3.25.2011

Corpo desfolhado

Se o Outono chegar esta tarde
Eu visto-me com toda a sua nudez
Que me importa o que ele diz
Nos cabelos dourados de árvores
Em frutos no poente dos lábios
Em canoas no sangue da chuva?
Eu não morro com as flores
Habito fora de mim mesmo
E sou tudo o quanto penso
Distância sem qualquer longe
Arado lavrando-te o corpo
Onde o amor espera a palavra
Em folhas que o chão almejam
E a minha alma que não é cadáver.


manuel feliciano

Amor desencontrado

Na adolescência eu tive um grande amor

Que vinha comprar rebuçados para nos olharmos

E pelo caminho apanhava figos e não tinha fome

Cortava uvas e não tinha sede

Como uma forma de nos acariciarmos

E porque a voz nos falhava

Quando queriamos dizer amor

As uvas e os figos eram os beijos e as palavras

Que trocamos sem querer

Hoje eu lembro como quem te reencontra

Na loucura de um verão quente

Com as pálpebras bêbedas de sede

A milésimos de cortar a meta

E concordo que um grande amor será sempre

Um jardim desencontrado!





manuel feliciano

3.22.2011

Primavera

Quando a primevera chegar eu não estou
Ainda que escreva cartas de amor nos seios
O meu olhar desdobra-se noutro jardim
Na consciência de outra infinitude...
Que não esta que bate em horas solúveis
Que esconde mãos em pétalas que caem
Que não pulsa a boca da fenda da brisa
Nem tão pouco espelha o céu na terra
Enquanto as flores e as aves forem outras
Por cima de um sinal que sempre tarda
Eu vou-me numa outra primavera
Num grito que me mostre outros lugares
Que esta tão imensa cansa por ser breve !


manuel feliciano

3.21.2011

Cansei-me das mãos presas nas algas
Do mar revolto dentro das ancas
Do amor em andorinhas de neve
Do mel em luzes de candeeiros
Do olhar tirano no rubor das rosas…

E ergui as almas nas telhas vermelhas
O sangue do sol na poeira das bocas
Amadureci o céu no colo do húmus
E afoguei a morte dentro das árvores
Entreguei ao nada os que nada sentem.

Para que os olhos se são trapos nos bolsos?
E o coração se é uma folha sem barcos…

Eu que me vi ao espelho e não sei de mim
Estou bebedo de pássaros no lume da água
De pétalas de estrelas no álcool da brisa
Em pontes de névoas num rio de cabelos
Porque os meus olhos são de outra loucura.

Se cada olhar fosse um parto e doesse…
As mãos ausentes provavelmente eram ninhos!



manuel feliciano

3.13.2011

É na queimadura húmida da chuva
No magma quente das mãos em choro
Onde o sol lambe o mar das faces
E nos espremem a música dos olhos
E a proa das línguas ao vento
No limiar das velas que não hasteiam
Nas palavras sem o rubor do sangue
Nas rodas maduras sem eixos
Onde nos quebram todos os sonhos
E nos curtem a pele dos desejos
Em navios presos no útero
Que colho beijos que são só nossos
Que germinam no colo das pedras
E se convertem num azul de aves
Que estrelas dentro de nós semeiam.


Manuel Feliciano

3.07.2011

Pedi-te uma flor por dentro
Aquela que ao tocar-me, me torna outro
Alguém que eu mesmo desconheço
A que não encontro nos jardins
E faz do impossível um mar para p’ro mundo
A flor que segura as nossas mãos
E solda pontes quebradas nas línguas
Que me mostra o Paraíso por inteiro
Mesmo quando a lama me sufoca!


manuel feliciano
Quando os teus olhos me tocam
Num verde de mar profundo
Eu não sei de mim nem do mundo
Roçam-me limoeiros na garganta
Chilream pássaros nos troncos
E há lábios nos motores do barcos
E aves de água nas retinas
Jardins nas pétalas dos dentes
Por entre cardumes de sóis
E os corais brancos do colo
Morro por um cheiro que se ausenta
À medida que te busco nas coisas
E sabes-me sempre a tão pouco
Por mais que os teus olhos me louvem!


manuel feliciano
Se ao menos as palavras fossem nuas
Como uma mulher de chuva nas nuvens
E soubessem à pequenez das coisas
E nos despissem em ervas ingénuas
Quem sabe não germinariam rosas
As primaveras tão magras
Nos campos pútridos das almas
Nas latas velhas das bocas
Vissemos lábios a luzir na brisa
A desenrolar sorrisos nas folhas
O outro caberia-nos por inteiro
E o ego não teria as mãos tão frias.


manuel feliciano
Eu nasci para lamber as mãos das folhas
Viagens imaginárias em frutos secos
Tomar o pólen em bocas suturadas
E nos faróis submersos dos olhos
Esfregar a merda húmida das gaivotas
Que me ofusque um navio a soro
Num oceano inundado sem água
Atracar num sorriso de agulhas
Ah senhores vendilhões do Templo
Que o mundo conheceis tão pouco
Que me interessa a traça do dinheiro
E o corpo magro que me traz tão nú
Se caibo todo num grão de chuva
Se a vida é um tanto que se desfaz
Eu quero é a voz do que não se toca
Tenho fome a mãos cheias de nada
Que me encham o coração de além.



manuel feliciano

3.04.2011

Teresópolis

Em Teresópolis perguntei pelo coração da chuva
E as palavras anémicas da sua boca
Que fenderam o estômago da montanha
E as almas soergueram-se das minhas pálpebras
Correndo em planícies de sorrisos
Rasgando os muros do infinito
Escrevendo o amor em árvores sem tempo
E dando as mãos a estrelas que ainda choram
Riram-se da chuva nauseabunda sem memória
Incapaz de ter o amor que um dia a salve.


manuel feliciano

3.03.2011

Teresópolis

Fora de mim há um outro corpo
Porque me cansei das mão salgadas da espera
Da pele granitica dos lábios
De mulheres sentadas nas rugas
Da vontade dentro das lâmpadas
De verdades no óxido das gargantas
E como sei que nenhum tempo é dono de mim
Antecepiei-me ao nojo corrupto dos dias
Para colher de mim uvas douradas na chuva
Mesmo se ainda cheira a uma faca ensaguentada
Tão pútrida! incapaz de matar almas em Teresópolis.



manuel feliciano

Existir

Tenho o corpo tão magro por não existires
E o existir fica à distância de quereres
A tua cabeça ininterrupta junto da minha
E o dia fica tão tarde no húmido da tua boca
E se soubesses que o mundo se constroi com beijos
E a ciência não é um lugar seguro
Quebrarias a ilha das pedras com as palavras
Aquelas que deixam os teus braços estáticos
Enrolados no medo do céu dos olhos
Que impedem que voemos como gaivotas.


manuel feliciano