Vou por um navio de letras
Os bancos são bocas exangues
Os passageiros reticências
O destino não tem hora.
Abraços desencontrados
Como quem os aperta
Num mar imenso de pó
No umbral de uma casa
Sem porta que dê para fora.
Ouço a música dos pêssegos
Que nunca tocaram a quilha
Do concavo da boca
E souberam-me ao além
Pela bruma tão clara
Rezo de joelhos a uma pedra.
Não me queixo, para quê?
Atraco-me aos pés de uma figueira
A mesma que judas conhece
E faço dela uma prece
O Deus que tanto esperei
No cantinho dos teus olhos.
Enquanto o mundo for
O nada é multidões de gente
E eu sou um mero lastro
Fatias de uma melancia
Nas bocas de quem tem fome.
Eu sigo pelo mar de pedra
Eu sei lá o que é o mar?
Sou ponto de interrogação
Pinheiro plantado no monte
Enquanto a viagem segue
Pelo teu corpo sem promessas.
manuel feliciano
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