9.30.2010

Não me tragas casas de betão

Não me tragas casas de betão
O conforto natural das coisas
Pontes inquebráveis
Não me abrigues do Inverno
E me refresques de verão
Eu amo ser homem
Não mais que uma abelha
Queimando as próprias asas
E na contariedade de ser homem
Só a luz de um vaga-lume
Um fio de lã sobre o rio
Onde te amadurece o colo
Uma casa de brisa
Um pássaro de orvalho
Uma cidade de pólen
Poderão naturalmente aconchegar-me
Na falta disto tudo[…]
Deixa que no meu corpo despido
Eu possa comer tudo o que não há.

manuel feliciano

9.29.2010

O amor e a terra

Nasce-te o sol por detrás dos seios
Feito do mel doce das abelhas
Reluzindo-te as rosas – aureolas fontes
Um pássaro de sede vem beber-te a água
E tu num suspiro a manhã desposas
É dia de lavra no teu corpo baldio
Os meus dedos – arados remexem-te a terra
E tu na carícia abres-me a vulva
Onde eu lanço com amor as sementes em gotas
E tu em louvor abres-me a mina
Que eu em loucura levo às searas
Em teus cabelos enleados em minha espiga de milho
Pedes-me arfando em movimentos de cavalos
O céu, o fogo, a água, os poros abrindo-se
colhendo o sémen que alivie as raízes em fogo
Com os teus dedos clamando ternura
Os lençóis desfeitos evolam-se em nuvem
E o sol escondeu-se nas veredas das nádegas!


manuel feliciano

Maçã de Adão

Por estradas de ossos quebrados
Sigo por portas que não se abrem
Como se fossem arvoredos
Como um navio no oceano
A lama transformo-a em céu
De pedra como gomos de laranjas
São partos as estrelas do céu
E o fim o princípio de tudo
Crianças no deserto do mundo
Choram-me nas rugas da cara
Há homens com almas de barro
O sol é uma ave sem fogo
A Chuva folha seca calada
A vida é uma côdea de pão
Então eu dou-me todo em frutos
E nas dores que quero oasis
Faço um prado da miséria
Lanço ao rio a maçã de Adão.


manuel feliciano

Era de madrugada

Era de madrugada e minha púbis ainda acesa
O sol escondido, e eu já reclamando o teu corpo
Uma foice entre os dedos ceifava-me entre a vulva
Aguçados por um toque suave e profundo
Que me enche de carícias e me dá água na boca
Era sede tão suave que nossas bocas emanavam
Tua cona borboleta vinha pousar em meu pénis
Era desejo e paixão que o nosso corpo pedia
E um bosque de tesão em nossos sexos ardia
E o meu corpo fremente pedia-te para me entrares
Minha língua rastejava no teu fresco pentelho
Como fogo que queimava e incendiava a fantasia
Eram de sol os teus seios e mais sede me fazia
E eu louca de desejo, pedia-te para me beijares!



Dueto Manuel Feliciano & Catarina Camacho

Meu amor

Meu amor,
Vou dar-te o mais sagrado que tenho
Uma mão vazia
Porém a minha mão vazia
Tem rosas em sangue
Noites feitas de andorinhas
Manhãs bordadas em cristais
E berços onde as crianças são estrelas.
Meu amor,
Ainda tens a possibilidade
Dentro da minha mão vazia
Que ela seja pássaro desatando-te nós
Filtro de sal nas tuas lágrimas
O azul suave que te aconchega
Uma flor em pleno nada
A minha mão vazia é uma quantidade de coisas
A Primavera renovada
Na vereda que ardeu...
Uma semente na língua
Escarpando a escuridão
Sente com força a minha mão vazia
Dou-ta e faz dela o que quiseres.

manuel feliciano

Horas em Delírio

Vem despir o meu corpo em séculos horas e minutos
Minha vulva é um relógio pelo coração aquecida
Deixa-me ser pentelho com que o pássaro faz o ninho
Vem amar meu corpo nú como um fruto maduro
Saciar a minha fome que grita de desejo
Viver em meu templo que pulsa de erotismo
Vibrar-te dentro dos músculos sem ponteiros
Soluçar-te dentro na boca num turbilhão
Ser placa sedimentar te abrindo ao meio
Brasa de um sol ardente nos teus seios
Sabendo-me a água fresca num deserto
Cede perante as minhas fantasias
Compõe uma melodia em meus lábios
Deixa molhar-me a boca nos teus cabelos
Que apura todos os meus sentidos
Vazando todos os meus anseios
Que gritam numa cascata alucinada
Quero ser cana de milho no teu rego
Vem escorrer-te ao som de uma canção
Melodia crescente em sentimentos
sufocados no enroscar das tuas coxas
Como se houvesse em nós um outro mundo
Cheios de prazer voando mesmo sem asas.


manuel feliciano

Boca

Tua boca avermelhada
Gruta húmida dos mares
Como abelha buscando a flor
Por entre o pólen da rosa
Línguas em gomos amarelos
Tocando corais no escuro
Feitos de farinha e água
E fermento em levedura
Hienas em predação
Erguendo o pénis do chão
A pedra é uma macieira
Ao grito do corpo em tremura
Por entre palavras mordidas
Ao nosso doce beijar
Tocam-nos carícias por dentro
Com mãos feitas de brisa
Por entre deslizantes grutas
São bocas em mar sem fundo
Pássaros vermelhos de saliva
No teu requebar em brumas
Despenham-se nas ondas na areia.


manuel feliciano

9.28.2010

Não te atormentes com nuvens brancas

Não te atormentes com nuvens brancas amor. É por detrás das nuvens que floresce a luz do sol. E no algodão eu sou-te o sangue em girassóis refulgente. Palavra aliviada no marulhar da tua voz. A fogueira nítida que te limpa a cicatriz. Ou a muralha de pedra submersa no teu calor. Vou apanhar passarinhos gasosos para tos dar. Rosas que a luz do dia desconhece. Abraços que a escuridão não entende. E de mãos vazias vou trocar o mundo pelas tuas.Talvez mais tarde se chover só é o cântico dos meus cabelos na alvorada da tua boca. Numa loucura desesperada de ser criança nos teus braços, ou bala fria que te desperte para mim. Não te atormentes com nuvens brancas amor. Elas só são a promessa de que a vida, não é palavras semeadas na terra.

manuel feliciano.

De mãos dadas com os sexos

Os pensamentos injectam no corpo olhares macios
De uvas não visíveis de dia que se colhem na nuvens
No frio quente do mármore reflui o sangue que faísca
Na cratera do chão as folhas mexem-se avermelhadas
Um nó de gelo desprende-se da garganta num ice-berg
O cheiro à incerteza faz-me ir aos limites impensáveis
E ateia o pénis, os dedos e a cona de mão dadas na rua
Ingenuamente como irmãos que vivem num só corpo
Atormentam-se com ternura em palpitares que cortam
Solares de chuva. Dança-nos uma bailarina sem olhos
Nos músculos cansados. A lava e as cinzas submergem
Na cicatriz do mar, levam-nos ao conforto da trovoada
No inverno, oferecendo-nos pomares arrepiados de sabores
Em carne viva, e as narinas tremem de cio em pleno verão.




manuel feliciano

9.27.2010

Monólogo com a cona

Monólogo com a cona

Querida Cona

O meu Pénis lateja cada vez mais que se aproxima do marulhar
Dos teus lábios. Que se abrem em cascatas quando a cabeça
Os toca. Por baixo de laranjas húmidas bate-me a efervescência
Das ondas, e as rochas amadurecem-me. A tua Vulva sobeja
Espuma branca e idiomas que só os sexos fundidos entendem
À batida dos ponteiros desconcertados somos só bruma em gozo
Lambemos florestas de índios na folhagem nas sombras frescas
Percorremos os sons da brisa nas hastes das palmeiras dos braços
As tuas raízes sugam-me e eu deixo de ser matéria e inflamo-me.
Amo-te querida cona, beijos festivos que te inauguram sempre
Como parte importante que me leva a conhecer outros mundos.


Manuel Feiciano

O teu olhar é um fogo

O teu olhar é um fogo
Aquece corações no inverno
E congela-os no verão
E eu não sei se sou
O momento inoportuno
De todas as oportunidades
Por detrás das tuas costas
Gritando na tua garganta
Um rio que não escutas
Na curva rectilínea das asas
Em que as tuas pálpebras se abrem
Como quem as fecha num mistério
Em música de borboletas
Que me deixam letárgico
Na esperança de um voo.


manuel feliciano

Ninho de pássaro

Deixa-me pousar as asas no ninho da pélvis
Molhar o bico nessa terra de carne. Húmida
E quente. E tremer no charco branco de seda
Com a língua em gozos no pôr-do-sol. Lasciva
Floresta verde com húmus pintada a saliva.
E expiar em vida na gruta vermelha.Cheio
De luzes em desmaios.Em trotes de cavalos.
Voltados ao céu.Perdidos.Até que o pénis
Chore em esporra.E deixe nos seios frases
De amor e invernos quentes.Cidades aquáticas
De mel.Árvores que ardem nas folhas às cores.
Lençóis de veludo maduro.Vento em corrupio.
No sol das ancas.Plantas em gozo florescem
No clítoris.Barco naufragado no colo e montes
Das mamas.Nas nádegas e coxas.Proa ao fundo
Na vela rasgada.Âncora no cio.Em frutos maduros
Em abraços.Braços estrangulados.Bocas feridas
Em desespero.Depois de mordida sabes-me a pouco.




manuel feliciano

9.26.2010

Viagem do sexo

Espero-te na janela húmida e fresca. Ao tesão fresco de uma vela
Acesa a refrescar-te o rosto. Um campo de sementes gotejantes
Eléctricos dedos que buscam aberturas e aconchegar-se na fogueira
Como videiras com sede lambendo a ardósia dos socalcos do Douro
Letárgico como as folhas maduras no Outono caídas a teus pés
Ânsia de um campo rubro de papoilas. Em línguas naufragantes
Na brisa ardente do trigo. Nas águas que descem por planaltos
Pelos caminhos silentes e abandonados em espasmos de coxas
E o coração presente junto ao cume dos seios e a alma evanescente
Peixes correm-nos em abundância e pulam no leito do útero
E inauguramos a viagem em gemidos sem a qual não somos homens.


manuel feliciano

9.25.2010

O poeta

O poeta vai ao céu do abismo
Nas asas quentes de girassóis
Por cima da estratosfera
Com um colete-de-forças
Com os pés pousados na terra.

Com costas feitas em lata
Para dar a volta ao mundo
Colher os frutos nas têmporas
Nos ramos secos das estrelas
Tocar as pálpebras do mistério.

E em múltiplas visões
Corpos erguem-se das águas
Convertendo-se em neve
Para no sol comerem raios
E no fogo beberem água
E depois irem ao inferno
Para se queimarem no céu.

E ao mar para abraçar o ventre
E à lua para sentir o chão
E com remendos nos olhos
Traz tudo no bolso das calças
Misérias do abandono de um cão.

Silêncios com a força de um Deus
Vozes no escombro das lágrimas
Cantando canções ao vento
Nos fósforos de toda a emoção
Que ardem nos beijos da chuva
Traz consigo o que não lhe deram.


manuel feliciano

9.24.2010

A beleza

A beleza não é
Um rosto rosado
Com um sorriso plantado
Num vaso sem terra.

É Nova Iorque
Inteira na unha
Do meu polegar.

Uma mulher sem braços
Escrevendo-me pássaros
No coração da boca.

Não é Auschwitz
Bordado num beijo
Que se quer sério
E cheira a infâmia.

A beleza
Sou eu de muletas
Erguendo-me
Em sílabas urdidas
No gume da faca.

Por navios de pedra
Desfragmentado
Todo por inteiro
Acenando feliz aos lenços
Que não me acenam.

Com lágrimas de rendas
Pelo teu doce veneno
Que cuspo…

manuel feliciano

A natureza é indomável

A natureza é indomável
Conhece bem o seu papel
Não age para roubar o acto
Aqui não é o fim da cena
Senão teria que nos matar a todos
Mas ela poupa só o que pode
Erguei bem alto o que vos habita
Sóis menos que uma gota de chuva.

E deixai que a misericórdia vos escorra
E obreiros humildes vos cavem
Há gritos sim e para sempre
Para que saibais que aqui
O mundo fica na trilha do sol e do sal
Da escuridão e do luar
Sem poupar o predador e a presa.

E quem disse que o sol se esconde
Dos gritos nos cemitérios?
O sol esconde-se é dos vivos
Para se enganarem a eles mesmos
Com riquezas e fortunas
Puxando carroças de burros.

Enquanto os espíritos vagueiam.
Sem laivos que ainda pairam
Da semente da escravatura
Mas que o sol põe a nu.

O sol cumpre o seu papel
Agora o homem não
Nem com aviões de azul
Nos deixa comer as estrelas
Há estrelas que cheguem para todos?
Mas o homem é a carne do vento
E é feito da poeira dos astros.

O homem é metalinguagem
Cadáver metafísico
Abstracção em si mesmo
Melodia de Beethoven
Corpo para se aquecer?
Eu nunca vi sequer o meu.

Se um dia os sonhos
Forem partos ensanguentados
Nas pálpebras dos vossos olhos
O sol nem por isso é covarde
Levará a farinha aos vivos
Iluminará as sendas aos mortos.

O sol só não é sol, para homens feitos de cal
E as leis do destino só visam a eternidade
Quantos andam pelas ruas
Que na verdade nunca nasceram
E sendo assim nunca morrem.

E há gente morta tão viva
Caminhando ao meu lado
Porém, não comais é tudo
Porque nada disto vos pertence
A não ser a finitude no jardim das ilusões
Porque um dia haveis de saciar mesmo sem boca
E a pobreza devolverá-vos o lugar.


Manuel Feliciano

9.23.2010

A música do sexo

Nasce-te o sol nos cabelos
E escorre-se-te pelo colo
Em música de licor
Com pão-de-ló molhado
Metáfora na língua
De um campo baldio
Jangada de cio a céu aberto.

Desconcerto-te os lábios
E os meus dedos – pautas
Pingam-te mel no rosto
E no rocio maduro das mangas
Dou-me aos teus mamilos
Num sopro de aves.

Em cañones no Peru.
Semântica lacustre
Nos verbos da pélvis
Sintaxe descoordenada
Com todo o nexo.

Espasmos ruem-nos
Sem nenhum destroço
Luas entre as nádegas
E ergue-se me uma árvore
Em húmidas amoras
Pelos lábios salgados
Mordem-nos hienas
E esvoaçamos em brumas.



manuel feliciano

9.22.2010

Os poetas e as mulheres loucas

Os poetas conhecem mulheres admiráveis
Mulheres puras
Sem pressa
Sem rush pós parto
Imperfeitas em toda a perfeição
Que tragam deliciosamente
E olham sem esgoísmo.

Que amam deficientes
Loucas
Anjos
Abandonadas
Sem a doença da sanidade
Mulheres que vêem para dentro
Imprevisíveis
Impossíveis com toda a possibilidade
Não teatrais
Não virtuais
Bissexuais
Alternativas
Vivas de eternidade
Como brasas à chuva.

Agora aqui
Nestes cantinhos abrigados
De chão e ervas
Onde os sexos florescem
Mesmo no Outono
Em bicos de pássaros
Viagem aos astros e à lua
Verdadeiras
Nas asas de um gemido
Com sumo de melancia
Siderais com os corpos presos
Na chama, na lama, multifacetadas
Abraçam-me em arco-iris
Com um só rosto.

Desertamente habitadas
Onde um vaga-lumes nos leva
Por lugares únicos
Sem gravidade
Como o rasgar de um orgasmo
Melhor que um pêssego
Por que os poetas e as loucas
Andam de mãos dadas
Na maior sanidade e às claras
E não se escondem.



manuel feliciano

Merece-te

Olha-te por dentro
Como uma alva rosa
E retira o pó
Que te consome o pólen.

Grita às estrelas
Que te oferendem os olhos
E quando crianças
Não te morrerem à sede
Colhe pêssegos
Maduros nas têmporas.

E deixa que no Chade
Alguém tos coma
Escorre a surdez
Com que viveste
Vislumbra o rocio de anjos
Acordarem-te o cadáver.

E quem sabe assim
Por baixo de um rio que voa
Possas ser merecedor
Da tua própria morte.

Manuel Feliciano

9.21.2010

Contrariedades

O meu corpo foi à deriva
No azul faiscar das águas
Fundeado em macieiras
No porto azul de Roterdão.

Meridiano de Greenwich
Sem qualquer orientação
Num quadro de um pintor
Pintado a mel de abelhas.

E o meu coração por dentro
No fogo dos teus cabelos
Qual chilrear de cascatas
Suspira no teu degredo
Flor no pólen de uma faca.

Sangrando mesmo sem sangue
Na canoa solar de um beijo
Que demos mesmo sem lábios
Teus pés torrentes de chuva
Foram sol nas minhas costas.

E também um mar de trigo
Abraços de branca farinha
A tua voz suave do Árticto.
Um farol por entre as sombras
Atraquei-me ao teu sorriso
Liberto como um condenado.


manuel feliciano

No Pó da Memória

No Pó da Memória. Deitado nas areias do Castelo.
Na paisagem boquiaberta do Porto.
Deixei para trás couves arquitectónicas com cristais.
E tinha o mar em frente como um campo cheio de trigo.

A surrealidade de mulheres pintadas nas rochas.
Com sorrisos molhados emprestados pelas ondas.
Sozinho na escuridão dos afectos. Era luz transmutada.
O sol deu-me a provar pêssegos pelos dedos.
E eu só tinha a virgindade dos meus 18 anos.

Até que uma mulher morena desceu pelas escadas.
Pousou como uma gaivota. Despiu-se na toalha.
E os seus frutos cobriram-se com um biquíni de arroz.

Ainda pensei que fosse um altar moldado a rosas brancas.
Embebedou-me com olhares como pássaros nos frutos.
Disse-me despida como uma árvore no Outono.
Com a alma gemendo música e os pés quentes de frio:

- “A música que ouço incomoda-te”?
E eu respondi-lhe com o meu rosto rosado.
-“ Não me incomoda mais que as ondas que me rasgam”
E não me deixam nenhuma canção.
- "Pelo menos tu choras-me em música nos teus olhos."
Na virgindade dos meus 18 anos ficou um mundo por cumprir.

E voltou a retorquir: “ Podias-me dizer as horas?”
Mas eu conhecia-lhe tanto o corpo e a alma.
Que eu acho que foi uma irmã que perdi há muitos anos.
E ela arrefeceu como o Outono e as folhas amarelas
Tornaram-se o meu o Sol como quem nunca o viu.
Ao meu silêncio letárgio da neve sobre os telhados.
E na presumível tristeza de eu ficar estático como uma pedra.
Na virgindade dos meus 18 anos, levantou num voo tão presente.
Como uma gaivota no azul do céu, e deixou-me acompanhado.

E eu traguei tudo como quem a toca em transparência.
E segui o jardim pelo Castelo com ela ao Colo.
Na virgindade dos meus 18 anos amamo-nos como anjos.
Porque era carne da minha carne e beijos dos meus beijos…
E estava-me tão lavrada por dentro que éramos um só.
Tu ainda hoje sabes que só somos um mistério inacabado.
Nada se perde quando a alma é os olhos abraçada a ti.



Manuel Feliciano

9.20.2010

Homem antitético

Não vivas só por viver,
Não digas só por dizer,
Não ames só por amar,

Não queiras ser só mais um,
Como quem é nenhum,
E pensa ser muito mais,
Que uma gota de orvalho.

Rio sem boca.
Rio sem braços.
Rio sem sexo.

Olhar minifundiário.

Correndo sem ter leito
Atravessando
A rua branca de lodo
Para se fundir no mar
Como um abraço que se desfaz.

Onde a laranja amarela
É pútrida.
Farol na costa.
Nasceu na árvore sem flor
Sem qualquer abundância.

E os barcos soluçam à espera
Da profundeza das águas
Das montanhas submersas.



manuel feliciano

Sol em dia de neblinas

Não sei o que é colherem-me nos braços
Foi tão perfeito o dia em que não nasci
Não me esperaram ao fundo de uma rua
Nem reguei o jardim da minha infância
Como quem rega e colhe laranjas no sol
E escuta os braços quentes da minha mãe
Dizendo-me: "filho sai-me da margem".
Onde as águas levam olhares fugidios
Eu escutei a canção que nunca ouvi
E reguei contigo onde não havia chão
E laranjas que nos enchessem de sorrisos
Foi tão perfeito o dia em que não nasci
Mas sei a dor de ter perdido um filho
Sou a abstracção de um erro não parido
Por entre os girassóis de uma placenta
Subi as escadas todas que se me negaram
Eu não quis tragar a metafísica das coisas
E aconcheguei-te a boca quando me pariste.




manuel feliciano

9.18.2010

Delírios com a Giovanna

Quando eu te tenho
Com os lábios enroscados
Sabes-me a fogo
Um passarinho canta-me
Na boca
E a chuva brota
Tenras flores da Primavera.

Tu sabes bem
Que nosso peito se incendeia
Mas é só um rio que clareia
Um arco-íris
De hienas descendo ao tronco
E os meus dedos
Navios nos teus flancos.

A sombra brilha
Na tua ilha doce rubra
Como-te os frutos
Que não se vêem
E sabem-me a anjos serenos
Que me estão tão presentes
Como a brisa
Por entre as brumas
Que só são botões de rosas.


Há mil fontes
Que brotam
Por entre lugares secos
Das mãos aos pés
Tu és uma guitarra
Chorando mel
E eu o verão
No teu corpo antecipado.

E as estátuas acordam
Dentro de nosso sono
E o inferno
Sabe-nos ao azul do céu
E a gritos mordidos
Na minha língua
Espada de uma guerra
Sem sangue.

Vamos em frente
Pelo mar dos teus cabelos
Os nossos gemidos
São um farol
Até que as tuas ancas
Sejam meu Porto
E me amarres
como quem me desprende
Eu adormeça em ti
Como um desejo
Já mordido e insatisfeito
Mas sem âncora, mar adentro.


manuel feliciano

A minha vida

A minha vida

A minha vida
É um filho da puta
De um cadáver vivo
Latejando
Numa fonte seca
Cheio de água viva
Com santinhos de barro.

Com sete caminhos
Com sete promessas
Com setes destinos
Com sete dias da semana.

Abraços sem braços
Beijos sem bocas
Estradas sem setas
Amores sangrando
A 365 dias por hora
Caminhadas sem pernas.

Cheio de brumas
Tão pútridas as brumas
Que deixam ver tudo
Como os faróis de um carro.

Glória aos piratas
Glória aos ladrões
Glória aos proxenetas
Heróis sobreviventes.

Foda-se os cânceres
Foda-se a fome
As injecções letais
As falsas promessas
Os cornos do diabo
Que criou esta merda
Onde jorra tudo
Onde se vive tudo
Onde se ama tudo
Onde se perde tudo.

Vazios ou cheios
Os bolsos das calças
Nunca se tem nada
Nem uma mão no vazio
Para silenciar o tédio.

Foda-se os hospitas
Os lares de idosos
Os cometas sem rastos
Os prados sem erva
As guerras despropositadas.

Glória ao Sadomasoquismo
Às agulhas nos mamilos
Às mordaças na boca
Aos pingos de cera
Na cabeça da piça
Aos ratos da inteligência
O mundo que eu não escolhi
E a que fui obrigado.

E que ao menos eu tenha
Um Deus de vento
No final de tudo
Para me perdoar
Também os pecados
Que não inventei[...]
Tive o azar de nascer
Com carne e sexo.

manuel feliciano

9.17.2010

Viagem

Vou por um navio de letras
Os bancos são bocas exangues
Os passageiros reticências
O destino não tem hora.

Abraços desencontrados
Como quem os aperta
Num mar imenso de pó
No umbral de uma casa
Sem porta que dê para fora.

Ouço a música dos pêssegos
Que nunca tocaram a quilha
Do concavo da boca
E souberam-me ao além
Pela bruma tão clara
Rezo de joelhos a uma pedra.

Não me queixo, para quê?
Atraco-me aos pés de uma figueira
A mesma que judas conhece
E faço dela uma prece
O Deus que tanto esperei
No cantinho dos teus olhos.


Enquanto o mundo for
O nada é multidões de gente
E eu sou um mero lastro
Fatias de uma melancia
Nas bocas de quem tem fome.

Eu sigo pelo mar de pedra
Eu sei lá o que é o mar?
Sou ponto de interrogação
Pinheiro plantado no monte
Enquanto a viagem segue
Pelo teu corpo sem promessas.


manuel feliciano

9.15.2010

Mundo às avessas

O rio queima-me
o sol molha-me
A lua deixa-me às escuras
As estrelas são barcos
No marulhar das pedras.

Os lençóis espairecem-se
Em nuvens
Gotas que se lambem
Os corpos flutuam
Na imprecisão do mundo
Com caras disfuguradas.

O azul é um trabalhador
Suado numa fábrica
Viver é uma fila de trânsiito
Lento sem retorno
Na alegria da busca
Com sorrisos de condenados
Dos lábios mordendo-se em pó
Irmãos dos cometas e dos astros.

Células em actividade
Refrescam-se em metamorfose
Ergo-me das brasas
Como uma flor de chuva
Cabe-me ser chão
Pedra em palavras
Que pouco ou nada dizem.

Escuto os sons de dentro
Desincorporo-me em vento
Inflamo as sombras
Entro por janelas
Fechadas
Sempre abertas.

Com corpo
Já não corpo
Sou tornado de amor
Imune a passos de enxofre
No fosfato da infância.

Por jardins que ardem gelados
Coxas frescas no basalto
Fora de órbita terrena
Baldio cheio de pássaros
Os anjos silentes pousam-me.


manuel feliciano

Probabilidades

Os sonhos são tão reais
Como a probabilidade de Eu ter nascido
E toda a natureza que me rodeia
Sou a consciência
Trágica de um sonho
Maravilhoso
De mel
De abelhas
Raízes chupando a ardósia
Numa rua voltada p'ra areia
Com uma mulher de costas ao fundo
E em navios de névoas
Pelo Porto da memória
Sigo naturalmente em frente
Por ondas em ruínas
Branquinhas e salgadas
Que sabem a um todo sempre
Pelo Oceano Atlântico
A caminho das américas
Como quem vem de regresso
E só está na janela a fitar o navio
Com as mãos quentes
E os pés em gelo
À espera de um porto com os braços abertos
Deixa que te ofereça um ramo de rosas
Quando te secarem
Podes jogá-las fora
Eu serei um barco entre os teus sentidos
Âncora de saliva dentro da tua boca
Não gosto de portos sem atracagem
Palavras de fogo sem luminescência
Podes-me pisar que eu só o pó da terra.


manuel feliciano

9.12.2010

Depravações em Lisboa

Quem nunca amou uma mulher em Lisboa
Corpo repousado e alma toda de fora
Com cartas de amor escritas nos lábios
E nos olhos duas rolas pousadas em mim
No cio do cheiro das flores de jardins
Quando demos conta estavamos abraçados
E o rio Tejo incendiou-nos em gemidos
Até os desejos ficarem todos em cinzas
Mas aquelas que entraram em autocarros
Musas do além com formas transparentes
Apesar de tudo tomei-as de mãos dadas
Agarrei no corpo e joguei-o aos pobres
E recriei-me todo no mar das suas coxas
Ficamos a só os dois sobre areias brancas
Seus braços eram cobras atadas ao pescoço
Cuspi-lhe o veneno e as rochas chamaram-nos
E os passageiros parece que não viram nada
Eu num passeio somente a olhar os vidros
Daquele autocarro que nem sequer passou.


manuel feliciano

9.11.2010

Em Camaná

Só quem conhece as praias de Camaná
Na costas do Pacífico por detrás de mim
A âncora do meu ser no mar profundo
No mosto das uvas maduras do Douro
Minha alma galga nas água desobediente
O meu coração lateja como bailarina
Quando eu navego pela parra gritando
Até me entregar ao mar azul do Porto
Em sangue e fogo verde agarrado ao céu
Rasgo a tela e a tinta dos pintores
Que prenderam os desejos de dois amantes
Quero descongelar o Sol que tarda
Quero parir as emoções onde não arda
Os teus lábios com dor à espera dos meus
Dobrar o cabo do homem em metamorfose
Morder a carne aos caracteres de káfka
Ser chuva mansa em pássaros a teus pés
Vou abraçá-los no açucarado das vagas
Vou afogar-me em ti para nascer de novo
Só quem conhece as praias de Camaná
Sabe que eu vou rasgar a placenta no breu
E ser-te amor e sangue numa estrela na voz.



manuel feliciano

Rio Paraná

Mayara Brota cheiro a Brasil
Néctar da poeira do cosmos
Araucária do Paraná
Figura de mulher árabe
Olhos que voam e não se desprendem
Quis ser seu pirata sem barco
Em seus olhos mundo além
Refulgem estrelas transcendentes.


Água de fogo corre-lhe no colo
Dança do ventre nas ancas do rio
Que me desagua no cavalo sem freio
No mar salgado dos lábios rosados
Muito mais que o ouro roubado
Sou só a cinza desses teus beijos
Nas rosas - mamilos rola pousada.

É a Mayara. É a Mayara
Planícies, planaltos, serra e mar
Percorrendo-me todos os sentidos
Saliva quente a refrescar
Sinto-me raiz do teu milho
E a cana-de-açúcar em crescença
Na ponta da língua a verdejar
O sol esconde-se-te por detrás das costas
Melancia fresca no sabor das nádegas.

Sou névoa quente perdido
Na taça da tua Saliva
Entornada pelo meu corpo
Por esta velha Europa
Sou tua sombra ainda tão viva
Que me se há-de dar-te em laranjas
Em gomos trincados nos dentes
És-me arara quente de mel
Em árvore despida e folhas molhadas
murmurando num gozo de chuva
Até que teu grito azul me vença
E eu me venha numa flor de esperma
Por entre a foz do rio Paraná.


Poeta Manuel Feliciano


Dedicado à minha amiga Mayara Shelson

9.10.2010

Eu li uma catalã

Depois que li uma jovem catalã
De Barcelona e do mundo
Oferecendo os seus cabelos ao Tejo
Como rastos de navios
Na desembocadura da Cruz Quebrada
Ex-Oficial da marinha
Acordei da letargia
Pensei que não havia mar como dantes
Daqueles que deixam lágrimas nas costas
E onde podemos apanhar figos
Ao comando de uma ilusão
Talhada em ferro e madeira
Feito de memória e de vida
Em que o azul eram os abraços
Em que esquecemos todos os perigos
Em biqueiras de sapatos
O mar ficou menos salgado
Com corpos enleados na lua
Mas que afinal nem se viam
Brilhando mais que lábios perdidos
Beijando-se sem coordenadas
Como quem vai à deriva
Pensando encontrar algum porto
Julguei que eram só os seus olhos
E a minha fantasia
Nos quais eu ia à deriva
E se mais longe eu estava
De tudo que para trás ficara
Apanhava uvas no cio
Na popa de belas palavras
Que vão muito além do seu rosto
que rasgam muito mais que enxadas
Não soube mais se era António
Ou sequer se era José
Ou cego o quanto bastasse
Para escutar o invisível
Da proa rasgando as águas
Entre as minhas coxas e as suas
Enquanto o comandante bebia Whisky
O que se perdeu erguia-se
A casa das máquinas fervia
Os meus pés viam mais longe
Mesmo se a minha boca era de monge
Formavam-se cavalos em gritos
Nas sombras que a lua me orava
Se viajei é bem provável
Nos seios das suas metáforas!



manuel feliciano

9.08.2010

Quando eu te tenho

Quando eu te tenho
O mundo está à distância dos teus olhos
O mar que é grande cabe-nos nas mãos
Há glaciares que nos derretem nos beijos
As laranjeiras secas dão laranjas cheias de sumo
Tu és o Ouro e a prata que eu não tenho
O Inverno é frio mas amadurece
Os frutos alvos do teu rosto
O escuro é uma manhã tal como um rio desamarrado
Que quebra o som dos tijolos e dos escravos
E os deuses moram-nos tranquilamente sem cortinas
Os nossos cabelos são árvores no deserto
Nós apanhamos mesmo pêssegos nas nuvens
Sem necessidade alguma de os comermos
Quando eu te tenho
Basta-me a luz dos meus olhos na tua voz
O crepúsculo do teus pés na minha sombra
Somos ponte de saliva que não se desmancha
O universo é-nos só um pequeno ponto
Que nos teus dedos germina multidões
De grãos afectuosos na minha alma
A tua ausência é o reflexo de que me habitas.



manuel feliciano

9.07.2010

Liberta-te

Liberta-te
Nasce o sol nos verdes montes
Descendo pela serra do Marão
As águas correm-lhe nas costas
E cantam pelos cabelos da vida
Que se entregam com amor ao mar
E quantos marujos amargurados
Com ovelhas e um cajado
Conhecem o sal desta vida?
Mas nunca lhe dizem que não
A pobreza é uma alegria
Quando a aceitamos por bem
Uma côdea seca de pão
É cristal no céu estrelado
Na casa da escuridão
O pobre é estátua de pedra
Com um pássaro sem asas
O doente vidro quebrado
Com as algemas nas mãos
Mas não deixa de ser digno
Mesmo se o rico é luxúria
A felicidade não compra
A caravela de trigo
Que nos leva ao Destino
No doce cantar de ceifeiras!
Alegremo-nos com todo o pouco
Bebamos mesmo onde não há
Olha a dor é um passarinho
Não o quero na gaiola
Do meu corpo cheio de grades
O capitão é o mistério
Conhece o porto já de cor
Por favor batam-lhe palmas
O importante é que cheguemos
Onde nem os olhos sonham.




manuel feliciano

9.06.2010

Nunca me roubaram nada

Roubaram-me o Eu e as cidades do mundo
Quem me esperava não se cansou de mim
O sol só me levou-me imagens inexistentes
Que me exigiram ser múmias de faraós
Quem despejou o hangar dos meus sonhos?
Que sobrevoam o ar em asas de aviões
Só fez com que eu quebrasse todos os limites
Não quero ver o sol vou mesmo pelo escuro
Só a noite torna meu universo mais claro
Agora sigo em frente de olhos fechados
caminho sem me deslocar do meu corpo
Vou mesmo pela canoa dos meus ossos
Quebrados ao som do canto das Sereias
Nada do que me é sagrado me saqueiam
Não há mãos que possam com a minha luz
Eu sou uma parte do todo que te habita
A flor do amor não tem tempo que a seque
Quem me esperava maruja no meu coração
Sou o sorriso da chuva semando-lhe emoções.



manuel feliciano

9.05.2010

Folhas de Outono

No Ountono as cores das folhas aquecem-nos o corpo
A Primavera sussurra-nos em pássaros que emigram
E na ramagem dos cabelos comem-nos os diospiros
A Chuva bate-nos nos lábios e o coração acende-se
Os nossos rostos ficam pálidos e as almas reluzem
Somos uma árvore despida e desembocamos um no outro
As nossas raízes aconchegam-se no quentinho da terra
As nuvens tampam o sol, mas somos raios que tremem
Cada folha que cai é o rebento de beijos nas hastes
Os nosso olhar são duas luas mexendo o mar de saliva.


manuel feliciano

9.04.2010

Mau samaritano

Tu que és falso profeta
Foges da dor à calada
De predadores comendo vítimas
Da voz retalhada na estrada
Tudo é imaginação
Filosofia cheirando a pó
E o teu Eu onde está
Por acaso num lagar sem uvas?
Escondes-te do sol sangrando
E vens com os pés de Judas
Venderes tudo o que não tens
Que é a vergonha na cara
Cai-te um pássaro morto na boca
Não lhe feches os olhos vadio
É das tuas raízes covarde
Jesus Cristo não saltou fogueiras
Queimou com as brasas os pés
Para se dar em cachoeiras
A pobres, doentes e ricos
Carregando um madeiro seco.




manuel feliciano

Crianças adultas

Crianças trabalham na rua
Carregam tralhas e lágrimas
Humilhações e sonhos em postas
Para sustentar homens sem lógica
Com o hoje corroído nas costas
E o amanhã mordido entre os lábios
Vendem frutos a mãos quentes
Num mundo que caminha de costas
Na esperança de um céu sem sangue
E dão-se em luz aos olhos do mundo
Que só são cegos mas por opção.


manuel feliciano

O amor

O amor tem mais que quatro letras
É uma fonte que queima no rosto do escuro
Não se escreve nem se desenha porque não há tinta
Com que se possa sequer fazer o vulto da palavra
Amor escreve-se com beijos em corais na boca
Amor planta-se com abraços nas ilhas dos seios
Amor sou eu e tu sobre canhões enferrujados
É fazer da ausência um cais que me espera
É a palmeira que cresce e rasga a areia infecunda
Sou quando corro sem os limites do meu corpo
Me crucifico sem qualquer dor a ferro e fogo
Me dou inteiro como árvore num rio nos pés da foz!


manuel felciano

Sobre os escritores

Eu já vi pessoas em Portugal a queixarem-se que foram excluídos do teatro, da televisão, da dança, mas nunca vi nem um poeta e nem um escritor queixar-se, em abono da verdade, só o Cesário Verde é que tinha a loucura de publicar o seu livro e sentia-se indignado por ninguém lhe dar o devido mérito, mas nem veio reclamar dinheiro, para não falar de Fernando Pessoa, esse escrevia para brincar aos Eus e exorcizar os medos, e deixou um espólio literário que ainda alguém lucra com ele menos eu, bem para não falar do Saramago, quer dizer o Saramgo não tem culpa do mundo ser imperfeito, e ser matéria pensante, ainda por cima foi censurado num país que se diz democrata, em suma, vivam os loucos que se atrevem a escrever! Os escritores merecem mais dignidade, eu ainda não posso reclamar porque nem me deixam ser escritor, além disso, eu vejo coisinhas a ganharem fortunas em Portugal por terem cú de pavão, e o Fernando Pessoa que levou Portugal ao Mundo, é um ex-libris ou melhor dizendo um morto vivo verdadeiramente atemporal, quer dizer, viva a canalhada do meu país!!!!



manuel feliciano

9.02.2010

O Império do Sol

Foi no dorso dos Andes em Macchu-Picchu que nasci
Lavo-me no nascer do Sol e oro-lhe como um Deus
Eu estou ainda tão nú como no primeiro instante
Em que o ventre da Luz se sangrou pelo meu corpo
Cheira à frescura de uma virgem esculpida no Perú
As montanhas e as raízes são-me a carne arrancada
Como é belo o doce cantar dos pássaros de chuva
E as sementes parindo-me sem medo nos lábios filhos
Do sangue que me chuparam nasceram-me novas aves
Que fizeram os Colonos com os meus ossos no chão?
Ainda brotam sorrisos de alegria sem as mãos sujas
As que preferiram o ouro do que um coração sem mácula
A cada lágrima sou farol e a cada grito uma espiga
Hei-de ser moinho e dar-me todo em farinha à fome
De crianças inocentes que apanham frutos no vento
Nutrir a terra queimada e florir em caras brancas de gelo!
Que fizestes aos olhos e à boca que agora não os sinto?



manuel feliciano

9.01.2010

As minhas sensações

Quem disse que sou um poeta?
Não tem conhecimento de causa
Sou árvore onde se deitam à sombra
Melancia na boca de outros
Navego por cima de telhados
Porque onde vivo não tem mar
Sou director de negócios
Conheço quase todo o mundo
Em reuniões com papéis em branco
Que não abordam o essencial
Nem chegam a nenhum lugar
E um homem só vale a gravata
E o dinheiro que traz no bolso
De bom só mesmo as viagens
Aquelas que tem iníco na cama
Que não pagam tarifas nem taxas
Só são sensações dos meus sonhos.



manuel feliciano

O mundo cansa-me

Estou cansado
Perfeitamente cansado
Entreguei-me à proa de um navio
Joguei o pensamento às águas
Nada me importa e aflige
Sou insensível como os ferros
cansam-me os sentimentos
caminhar na rua com algum propósito
Sou completamente imaterial
E enquanto isso o tempo passa
As flores não me arranham
O universo é uma bola de sabão
Nada é sobrenatural
Tudo é o que é [...]
Sem perguntas e respostas
De uma forma aceitável
Sem nenhum desconforto
Vale a pena que eu grite?
Enquanto isso o navio vai e vem
Sem quaisquer rugas na testa.

manuel feliciano

A lei do caos

O caos formou a natureza
Os deuses os anjos
Os seres e o diabo
E tudo isto afinal
Anda à roda da calha
Uns mais tristes
Outros mais alegres
Andamos todos à chuva
Como quem apanha laranjas
O caos não se compadece
Mesmo com quem compra o mundo
E olha que os deuses
Não matam os inocentes
E deixam por cá os iníquos
O fim é todo o mesmo
Tal como foi o princípio
Um parto amargurado
Para quem nasceu do nada
E ainda herdou a vida
Bate palmas meu amigo
Enquanto não viramos bruma.


manuel feliciano