3.26.2019

Por que me fechas os olhos
 Enquanto o carnaval passa?
 Há tantas ervas moleirinhas
 Quando me fechas os olhos
 Há moças que abrem todas as paredes

 O teu fechar dos olhos
 Faz-me cócegas no coração
 E as minhas pálpebras
 Puti-abertas e cósmicas
 Deixam-se semear

 Uma luz sideral
 De folhas vermelhas
 Menstrua-me
 Nas matizes do teu campo
 Os candeeiros rompem-se

 Oh misteriosa luz solar
 De clareiras de seios
 No fundo da minha covardia
 Desfaz-se um fluido de cristal

 E de cada vez que não me olhas
 Cheira-me a lenha e a forno
 Baptizando os meus lábios

  Eu ceio do teu vinho
 Eu ceio do teu pão
 E a agua morre-me na luz da tua boca

 Coloco nos meus dedos os aneis do teu olhar
 Sobre um fevereiro florido
 Para que te vestes de morte?

 Um olhar teu
 Maior que a dimensão solar
 Alaga-me
 Dos teus corais
 E piamos
 Piamos como corvos
 No teclado das asas

 Tu és uma laje nua…
Da cor da amendoeira
 Com que gozamos de orgasmos
 E os Deuses dentro de nós

 Agora eu sei. Tu fechas os olhos para me aqueceres.
 Para sentires o cimo do mar enrolado nas tuas nuvens.
 O odorante incenso nas tépidas costas!

 Manuel Feliciano

Menina Índia


Menina Índia
Cheirinho a canela
Cabelos - veredas
De amoras silvestres
Os teus pés pão da terra

Eu desço pelos teus olhos
Da selva aos lagos
Eu subo pela tua voz
Do chão às árvores
Eu bebo do teu sol
Água que cresta o meu pó
De ti ao céu

Sou brisa no teu sorriso
Rio na tua lágrima
No cantinho do teu olho
Onde me abrigo da chuva
Semente em gestação

Eu não te vendo
Eu não te compro
Eu não te planto
E se não tens voz
Meus joelhos em ferida

Tu és canção do vento a assobiar
Flor sem dono
És terra da terra
Terra sem ferida
Voz que aquece o sol
Voz que vai e vem
Sol que não se prende
Sol que é de ninguém

Eu não te vendo
Eu não te compro
Menina Brasil
Tu és do azul do céu
Do azul sem guerra
Do azul do mar.

Manuel Luís Felíciano
É neste silêncio tão de árvore
De cinza
Que os teus braços contra
o  meu peito
de nuvem mordida
de chuva
semeiam as primeiras folhas
E o teu fogo entra na raiz

E na saliva que corre
O céu é inteiro
O teu corpo quente
E as aves, que se foram
parem-me a luz
a tua brisa
E as amexas rosas dos teus lábios


O teu nome
Escorre-me pela garganta
Desagua pela tua
Cintura
vem-me o cheiro
Do teu ventre
E a tua mão a nascer na minha

Os teus cabelos
ainda florescem
E chamam as abelhas
Tenras
Às flores com que te trago
Neste silêncio.

Manuel Feliciano
A terra não é mulher
Mulher é fruto de palavras claras
Que habitam o corpo
Quando o corpo anoitece
E não lhe habitam estrelas
Embora na pele lhe nasça trigo
E nas rubras flores os lábios
E nas gotas de orvalho as lágrimas
Na noite tuas pálpebras fechadas
E na luz da manhã teus olhos em flor
A terra não é mulher
Mulher é trigo fora desse trigo de sol e vento
O rosto e o colo que a terra não conhece
A alma que afaga o corpo tão lasso
Que desmaia ao iniciar da lua
É o sabor e o cheiro das flores em beijo
As pálpebras que a terra nunca teve
De olhos interiormente iluminados
As sílabas que a terra não sabe dizer
Onde os rios nascem e há crianças ao sol!

Manuel Feliciano
Sei que és amor aquela que tu não és
pérfida vagueando duvidosa
mas porém assente de cabeça e pés
de tua alma firme crente e luminosa

Espero-te onde nunca te encontro
na vasta montanha faz eco uma voz
quando ouço o vento do teu corpo
abraço-te dançando e sorrindo a sós

desaconchego aconchegado de amor
sentindo-me alto ajoelhado na praia
bebendo o espelho da tua voz

aquecendo-me no frio com todo o fervor
molhado de sangue em rosas de areia
o teu corpo que é mundo e não é, só esplendor!

Manuel Luís Feliciano
O meu país
Não é aquele que me contaram
De céu e mar circunscritos
Não existe
É lá fora
Não é o dos reis e da história
Dos vencedores e dos vencidos
Dos exploradores e dos explorados
Senão o dos teus braços de ar e fogo longínquos
Sim é este o meu país
A minha pátria abençoada
Da geografia do teu olhar
Das escarpas dos teus seios
Das águas corredias dos teus cabelos
Que descem
Pelas tuas costas
até ao por do sol das tuas ancas
Do deus que me acolhe
Ante os teus suspiros
De libelinhas a tocar as águas
Eis que se desenha um país
Uma língua estrangeira
Uma flor de orvalho
De uma Patria a nascer.

Manuel Feliciano
Mulher tu nasceste
e trouxeste contigo o jardim
Perdido
A ave semeada na boca
O mar a transbordar nos braços
O escuro
O escuro não o trouxeste
Mãe
Amor
Pedra de água que sabe a colo
E a açucena

Ah como dói o sol
E as nuvens 
Nas tuas mãos frescas
Cheiro a Selva
Macchu- Picchu
Veredas de pedras
O sol dos Inkas
Explosão de amor
Corrente de água
Os teus braços compridos
A minha face vazia
Na planura da boca
E o mar sempre à volta
No mar do Pacífico
Os Barcos despidos
Um cais de ternura
Nestes olhos rasos
À vela do teu hálito!

Amor, eu não quero beber-te
Nem das tuas paisagens
O canto dos condores
O mundo resume-se a ti
Tu vieste para ficar[…]
Tu és o mundo e a escuridão
Que nada pode contra a tua carne fresca!
Porque Tu és a mãe
E o fogo
Que gera o lugar…
Leva-me ao teu colo 
Quero adormecer
Pelas encostas da tua brisa
De trigo quente e dourado
E os pássaros partindo e voltando!

Manuel Feliciano
Não sei quem sou
Procuro-me nas ruas do teu olhar
E ao querer saber dos meus olhos
Tu és já um rio nas pálpebras que me sangram
No coração
E eu areias e deserto
Corro-te no sangue
E não sei do meu
Chamo-te
E não me sei chamar
Sou centelha que não sabe arder
Ouço-te
E não me sei ouvir
Vejo-te
E não me sei ver
Queria poder agarrar palavra por palavra no silêncio da tua boca
E construir-me de ti
Para deixar de não ser
Porque eu sou nada
Sou como um sol
Não próprio
Fundura onde os teus cabelos não chegam
No crepúsculo dos teus seios
Que não conhece a noite
Durmo-te
E não me sei dormir
Porque há fendas abertas ao luar, onde as mãos não entram
Vivo-te
E não me sei viver
Espero-te
E não me sei esperar
Abraço-te
E não me sei abraçar
Porque há medos de rosas
A desvirginar
E os meus passos ficam sem chão
No rubor de folhas menstruadas
Não encontro as mãos e os pés, caminho-te
E não me sei caminhar
E o que sou é qualquer coisa
Que não encontro dentro de mim
Saliva no ventre de uma manhã a desbravar o tempo
A margem de um abraço
Que não te sabe morrer
Como a terra a doar-se à chuva
Uma criança ao teu colo
E a tua luz a desabrigar-me
Quero-te
E não me sei querer
Amo-te e não me sei amar
Desconheço-me
Creio em ti
E não me sei crer
Por ventura sou uma flor sem nome
Perdida no teu Jardim.

Manuel Feliciano

Liberdade

Os meus olhos não têm espaço
São o céu da tua boca
Jardim do teu abraço
No azul da tua cintura

Desejo ser-te o mar
Arder no teu vestido
Por entre algas e sal
Visitar-te o paraíso

Não me faças refém
Do mundo que é e não é
De uma criança que chora
No sussurro de uma maré

Derruba-me os muros
Soldados e combatentes
No laço dos teus lábios
Papoilas choram sementes

Tu despes-me o corpo
Vento que vai e vem
Que não encontra o rumo
E o teu luar conhece bem

As tuas mãos apátridas
Linhas no infinito
Sou estranha criatura
No fogo do teu grito.

Manuel Feliciano