braços suavemente.
E desata o nó da minha garganta
Como quem a aperta
Na malha fresca da tua pele
Sou-te o colo azul do mar sedento
Uma pedra de gelo mais quente
Que o fogo do próprio sol
E nada em mim está congelado.
Como cascatas de árvores
Veste-me com a memória das sombras
Mais brilhantes que o clarão da lua
Que eu não quero roupa que me arrefeça
Colhe-me numa estrela
No velejar dos teus olhos
Com lágrimas abrirem-se em flor
Leva-me dentro de um bolso
Como um objecto perdido
Que eu não conheço outro céu.


manuel feliciano

9.30.2010

Não me tragas casas de betão

Não me tragas casas de betão
O conforto natural das coisas
Pontes inquebráveis
Não me abrigues do Inverno
E me refresques de verão
Eu amo ser homem
Não mais que uma abelha
Queimando as próprias asas
E na contariedade de ser homem
Só a luz de um vaga-lume
Um fio de lã sobre o rio
Onde te amadurece o colo
Uma casa de brisa
Um pássaro de orvalho
Uma cidade de pólen
Poderão naturalmente aconchegar-me
Na falta disto tudo[…]
Deixa que no meu corpo despido
Eu possa comer tudo o que não há.

manuel feliciano

9.29.2010

O amor e a terra

Nasce-te o sol por detrás dos seios
Feito do mel doce das abelhas
Reluzindo-te as rosas – aureolas fontes
Um pássaro de sede vem beber-te a água
E tu num suspiro a manhã desposas
É dia de lavra no teu corpo baldio
Os meus dedos – arados remexem-te a terra
E tu na carícia abres-me a vulva
Onde eu lanço com amor as sementes em gotas
E tu em louvor abres-me a mina
Que eu em loucura levo às searas
Em teus cabelos enleados em minha espiga de milho
Pedes-me arfando em movimentos de cavalos
O céu, o fogo, a água, os poros abrindo-se
colhendo o sémen que alivie as raízes em fogo
Com os teus dedos clamando ternura
Os lençóis desfeitos evolam-se em nuvem
E o sol escondeu-se nas veredas das nádegas!


manuel feliciano

Maçã de Adão

Por estradas de ossos quebrados
Sigo por portas que não se abrem
Como se fossem arvoredos
Como um navio no oceano
A lama transformo-a em céu
De pedra como gomos de laranjas
São partos as estrelas do céu
E o fim o princípio de tudo
Crianças no deserto do mundo
Choram-me nas rugas da cara
Há homens com almas de barro
O sol é uma ave sem fogo
A Chuva folha seca calada
A vida é uma côdea de pão
Então eu dou-me todo em frutos
E nas dores que quero oasis
Faço um prado da miséria
Lanço ao rio a maçã de Adão.


manuel feliciano

Era de madrugada

Era de madrugada e minha púbis ainda acesa
O sol escondido, e eu já reclamando o teu corpo
Uma foice entre os dedos ceifava-me entre a vulva
Aguçados por um toque suave e profundo
Que me enche de carícias e me dá água na boca
Era sede tão suave que nossas bocas emanavam
Tua cona borboleta vinha pousar em meu pénis
Era desejo e paixão que o nosso corpo pedia
E um bosque de tesão em nossos sexos ardia
E o meu corpo fremente pedia-te para me entrares
Minha língua rastejava no teu fresco pentelho
Como fogo que queimava e incendiava a fantasia
Eram de sol os teus seios e mais sede me fazia
E eu louca de desejo, pedia-te para me beijares!



Dueto Manuel Feliciano & Catarina Camacho

Meu amor

Meu amor,
Vou dar-te o mais sagrado que tenho
Uma mão vazia
Porém a minha mão vazia
Tem rosas em sangue
Noites feitas de andorinhas
Manhãs bordadas em cristais
E berços onde as crianças são estrelas.
Meu amor,
Ainda tens a possibilidade
Dentro da minha mão vazia
Que ela seja pássaro desatando-te nós
Filtro de sal nas tuas lágrimas
O azul suave que te aconchega
Uma flor em pleno nada
A minha mão vazia é uma quantidade de coisas
A Primavera renovada
Na vereda que ardeu...
Uma semente na língua
Escarpando a escuridão
Sente com força a minha mão vazia
Dou-ta e faz dela o que quiseres.

manuel feliciano

Horas em Delírio

Vem despir o meu corpo em séculos horas e minutos
Minha vulva é um relógio pelo coração aquecida
Deixa-me ser pentelho com que o pássaro faz o ninho
Vem amar meu corpo nú como um fruto maduro
Saciar a minha fome que grita de desejo
Viver em meu templo que pulsa de erotismo
Vibrar-te dentro dos músculos sem ponteiros
Soluçar-te dentro na boca num turbilhão
Ser placa sedimentar te abrindo ao meio
Brasa de um sol ardente nos teus seios
Sabendo-me a água fresca num deserto
Cede perante as minhas fantasias
Compõe uma melodia em meus lábios
Deixa molhar-me a boca nos teus cabelos
Que apura todos os meus sentidos
Vazando todos os meus anseios
Que gritam numa cascata alucinada
Quero ser cana de milho no teu rego
Vem escorrer-te ao som de uma canção
Melodia crescente em sentimentos
sufocados no enroscar das tuas coxas
Como se houvesse em nós um outro mundo
Cheios de prazer voando mesmo sem asas.


manuel feliciano

Boca

Tua boca avermelhada
Gruta húmida dos mares
Como abelha buscando a flor
Por entre o pólen da rosa
Línguas em gomos amarelos
Tocando corais no escuro
Feitos de farinha e água
E fermento em levedura
Hienas em predação
Erguendo o pénis do chão
A pedra é uma macieira
Ao grito do corpo em tremura
Por entre palavras mordidas
Ao nosso doce beijar
Tocam-nos carícias por dentro
Com mãos feitas de brisa
Por entre deslizantes grutas
São bocas em mar sem fundo
Pássaros vermelhos de saliva
No teu requebar em brumas
Despenham-se nas ondas na areia.


manuel feliciano

9.28.2010

Não te atormentes com nuvens brancas

Não te atormentes com nuvens brancas amor. É por detrás das nuvens que floresce a luz do sol. E no algodão eu sou-te o sangue em girassóis refulgente. Palavra aliviada no marulhar da tua voz. A fogueira nítida que te limpa a cicatriz. Ou a muralha de pedra submersa no teu calor. Vou apanhar passarinhos gasosos para tos dar. Rosas que a luz do dia desconhece. Abraços que a escuridão não entende. E de mãos vazias vou trocar o mundo pelas tuas.Talvez mais tarde se chover só é o cântico dos meus cabelos na alvorada da tua boca. Numa loucura desesperada de ser criança nos teus braços, ou bala fria que te desperte para mim. Não te atormentes com nuvens brancas amor. Elas só são a promessa de que a vida, não é palavras semeadas na terra.

manuel feliciano.

De mãos dadas com os sexos

Os pensamentos injectam no corpo olhares macios
De uvas não visíveis de dia que se colhem na nuvens
No frio quente do mármore reflui o sangue que faísca
Na cratera do chão as folhas mexem-se avermelhadas
Um nó de gelo desprende-se da garganta num ice-berg
O cheiro à incerteza faz-me ir aos limites impensáveis
E ateia o pénis, os dedos e a cona de mão dadas na rua
Ingenuamente como irmãos que vivem num só corpo
Atormentam-se com ternura em palpitares que cortam
Solares de chuva. Dança-nos uma bailarina sem olhos
Nos músculos cansados. A lava e as cinzas submergem
Na cicatriz do mar, levam-nos ao conforto da trovoada
No inverno, oferecendo-nos pomares arrepiados de sabores
Em carne viva, e as narinas tremem de cio em pleno verão.




manuel feliciano

9.27.2010

Monólogo com a cona

Monólogo com a cona

Querida Cona

O meu Pénis lateja cada vez mais que se aproxima do marulhar
Dos teus lábios. Que se abrem em cascatas quando a cabeça
Os toca. Por baixo de laranjas húmidas bate-me a efervescência
Das ondas, e as rochas amadurecem-me. A tua Vulva sobeja
Espuma branca e idiomas que só os sexos fundidos entendem
À batida dos ponteiros desconcertados somos só bruma em gozo
Lambemos florestas de índios na folhagem nas sombras frescas
Percorremos os sons da brisa nas hastes das palmeiras dos braços
As tuas raízes sugam-me e eu deixo de ser matéria e inflamo-me.
Amo-te querida cona, beijos festivos que te inauguram sempre
Como parte importante que me leva a conhecer outros mundos.


Manuel Feiciano

O teu olhar é um fogo

O teu olhar é um fogo
Aquece corações no inverno
E congela-os no verão
E eu não sei se sou
O momento inoportuno
De todas as oportunidades
Por detrás das tuas costas
Gritando na tua garganta
Um rio que não escutas
Na curva rectilínea das asas
Em que as tuas pálpebras se abrem
Como quem as fecha num mistério
Em música de borboletas
Que me deixam letárgico
Na esperança de um voo.


manuel feliciano

Ninho de pássaro

Deixa-me pousar as asas no ninho da pélvis
Molhar o bico nessa terra de carne. Húmida
E quente. E tremer no charco branco de seda
Com a língua em gozos no pôr-do-sol. Lasciva
Floresta verde com húmus pintada a saliva.
E expiar em vida na gruta vermelha.Cheio
De luzes em desmaios.Em trotes de cavalos.
Voltados ao céu.Perdidos.Até que o pénis
Chore em esporra.E deixe nos seios frases
De amor e invernos quentes.Cidades aquáticas
De mel.Árvores que ardem nas folhas às cores.
Lençóis de veludo maduro.Vento em corrupio.
No sol das ancas.Plantas em gozo florescem
No clítoris.Barco naufragado no colo e montes
Das mamas.Nas nádegas e coxas.Proa ao fundo
Na vela rasgada.Âncora no cio.Em frutos maduros
Em abraços.Braços estrangulados.Bocas feridas
Em desespero.Depois de mordida sabes-me a pouco.




manuel feliciano

9.26.2010

Viagem do sexo

Espero-te na janela húmida e fresca. Ao tesão fresco de uma vela
Acesa a refrescar-te o rosto. Um campo de sementes gotejantes
Eléctricos dedos que buscam aberturas e aconchegar-se na fogueira
Como videiras com sede lambendo a ardósia dos socalcos do Douro
Letárgico como as folhas maduras no Outono caídas a teus pés
Ânsia de um campo rubro de papoilas. Em línguas naufragantes
Na brisa ardente do trigo. Nas águas que descem por planaltos
Pelos caminhos silentes e abandonados em espasmos de coxas
E o coração presente junto ao cume dos seios e a alma evanescente
Peixes correm-nos em abundância e pulam no leito do útero
E inauguramos a viagem em gemidos sem a qual não somos homens.


manuel feliciano

9.25.2010

O poeta

O poeta vai ao céu do abismo
Nas asas quentes de girassóis
Por cima da estratosfera
Com um colete-de-forças
Com os pés pousados na terra.

Com costas feitas em lata
Para dar a volta ao mundo
Colher os frutos nas têmporas
Nos ramos secos das estrelas
Tocar as pálpebras do mistério.

E em múltiplas visões
Corpos erguem-se das águas
Convertendo-se em neve
Para no sol comerem raios
E no fogo beberem água
E depois irem ao inferno
Para se queimarem no céu.

E ao mar para abraçar o ventre
E à lua para sentir o chão
E com remendos nos olhos
Traz tudo no bolso das calças
Misérias do abandono de um cão.

Silêncios com a força de um Deus
Vozes no escombro das lágrimas
Cantando canções ao vento
Nos fósforos de toda a emoção
Que ardem nos beijos da chuva
Traz consigo o que não lhe deram.


manuel feliciano

9.24.2010

A beleza

A beleza não é
Um rosto rosado
Com um sorriso plantado
Num vaso sem terra.

É Nova Iorque
Inteira na unha
Do meu polegar.

Uma mulher sem braços
Escrevendo-me pássaros
No coração da boca.

Não é Auschwitz
Bordado num beijo
Que se quer sério
E cheira a infâmia.

A beleza
Sou eu de muletas
Erguendo-me
Em sílabas urdidas
No gume da faca.

Por navios de pedra
Desfragmentado
Todo por inteiro
Acenando feliz aos lenços
Que não me acenam.

Com lágrimas de rendas
Pelo teu doce veneno
Que cuspo…

manuel feliciano

A natureza é indomável

A natureza é indomável
Conhece bem o seu papel
Não age para roubar o acto
Aqui não é o fim da cena
Senão teria que nos matar a todos
Mas ela poupa só o que pode
Erguei bem alto o que vos habita
Sóis menos que uma gota de chuva.

E deixai que a misericórdia vos escorra
E obreiros humildes vos cavem
Há gritos sim e para sempre
Para que saibais que aqui
O mundo fica na trilha do sol e do sal
Da escuridão e do luar
Sem poupar o predador e a presa.

E quem disse que o sol se esconde
Dos gritos nos cemitérios?
O sol esconde-se é dos vivos
Para se enganarem a eles mesmos
Com riquezas e fortunas
Puxando carroças de burros.

Enquanto os espíritos vagueiam.
Sem laivos que ainda pairam
Da semente da escravatura
Mas que o sol põe a nu.

O sol cumpre o seu papel
Agora o homem não
Nem com aviões de azul
Nos deixa comer as estrelas
Há estrelas que cheguem para todos?
Mas o homem é a carne do vento
E é feito da poeira dos astros.

O homem é metalinguagem
Cadáver metafísico
Abstracção em si mesmo
Melodia de Beethoven
Corpo para se aquecer?
Eu nunca vi sequer o meu.

Se um dia os sonhos
Forem partos ensanguentados
Nas pálpebras dos vossos olhos
O sol nem por isso é covarde
Levará a farinha aos vivos
Iluminará as sendas aos mortos.

O sol só não é sol, para homens feitos de cal
E as leis do destino só visam a eternidade
Quantos andam pelas ruas
Que na verdade nunca nasceram
E sendo assim nunca morrem.

E há gente morta tão viva
Caminhando ao meu lado
Porém, não comais é tudo
Porque nada disto vos pertence
A não ser a finitude no jardim das ilusões
Porque um dia haveis de saciar mesmo sem boca
E a pobreza devolverá-vos o lugar.


Manuel Feliciano

9.23.2010

A música do sexo

Nasce-te o sol nos cabelos
E escorre-se-te pelo colo
Em música de licor
Com pão-de-ló molhado
Metáfora na língua
De um campo baldio
Jangada de cio a céu aberto.

Desconcerto-te os lábios
E os meus dedos – pautas
Pingam-te mel no rosto
E no rocio maduro das mangas
Dou-me aos teus mamilos
Num sopro de aves.

Em cañones no Peru.
Semântica lacustre
Nos verbos da pélvis
Sintaxe descoordenada
Com todo o nexo.

Espasmos ruem-nos
Sem nenhum destroço
Luas entre as nádegas
E ergue-se me uma árvore
Em húmidas amoras
Pelos lábios salgados
Mordem-nos hienas
E esvoaçamos em brumas.



manuel feliciano

9.22.2010

Os poetas e as mulheres loucas

Os poetas conhecem mulheres admiráveis
Mulheres puras
Sem pressa
Sem rush pós parto
Imperfeitas em toda a perfeição
Que tragam deliciosamente
E olham sem esgoísmo.

Que amam deficientes
Loucas
Anjos
Abandonadas
Sem a doença da sanidade
Mulheres que vêem para dentro
Imprevisíveis
Impossíveis com toda a possibilidade
Não teatrais
Não virtuais
Bissexuais
Alternativas
Vivas de eternidade
Como brasas à chuva.

Agora aqui
Nestes cantinhos abrigados
De chão e ervas
Onde os sexos florescem
Mesmo no Outono
Em bicos de pássaros
Viagem aos astros e à lua
Verdadeiras
Nas asas de um gemido
Com sumo de melancia
Siderais com os corpos presos
Na chama, na lama, multifacetadas
Abraçam-me em arco-iris
Com um só rosto.

Desertamente habitadas
Onde um vaga-lumes nos leva
Por lugares únicos
Sem gravidade
Como o rasgar de um orgasmo
Melhor que um pêssego
Por que os poetas e as loucas
Andam de mãos dadas
Na maior sanidade e às claras
E não se escondem.



manuel feliciano

Merece-te

Olha-te por dentro
Como uma alva rosa
E retira o pó
Que te consome o pólen.

Grita às estrelas
Que te oferendem os olhos
E quando crianças
Não te morrerem à sede
Colhe pêssegos
Maduros nas têmporas.

E deixa que no Chade
Alguém tos coma
Escorre a surdez
Com que viveste
Vislumbra o rocio de anjos
Acordarem-te o cadáver.

E quem sabe assim
Por baixo de um rio que voa
Possas ser merecedor
Da tua própria morte.

Manuel Feliciano

9.21.2010

Contrariedades

O meu corpo foi à deriva
No azul faiscar das águas
Fundeado em macieiras
No porto azul de Roterdão.

Meridiano de Greenwich
Sem qualquer orientação
Num quadro de um pintor
Pintado a mel de abelhas.

E o meu coração por dentro
No fogo dos teus cabelos
Qual chilrear de cascatas
Suspira no teu degredo
Flor no pólen de uma faca.

Sangrando mesmo sem sangue
Na canoa solar de um beijo
Que demos mesmo sem lábios
Teus pés torrentes de chuva
Foram sol nas minhas costas.

E também um mar de trigo
Abraços de branca farinha
A tua voz suave do Árticto.
Um farol por entre as sombras
Atraquei-me ao teu sorriso
Liberto como um condenado.


manuel feliciano

No Pó da Memória

No Pó da Memória. Deitado nas areias do Castelo.
Na paisagem boquiaberta do Porto.
Deixei para trás couves arquitectónicas com cristais.
E tinha o mar em frente como um campo cheio de trigo.

A surrealidade de mulheres pintadas nas rochas.
Com sorrisos molhados emprestados pelas ondas.
Sozinho na escuridão dos afectos. Era luz transmutada.
O sol deu-me a provar pêssegos pelos dedos.
E eu só tinha a virgindade dos meus 18 anos.

Até que uma mulher morena desceu pelas escadas.
Pousou como uma gaivota. Despiu-se na toalha.
E os seus frutos cobriram-se com um biquíni de arroz.

Ainda pensei que fosse um altar moldado a rosas brancas.
Embebedou-me com olhares como pássaros nos frutos.
Disse-me despida como uma árvore no Outono.
Com a alma gemendo música e os pés quentes de frio:

- “A música que ouço incomoda-te”?
E eu respondi-lhe com o meu rosto rosado.
-“ Não me incomoda mais que as ondas que me rasgam”
E não me deixam nenhuma canção.
- "Pelo menos tu choras-me em música nos teus olhos."
Na virgindade dos meus 18 anos ficou um mundo por cumprir.

E voltou a retorquir: “ Podias-me dizer as horas?”
Mas eu conhecia-lhe tanto o corpo e a alma.
Que eu acho que foi uma irmã que perdi há muitos anos.
E ela arrefeceu como o Outono e as folhas amarelas
Tornaram-se o meu o Sol como quem nunca o viu.
Ao meu silêncio letárgio da neve sobre os telhados.
E na presumível tristeza de eu ficar estático como uma pedra.
Na virgindade dos meus 18 anos, levantou num voo tão presente.
Como uma gaivota no azul do céu, e deixou-me acompanhado.

E eu traguei tudo como quem a toca em transparência.
E segui o jardim pelo Castelo com ela ao Colo.
Na virgindade dos meus 18 anos amamo-nos como anjos.
Porque era carne da minha carne e beijos dos meus beijos…
E estava-me tão lavrada por dentro que éramos um só.
Tu ainda hoje sabes que só somos um mistério inacabado.
Nada se perde quando a alma é os olhos abraçada a ti.



Manuel Feliciano

9.20.2010

Homem antitético

Não vivas só por viver,
Não digas só por dizer,
Não ames só por amar,

Não queiras ser só mais um,
Como quem é nenhum,
E pensa ser muito mais,
Que uma gota de orvalho.

Rio sem boca.
Rio sem braços.
Rio sem sexo.

Olhar minifundiário.

Correndo sem ter leito
Atravessando
A rua branca de lodo
Para se fundir no mar
Como um abraço que se desfaz.

Onde a laranja amarela
É pútrida.
Farol na costa.
Nasceu na árvore sem flor
Sem qualquer abundância.

E os barcos soluçam à espera
Da profundeza das águas
Das montanhas submersas.



manuel feliciano

Sol em dia de neblinas

Não sei o que é colherem-me nos braços
Foi tão perfeito o dia em que não nasci
Não me esperaram ao fundo de uma rua
Nem reguei o jardim da minha infância
Como quem rega e colhe laranjas no sol
E escuta os braços quentes da minha mãe
Dizendo-me: "filho sai-me da margem".
Onde as águas levam olhares fugidios
Eu escutei a canção que nunca ouvi
E reguei contigo onde não havia chão
E laranjas que nos enchessem de sorrisos
Foi tão perfeito o dia em que não nasci
Mas sei a dor de ter perdido um filho
Sou a abstracção de um erro não parido
Por entre os girassóis de uma placenta
Subi as escadas todas que se me negaram
Eu não quis tragar a metafísica das coisas
E aconcheguei-te a boca quando me pariste.




manuel feliciano

9.18.2010

Delírios com a Giovanna

Quando eu te tenho
Com os lábios enroscados
Sabes-me a fogo
Um passarinho canta-me
Na boca
E a chuva brota
Tenras flores da Primavera.

Tu sabes bem
Que nosso peito se incendeia
Mas é só um rio que clareia
Um arco-íris
De hienas descendo ao tronco
E os meus dedos
Navios nos teus flancos.

A sombra brilha
Na tua ilha doce rubra
Como-te os frutos
Que não se vêem
E sabem-me a anjos serenos
Que me estão tão presentes
Como a brisa
Por entre as brumas
Que só são botões de rosas.


Há mil fontes
Que brotam
Por entre lugares secos
Das mãos aos pés
Tu és uma guitarra
Chorando mel
E eu o verão
No teu corpo antecipado.

E as estátuas acordam
Dentro de nosso sono
E o inferno
Sabe-nos ao azul do céu
E a gritos mordidos
Na minha língua
Espada de uma guerra
Sem sangue.

Vamos em frente
Pelo mar dos teus cabelos
Os nossos gemidos
São um farol
Até que as tuas ancas
Sejam meu Porto
E me amarres
como quem me desprende
Eu adormeça em ti
Como um desejo
Já mordido e insatisfeito
Mas sem âncora, mar adentro.


manuel feliciano

A minha vida

A minha vida

A minha vida
É um filho da puta
De um cadáver vivo
Latejando
Numa fonte seca
Cheio de água viva
Com santinhos de barro.

Com sete caminhos
Com sete promessas
Com setes destinos
Com sete dias da semana.

Abraços sem braços
Beijos sem bocas
Estradas sem setas
Amores sangrando
A 365 dias por hora
Caminhadas sem pernas.

Cheio de brumas
Tão pútridas as brumas
Que deixam ver tudo
Como os faróis de um carro.

Glória aos piratas
Glória aos ladrões
Glória aos proxenetas
Heróis sobreviventes.

Foda-se os cânceres
Foda-se a fome
As injecções letais
As falsas promessas
Os cornos do diabo
Que criou esta merda
Onde jorra tudo
Onde se vive tudo
Onde se ama tudo
Onde se perde tudo.

Vazios ou cheios
Os bolsos das calças
Nunca se tem nada
Nem uma mão no vazio
Para silenciar o tédio.

Foda-se os hospitas
Os lares de idosos
Os cometas sem rastos
Os prados sem erva
As guerras despropositadas.

Glória ao Sadomasoquismo
Às agulhas nos mamilos
Às mordaças na boca
Aos pingos de cera
Na cabeça da piça
Aos ratos da inteligência
O mundo que eu não escolhi
E a que fui obrigado.

E que ao menos eu tenha
Um Deus de vento
No final de tudo
Para me perdoar
Também os pecados
Que não inventei[...]
Tive o azar de nascer
Com carne e sexo.

manuel feliciano

9.17.2010

Viagem

Vou por um navio de letras
Os bancos são bocas exangues
Os passageiros reticências
O destino não tem hora.

Abraços desencontrados
Como quem os aperta
Num mar imenso de pó
No umbral de uma casa
Sem porta que dê para fora.

Ouço a música dos pêssegos
Que nunca tocaram a quilha
Do concavo da boca
E souberam-me ao além
Pela bruma tão clara
Rezo de joelhos a uma pedra.

Não me queixo, para quê?
Atraco-me aos pés de uma figueira
A mesma que judas conhece
E faço dela uma prece
O Deus que tanto esperei
No cantinho dos teus olhos.


Enquanto o mundo for
O nada é multidões de gente
E eu sou um mero lastro
Fatias de uma melancia
Nas bocas de quem tem fome.

Eu sigo pelo mar de pedra
Eu sei lá o que é o mar?
Sou ponto de interrogação
Pinheiro plantado no monte
Enquanto a viagem segue
Pelo teu corpo sem promessas.


manuel feliciano

9.15.2010

Mundo às avessas

O rio queima-me
o sol molha-me
A lua deixa-me às escuras
As estrelas são barcos
No marulhar das pedras.

Os lençóis espairecem-se
Em nuvens
Gotas que se lambem
Os corpos flutuam
Na imprecisão do mundo
Com caras disfuguradas.

O azul é um trabalhador
Suado numa fábrica
Viver é uma fila de trânsiito
Lento sem retorno
Na alegria da busca
Com sorrisos de condenados
Dos lábios mordendo-se em pó
Irmãos dos cometas e dos astros.

Células em actividade
Refrescam-se em metamorfose
Ergo-me das brasas
Como uma flor de chuva
Cabe-me ser chão
Pedra em palavras
Que pouco ou nada dizem.

Escuto os sons de dentro
Desincorporo-me em vento
Inflamo as sombras
Entro por janelas
Fechadas
Sempre abertas.

Com corpo
Já não corpo
Sou tornado de amor
Imune a passos de enxofre
No fosfato da infância.

Por jardins que ardem gelados
Coxas frescas no basalto
Fora de órbita terrena
Baldio cheio de pássaros
Os anjos silentes pousam-me.


manuel feliciano

Probabilidades

Os sonhos são tão reais
Como a probabilidade de Eu ter nascido
E toda a natureza que me rodeia
Sou a consciência
Trágica de um sonho
Maravilhoso
De mel
De abelhas
Raízes chupando a ardósia
Numa rua voltada p'ra areia
Com uma mulher de costas ao fundo
E em navios de névoas
Pelo Porto da memória
Sigo naturalmente em frente
Por ondas em ruínas
Branquinhas e salgadas
Que sabem a um todo sempre
Pelo Oceano Atlântico
A caminho das américas
Como quem vem de regresso
E só está na janela a fitar o navio
Com as mãos quentes
E os pés em gelo
À espera de um porto com os braços abertos
Deixa que te ofereça um ramo de rosas
Quando te secarem
Podes jogá-las fora
Eu serei um barco entre os teus sentidos
Âncora de saliva dentro da tua boca
Não gosto de portos sem atracagem
Palavras de fogo sem luminescência
Podes-me pisar que eu só o pó da terra.


manuel feliciano

9.12.2010

Depravações em Lisboa

Quem nunca amou uma mulher em Lisboa
Corpo repousado e alma toda de fora
Com cartas de amor escritas nos lábios
E nos olhos duas rolas pousadas em mim
No cio do cheiro das flores de jardins
Quando demos conta estavamos abraçados
E o rio Tejo incendiou-nos em gemidos
Até os desejos ficarem todos em cinzas
Mas aquelas que entraram em autocarros
Musas do além com formas transparentes
Apesar de tudo tomei-as de mãos dadas
Agarrei no corpo e joguei-o aos pobres
E recriei-me todo no mar das suas coxas
Ficamos a só os dois sobre areias brancas
Seus braços eram cobras atadas ao pescoço
Cuspi-lhe o veneno e as rochas chamaram-nos
E os passageiros parece que não viram nada
Eu num passeio somente a olhar os vidros
Daquele autocarro que nem sequer passou.


manuel feliciano

9.11.2010

Em Camaná

Só quem conhece as praias de Camaná
Na costas do Pacífico por detrás de mim
A âncora do meu ser no mar profundo
No mosto das uvas maduras do Douro
Minha alma galga nas água desobediente
O meu coração lateja como bailarina
Quando eu navego pela parra gritando
Até me entregar ao mar azul do Porto
Em sangue e fogo verde agarrado ao céu
Rasgo a tela e a tinta dos pintores
Que prenderam os desejos de dois amantes
Quero descongelar o Sol que tarda
Quero parir as emoções onde não arda
Os teus lábios com dor à espera dos meus
Dobrar o cabo do homem em metamorfose
Morder a carne aos caracteres de káfka
Ser chuva mansa em pássaros a teus pés
Vou abraçá-los no açucarado das vagas
Vou afogar-me em ti para nascer de novo
Só quem conhece as praias de Camaná
Sabe que eu vou rasgar a placenta no breu
E ser-te amor e sangue numa estrela na voz.



manuel feliciano

Rio Paraná

Mayara Brota cheiro a Brasil
Néctar da poeira do cosmos
Araucária do Paraná
Figura de mulher árabe
Olhos que voam e não se desprendem
Quis ser seu pirata sem barco
Em seus olhos mundo além
Refulgem estrelas transcendentes.


Água de fogo corre-lhe no colo
Dança do ventre nas ancas do rio
Que me desagua no cavalo sem freio
No mar salgado dos lábios rosados
Muito mais que o ouro roubado
Sou só a cinza desses teus beijos
Nas rosas - mamilos rola pousada.

É a Mayara. É a Mayara
Planícies, planaltos, serra e mar
Percorrendo-me todos os sentidos
Saliva quente a refrescar
Sinto-me raiz do teu milho
E a cana-de-açúcar em crescença
Na ponta da língua a verdejar
O sol esconde-se-te por detrás das costas
Melancia fresca no sabor das nádegas.

Sou névoa quente perdido
Na taça da tua Saliva
Entornada pelo meu corpo
Por esta velha Europa
Sou tua sombra ainda tão viva
Que me se há-de dar-te em laranjas
Em gomos trincados nos dentes
És-me arara quente de mel
Em árvore despida e folhas molhadas
murmurando num gozo de chuva
Até que teu grito azul me vença
E eu me venha numa flor de esperma
Por entre a foz do rio Paraná.


Poeta Manuel Feliciano


Dedicado à minha amiga Mayara Shelson

9.10.2010

Eu li uma catalã

Depois que li uma jovem catalã
De Barcelona e do mundo
Oferecendo os seus cabelos ao Tejo
Como rastos de navios
Na desembocadura da Cruz Quebrada
Ex-Oficial da marinha
Acordei da letargia
Pensei que não havia mar como dantes
Daqueles que deixam lágrimas nas costas
E onde podemos apanhar figos
Ao comando de uma ilusão
Talhada em ferro e madeira
Feito de memória e de vida
Em que o azul eram os abraços
Em que esquecemos todos os perigos
Em biqueiras de sapatos
O mar ficou menos salgado
Com corpos enleados na lua
Mas que afinal nem se viam
Brilhando mais que lábios perdidos
Beijando-se sem coordenadas
Como quem vai à deriva
Pensando encontrar algum porto
Julguei que eram só os seus olhos
E a minha fantasia
Nos quais eu ia à deriva
E se mais longe eu estava
De tudo que para trás ficara
Apanhava uvas no cio
Na popa de belas palavras
Que vão muito além do seu rosto
que rasgam muito mais que enxadas
Não soube mais se era António
Ou sequer se era José
Ou cego o quanto bastasse
Para escutar o invisível
Da proa rasgando as águas
Entre as minhas coxas e as suas
Enquanto o comandante bebia Whisky
O que se perdeu erguia-se
A casa das máquinas fervia
Os meus pés viam mais longe
Mesmo se a minha boca era de monge
Formavam-se cavalos em gritos
Nas sombras que a lua me orava
Se viajei é bem provável
Nos seios das suas metáforas!



manuel feliciano

9.08.2010

Quando eu te tenho

Quando eu te tenho
O mundo está à distância dos teus olhos
O mar que é grande cabe-nos nas mãos
Há glaciares que nos derretem nos beijos
As laranjeiras secas dão laranjas cheias de sumo
Tu és o Ouro e a prata que eu não tenho
O Inverno é frio mas amadurece
Os frutos alvos do teu rosto
O escuro é uma manhã tal como um rio desamarrado
Que quebra o som dos tijolos e dos escravos
E os deuses moram-nos tranquilamente sem cortinas
Os nossos cabelos são árvores no deserto
Nós apanhamos mesmo pêssegos nas nuvens
Sem necessidade alguma de os comermos
Quando eu te tenho
Basta-me a luz dos meus olhos na tua voz
O crepúsculo do teus pés na minha sombra
Somos ponte de saliva que não se desmancha
O universo é-nos só um pequeno ponto
Que nos teus dedos germina multidões
De grãos afectuosos na minha alma
A tua ausência é o reflexo de que me habitas.



manuel feliciano

9.07.2010

Liberta-te

Liberta-te
Nasce o sol nos verdes montes
Descendo pela serra do Marão
As águas correm-lhe nas costas
E cantam pelos cabelos da vida
Que se entregam com amor ao mar
E quantos marujos amargurados
Com ovelhas e um cajado
Conhecem o sal desta vida?
Mas nunca lhe dizem que não
A pobreza é uma alegria
Quando a aceitamos por bem
Uma côdea seca de pão
É cristal no céu estrelado
Na casa da escuridão
O pobre é estátua de pedra
Com um pássaro sem asas
O doente vidro quebrado
Com as algemas nas mãos
Mas não deixa de ser digno
Mesmo se o rico é luxúria
A felicidade não compra
A caravela de trigo
Que nos leva ao Destino
No doce cantar de ceifeiras!
Alegremo-nos com todo o pouco
Bebamos mesmo onde não há
Olha a dor é um passarinho
Não o quero na gaiola
Do meu corpo cheio de grades
O capitão é o mistério
Conhece o porto já de cor
Por favor batam-lhe palmas
O importante é que cheguemos
Onde nem os olhos sonham.




manuel feliciano

9.06.2010

Nunca me roubaram nada

Roubaram-me o Eu e as cidades do mundo
Quem me esperava não se cansou de mim
O sol só me levou-me imagens inexistentes
Que me exigiram ser múmias de faraós
Quem despejou o hangar dos meus sonhos?
Que sobrevoam o ar em asas de aviões
Só fez com que eu quebrasse todos os limites
Não quero ver o sol vou mesmo pelo escuro
Só a noite torna meu universo mais claro
Agora sigo em frente de olhos fechados
caminho sem me deslocar do meu corpo
Vou mesmo pela canoa dos meus ossos
Quebrados ao som do canto das Sereias
Nada do que me é sagrado me saqueiam
Não há mãos que possam com a minha luz
Eu sou uma parte do todo que te habita
A flor do amor não tem tempo que a seque
Quem me esperava maruja no meu coração
Sou o sorriso da chuva semando-lhe emoções.



manuel feliciano

9.05.2010

Folhas de Outono

No Ountono as cores das folhas aquecem-nos o corpo
A Primavera sussurra-nos em pássaros que emigram
E na ramagem dos cabelos comem-nos os diospiros
A Chuva bate-nos nos lábios e o coração acende-se
Os nossos rostos ficam pálidos e as almas reluzem
Somos uma árvore despida e desembocamos um no outro
As nossas raízes aconchegam-se no quentinho da terra
As nuvens tampam o sol, mas somos raios que tremem
Cada folha que cai é o rebento de beijos nas hastes
Os nosso olhar são duas luas mexendo o mar de saliva.


manuel feliciano

9.04.2010

Mau samaritano

Tu que és falso profeta
Foges da dor à calada
De predadores comendo vítimas
Da voz retalhada na estrada
Tudo é imaginação
Filosofia cheirando a pó
E o teu Eu onde está
Por acaso num lagar sem uvas?
Escondes-te do sol sangrando
E vens com os pés de Judas
Venderes tudo o que não tens
Que é a vergonha na cara
Cai-te um pássaro morto na boca
Não lhe feches os olhos vadio
É das tuas raízes covarde
Jesus Cristo não saltou fogueiras
Queimou com as brasas os pés
Para se dar em cachoeiras
A pobres, doentes e ricos
Carregando um madeiro seco.




manuel feliciano

Crianças adultas

Crianças trabalham na rua
Carregam tralhas e lágrimas
Humilhações e sonhos em postas
Para sustentar homens sem lógica
Com o hoje corroído nas costas
E o amanhã mordido entre os lábios
Vendem frutos a mãos quentes
Num mundo que caminha de costas
Na esperança de um céu sem sangue
E dão-se em luz aos olhos do mundo
Que só são cegos mas por opção.


manuel feliciano

O amor

O amor tem mais que quatro letras
É uma fonte que queima no rosto do escuro
Não se escreve nem se desenha porque não há tinta
Com que se possa sequer fazer o vulto da palavra
Amor escreve-se com beijos em corais na boca
Amor planta-se com abraços nas ilhas dos seios
Amor sou eu e tu sobre canhões enferrujados
É fazer da ausência um cais que me espera
É a palmeira que cresce e rasga a areia infecunda
Sou quando corro sem os limites do meu corpo
Me crucifico sem qualquer dor a ferro e fogo
Me dou inteiro como árvore num rio nos pés da foz!


manuel felciano

Sobre os escritores

Eu já vi pessoas em Portugal a queixarem-se que foram excluídos do teatro, da televisão, da dança, mas nunca vi nem um poeta e nem um escritor queixar-se, em abono da verdade, só o Cesário Verde é que tinha a loucura de publicar o seu livro e sentia-se indignado por ninguém lhe dar o devido mérito, mas nem veio reclamar dinheiro, para não falar de Fernando Pessoa, esse escrevia para brincar aos Eus e exorcizar os medos, e deixou um espólio literário que ainda alguém lucra com ele menos eu, bem para não falar do Saramago, quer dizer o Saramgo não tem culpa do mundo ser imperfeito, e ser matéria pensante, ainda por cima foi censurado num país que se diz democrata, em suma, vivam os loucos que se atrevem a escrever! Os escritores merecem mais dignidade, eu ainda não posso reclamar porque nem me deixam ser escritor, além disso, eu vejo coisinhas a ganharem fortunas em Portugal por terem cú de pavão, e o Fernando Pessoa que levou Portugal ao Mundo, é um ex-libris ou melhor dizendo um morto vivo verdadeiramente atemporal, quer dizer, viva a canalhada do meu país!!!!



manuel feliciano

9.02.2010

O Império do Sol

Foi no dorso dos Andes em Macchu-Picchu que nasci
Lavo-me no nascer do Sol e oro-lhe como um Deus
Eu estou ainda tão nú como no primeiro instante
Em que o ventre da Luz se sangrou pelo meu corpo
Cheira à frescura de uma virgem esculpida no Perú
As montanhas e as raízes são-me a carne arrancada
Como é belo o doce cantar dos pássaros de chuva
E as sementes parindo-me sem medo nos lábios filhos
Do sangue que me chuparam nasceram-me novas aves
Que fizeram os Colonos com os meus ossos no chão?
Ainda brotam sorrisos de alegria sem as mãos sujas
As que preferiram o ouro do que um coração sem mácula
A cada lágrima sou farol e a cada grito uma espiga
Hei-de ser moinho e dar-me todo em farinha à fome
De crianças inocentes que apanham frutos no vento
Nutrir a terra queimada e florir em caras brancas de gelo!
Que fizestes aos olhos e à boca que agora não os sinto?



manuel feliciano

9.01.2010

As minhas sensações

Quem disse que sou um poeta?
Não tem conhecimento de causa
Sou árvore onde se deitam à sombra
Melancia na boca de outros
Navego por cima de telhados
Porque onde vivo não tem mar
Sou director de negócios
Conheço quase todo o mundo
Em reuniões com papéis em branco
Que não abordam o essencial
Nem chegam a nenhum lugar
E um homem só vale a gravata
E o dinheiro que traz no bolso
De bom só mesmo as viagens
Aquelas que tem iníco na cama
Que não pagam tarifas nem taxas
Só são sensações dos meus sonhos.



manuel feliciano

O mundo cansa-me

Estou cansado
Perfeitamente cansado
Entreguei-me à proa de um navio
Joguei o pensamento às águas
Nada me importa e aflige
Sou insensível como os ferros
cansam-me os sentimentos
caminhar na rua com algum propósito
Sou completamente imaterial
E enquanto isso o tempo passa
As flores não me arranham
O universo é uma bola de sabão
Nada é sobrenatural
Tudo é o que é [...]
Sem perguntas e respostas
De uma forma aceitável
Sem nenhum desconforto
Vale a pena que eu grite?
Enquanto isso o navio vai e vem
Sem quaisquer rugas na testa.

manuel feliciano

A lei do caos

O caos formou a natureza
Os deuses os anjos
Os seres e o diabo
E tudo isto afinal
Anda à roda da calha
Uns mais tristes
Outros mais alegres
Andamos todos à chuva
Como quem apanha laranjas
O caos não se compadece
Mesmo com quem compra o mundo
E olha que os deuses
Não matam os inocentes
E deixam por cá os iníquos
O fim é todo o mesmo
Tal como foi o princípio
Um parto amargurado
Para quem nasceu do nada
E ainda herdou a vida
Bate palmas meu amigo
Enquanto não viramos bruma.


manuel feliciano

8.30.2010

Quero uma pedra pesada

Já que me deram uma pedra
Então que seja bem pesada
Que seja dura e com musgo
Pois bem eu quero moldá-la.

Para que a quero pequena
Assim eu não aprendo nada
Eu quero é que ela me doa
Para que veja bem a estrada.

E dela é que não me arredo
Quero-lhe sentir bem o peso
E limpar-lhe todo o musgo
Para que possa habitá-la.

Quem fugiu e tapou os olhos
Não sabe que a pedra é vida
Tem o tamanho que queremos
P'ra mim são todas pequenas.

E olha que ela tem laminas
E a minha pele fica rasgada
Mas eu saio p'ro outro lado
Ouvir pássaros na alvorada.


manuel feliciano

Se um dia dona Morte [...]

Se um dia dona Morte [...]
Se um dia subires as escadas
E não acordares o vizinhos
Com os pés já descalços
E a tua lingerie preta
E nem sequer bateres à porta
Nos olhos trouxeres uma máscara
Voz sussurrante
E mãos aveludadas
Não tires sequer a máscara
Que a ti eu nunca te reconheço
Eu gosto de amantes reais
Monta-me e desfruta dona Morte
Faz-me jogos de sado-maso
Aperta-me leve a garganta
Coloca-me mordaças na bocas
E prende-me com algemas os pulsos
Sabes o que depois te faço
Assim que o teu jogo acabe?
Salivo-te a buceta até gemeres
E vou de barco até ao Haiti
E tu ficas a olhar para o cadáver
Enquanto eu leio debaixo de palmeiras



manuel feliciano

Eu vivo nas coisas

Depois de todos os mistérios que indaguei
Das sementes na terra rasgando o impossível
Da voz madura dos astros latejando gritos
Toquei os confins onde os deuses habitam
Fui à loucura húmida dos meus lábios na maçã
Como uma noite serena deitado ao teu lado
Embalado por entre os lençóis da cama
A única inquietude foram os teus cabelos
Que são anjos despidos em lugares distantes
Que ficam à lonjura do meu leve suspiro
E nada disto foi um mistério indecifrável
Somos todos o mesmo lugar em várias formas
Todas as ânsias pesos e amarras me desprenderam
A não ser o meu Ser desassosssegado por nada
Vi tudo tão nítido como a minha consciência
De que eu vivo nas coisas como as coisas em mim!







manuel feliciano

8.29.2010

Soy arequipeño-peruano

Soy un poeta portugués pero mi casa espiritual es los Andes peruanos, lucho por un mundo mejor, naci en Arequipa hay muchos años, mientras mi cuerpo aún esté en Portugal,tengo que decir que aqui el mundo no es perfecto, porque solo somos matéria!!!!Todavia mi alma quier un mundo mejor sin guerras y sin separaciones en la tierra, todos somos hermanos, Judeus, islâmicos, indús. en la verdad el pueblo humano. Además tenemos la obligación de respetar incluso la naturaleza. Un abrazo para mis origenes espirituales, la civilización Inca.


Del poeta Lucho morocco-nombre espiritual
También manuel feliciano

Submundo

Eu não quero nada deste mundo
Nada que me seja dado por esmola
Maçãs rosadas podres por dentro
Restos que já entraram em outras bocas
Bocados que outros já rejeitaram
Eu cuspo todo o mal que me deram
Que eu também não dou pão seco a pobres
Nem o amor todo ele feito em ruínas
Nem sorrisos só para mostrar os dentes
Daqueles que só já habitam as caveiras
Eu não quero nada deste mundo
Dêm-me maçãs por ventura
Daquelas que nascem sem macieira!


manuel feliciano

8.28.2010

Quero encenar um beijo

Quero encenar um beijo amor...
Capaz de vencer todos os nãos
Quebrar as muralhas do tempo
E resistir ao deserto Sahara
Aos tornados que quebram tudo
Dar-te um beijo anti-matéria
Dos que incendeiam as trevas
Como ave de vento no teu colo
Em gotas murmurantes no oceano
Daqueles que ultrapassam janelas
Dos que não precisam dos lábios
E que só por isso são divinos
Marcados com batom da cor da alma
Sem cenário que atrapalhe o acto
Daqueles que só poetas são capazes.


manuel feliciano

8.27.2010

Enquanto na fome houver













Enquanto na fome houver
Piratas mas de segunda
Comedores feitos gentalha
Homens com moral de lata
Canibais de gravatinha
Cabrões do vale tudo
Camelos numa avenida
Com morte sentenciada.

Enquanto na fome houver
Teorema sem teoria
Homens Bomba de Napalm
Com mãos atadas às costas
Navios podres sem proa
E o amor for só veneno
Carnaval sem fantasia
o homem é herói de palha.

Não me digam que escrevi
Poesia p'ra abrir Champagne
Com piruetas e arcos
Dipenso o bolo e a turba
Não me batam sequer palmas
só o faço por ternura
Enquanto uma mulher parir
Um filho já excomungado
Ante as leis do anti-mundo.

Enquanto na fome houver
A negação de outro ser
Ditadores em democracia
Palavras só lã de cabra
Relógio badalando à sorte
Lambões com cara de padre
Vontade pézinho de chumbo
Ai coitados é dos coitados!

Ri-te meu mau samaritano
Não és dono sequer de ti
Quanto mais comprares o tempo.


manuel feliciano - Em prol dos direitos humanos e pela paz

8.26.2010

Doem-me os tremores de terra

Doem-me os tremores de terra
Dentro dos meus olhos castanhos
Nos ossos, na carne, na boca
Escravos nas ex-colónias
Que ainda me choram na pele
Parem-me dores e temores
A fome calada com ferros
As cinzas do Holocausto
Abrem-se-me em bocas nas veias
Erguem-se no chão do meu corpo
Pedem-me a voz os Judeus
Crianças que não mataram Cristo
E a pútrea bomba de Heroshima?
Que ao mundo só já é maçã
Que dizimou tanta criança
Que me colhiam a alegria
E frutos maduros no pomar
Com ternura e magia
Em vias-lácteas fora da terra
Que nunca neguei ao poema
A morte tornou-se banal
Falar da dor é pecado
E a memória um escândalo
A história revista cor de rosa
Este mundo não tem sangue
Nesta puta de vida boa
Em que muitos não a mereciam
Sabem o papel que me deixaram?
Escrever na língua de ditadores
Que eu só sou manco das pernas.


manuel feliciano