9.21.2010

No Pó da Memória

No Pó da Memória. Deitado nas areias do Castelo.
Na paisagem boquiaberta do Porto.
Deixei para trás couves arquitectónicas com cristais.
E tinha o mar em frente como um campo cheio de trigo.

A surrealidade de mulheres pintadas nas rochas.
Com sorrisos molhados emprestados pelas ondas.
Sozinho na escuridão dos afectos. Era luz transmutada.
O sol deu-me a provar pêssegos pelos dedos.
E eu só tinha a virgindade dos meus 18 anos.

Até que uma mulher morena desceu pelas escadas.
Pousou como uma gaivota. Despiu-se na toalha.
E os seus frutos cobriram-se com um biquíni de arroz.

Ainda pensei que fosse um altar moldado a rosas brancas.
Embebedou-me com olhares como pássaros nos frutos.
Disse-me despida como uma árvore no Outono.
Com a alma gemendo música e os pés quentes de frio:

- “A música que ouço incomoda-te”?
E eu respondi-lhe com o meu rosto rosado.
-“ Não me incomoda mais que as ondas que me rasgam”
E não me deixam nenhuma canção.
- "Pelo menos tu choras-me em música nos teus olhos."
Na virgindade dos meus 18 anos ficou um mundo por cumprir.

E voltou a retorquir: “ Podias-me dizer as horas?”
Mas eu conhecia-lhe tanto o corpo e a alma.
Que eu acho que foi uma irmã que perdi há muitos anos.
E ela arrefeceu como o Outono e as folhas amarelas
Tornaram-se o meu o Sol como quem nunca o viu.
Ao meu silêncio letárgio da neve sobre os telhados.
E na presumível tristeza de eu ficar estático como uma pedra.
Na virgindade dos meus 18 anos, levantou num voo tão presente.
Como uma gaivota no azul do céu, e deixou-me acompanhado.

E eu traguei tudo como quem a toca em transparência.
E segui o jardim pelo Castelo com ela ao Colo.
Na virgindade dos meus 18 anos amamo-nos como anjos.
Porque era carne da minha carne e beijos dos meus beijos…
E estava-me tão lavrada por dentro que éramos um só.
Tu ainda hoje sabes que só somos um mistério inacabado.
Nada se perde quando a alma é os olhos abraçada a ti.



Manuel Feliciano

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