6.27.2011

Ó mar

Ó mar, extensa flor

Inundando as estacas do meu ser

É de ninho e de além este sal

De alma que não segura mais as mãos

De sol toda esta ânsia em roda

Movendo a brisa de madeira



É sempre que te penteias

E me trazes cabelos de ti

Neste chão de areias

Que tanto quer o teu corpo



Bocado de mim que me falta

Boca das minhas coxas

Seios dos meus olhos

São teus ó mar

Carne sem mais fronteira

Onde te despes e sonhas.







manuel feliciano

6.26.2011

Eternidade

A terra louca e húmida dos ombros

É noite envolta com os tons da carne

Palavras feitas com gotas de saliva



Gritam-me os dedos

Com árvores sem sombras

E longas planicies

Que desaguam na tua boca

E a tua boca estende-se





A ilha afunda-se deliciosamente pelas mãos

Em acordes de peixes

Que sabem a sóís enleados nos seios

Eis todo o eixo da terra em movimento

Pedal das minhas pernas

Na minha alma circular



Escuto-me e tu estás dentro

Agora sei que não há trevas neste cântico

A cada batida cardiaca no fundo do mar

Esplêndido de céu



Ao confim do que a estrela sobeja

Não somos mais de cal

Não somos mais de treva



Solta-se um grito

Não sei mais de ti

Nem de mim

Só dos astros

Só da plumagem macia que abriu todas as pálpebras



Como um navio a a romper os nódulos do silêncio

A carne prolonga-se para fora

Agora sei onde acabo e começo

Agora sei que sou só berço





Numa pedra

Numa pedra a burilar

A bater no dorso de água tépida

Que amadureceu todas as coxas



Relâmpago de Aiiiiiiiiiiiiiii



É esse grito, esse grito num coração ininterrupto

Cheio de asas que se abrem

Que se prolongam em dois pedaços

De sorrisos e láminas

Até aos planaltos da brisa

A eternidade que ferve



Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii

Vertigem de quem se afoga todo em ti

Sangue perfumado de abraços

Flor que encendeia todo o sono

De almas em pernas de animais!





manuel feliciano

6.21.2011

O longe dos teus cabelos

Não é uma vértebra fendida

O longe dos teus cabelos

Na aura do desejo Rodando no fogo

Meu amor

Preciso que acredites

Que acredites

Que o mar é as tuas mãos

Sem limites Mesmo quando as mãos se fecham

Não há esperança não há esperança

A esperança é um jardim sem flores

E eu estou todo florido

Só certeza





Que eu sou o pó que falta na tua terra

Quando os teus olhos se afundam

Nos brancos pulmões das nuvens

Vejo-te ainda mais perto

Mais por inteiro tudo se pode tocar

O fruto nasce todo para a flor

E Ausência é estrelas no meu cérebro

A cada palavra mordida que não te traz


É sangue a exalar da terra E os rios nascem onde eu quero


O que esperas, o que esperas?

Mas o meu coração lateja na terra

Mas como é de ti a terra é véu

Mas como é de ti a terra mar

Mas como é de ti somos só um

Mas como é de ti só vejo sol

O que esperas, o que esperas?

Olhar-me do alto de um castelo entregares-te toda à chuva?

Desce, desce toda sem medo

Que a vida é atemporal

Desce desce mesmo sem sonhos

Traz o teu sorriso maduro de carne

Que agora é tempo só para amar.





manuel feliciano

6.19.2011

Ali

Hoje sei que ali, cume de pedra

É palavra mole na gruta da boca

Sem pernas e joelhos

Luz abrangente no halo que te veste

De aneis dispersos



Que te Quer

Que te Quer

Que te Quer Toda despida

Até ficares bem grande

E entrares pelos meus olhos adentro

Com os teu braços içados na torrente do espaço

Colhendo-me todo

Voltados p’ra fora

Porque eu não sou refém dos cumes

Oh rostos nauseabundos

Eu não sou refém de nada

Aliás, de nada, de nada, que é nada?

Acordar contigo todo por dentro

E a alma a respirar toda por fora

E levar-te por jardins sem o sol no chão

E ali é o teu corpo inteiro

Quanto me sabe a mar toda esta porta fechada

E os olhos sôfegos de ali

Rodam no sol e transmutam em grito

Porque é só aqui esse teu corpo onde amadureço

Repente de asa e aconchego

Num bico de um pássaro nós dois

Não quero saber mais de cumes só do cheiro, só do cheiro

Que vem de ti

Casa plantada sobre o mar

Infinito

Infinito ah não, deixa-me tocar o infinito

Em delírios que só tu sabes

Que a puta da terra é quadrada!



manuel feliciano

6.16.2011

O céu atrás das costas

Não queiras saber de ti





Deixa que o nevoeiro seja a única palavra e face

Pomar perfumado de seios



Todo por Sentir

Célula que inebria Abraço mergulhado no céu



Nem abras o segredo das árvores



Ouve-o desamparadamente sem ouvidos



Deixa-os a cuidar do mar



Até que o eco seja vogal na rotação do corpo



Rima sem mais areia



Profundamente peixe



Sem o limão nas sílabas



Queres mais coração que este?

A badalar na ampulheta Dos lábios que não se vêem

Húmidos de saliva



Prometo-te que as minhas costas abandonadas

Sem pastores e cabras são o céu

Onde eu te apanho papoilas



Onde tu corres, onde tu corres! Porque é que corres amor?

Sem ancas e estrada!

Descendo tudo para cima

Ah, meu Deus, meu Deus, meu Deus

No caroço que resta é mais além



Ampla é a rosa que não se encontra!

E surge sempre de uma mão estranha!







manuel feliciano

6.15.2011

Olha a Lua

Olha a lua, olha a lua, doce amada

Nuvens na paciência

Azul na boca

Tem carne sim, tem carne a lua

Com todo o brilho no mar do céu

E não tropeça sequer nas nuvens

Porque é de rosa o coração.



Lá vai sozinha e às voltas

Como o poeta esta lua

As pernas encravadas só são asas

Escorrendo toda a luz na exaustão

E na escuridão inerte de aço

Supera as loucas fases

O medo e a sombra

Do golpe da faca espetado

No peito ancorado do branco chão

E nem sequer a lua se transfigura

Porque a colheita é só primavera

De riso e choro todo o corpo

Da sobrenatural trasmutação.



Revolve e canta com alegria

O mar dourado dentro do útero

Semente na língua toda para o espaço

Frias as estrelas nas rugas das faces

Na cânfora do gelo a arder na mente

Lambe as frieiras e nunca se esconde

O dias expandem-se na garganta estreita

E vai com o norte e sul aos pedaços

Nos ombros todos na dianteira da proa

Dar as mãos à vida sem nunca olhar morte.





Manuel Feliciano

6.14.2011

Vida

Vida? Foda-se[…]

Eu cá quero a morte, que essa ao menos dura

E crava-me o amanhã com uma boca extensa

Com pulmões plenos sem metáfora

E eixos onde roda todo o sangue

Sem assombro

E o amor nasce mesmo sem elemento



Porque eu cá não quero a vida

Na varanda de um cigarro

Cheia de uma saudade lenta

De um beijo que ainda nem dei



E todo ele já roubado.



Porque essa não se perde e é bem alta





Porque essa não abandona e é sincera



Porque essa traz-me sempre no coração



Porque essa não tem saudade e mostra o mar



Porque essa não vem pintada com duas caras



Porque essa não quer a noite Nos olhos ávidos

Porque essa não traz o rio só pelo meio


Porque essa é um Deus que me quer bem


Porque essa é quem rasga todo o mal

Porque essa traz o Sol que é para todos

E morde a puta-dor que traz a vida

Madura nos ramos do coração

A dizer que te ama, que te ama, que te ama...

a vida ama?

O que é a vida, o que é a vida, o que é a vida?

A esperança

A esperança?

Foda-se a esperança e a incerteza

Eu quero caminhar sobre o mar Sem o abismo

Ouviste?

Homem de toda obra e saber

Com ouvidos de ferro

Chupa, chupa e não te enfartes com tudo

E toma com força

A minha morte, a minha morte, que é tão boa!

Única flor que venero

O fim da dor, mãe de tudo, colo que escuta!

Manuel Feliciano

6.11.2011

Pés

Sabes que mais



Sabes que mais



Os teus pés são a minha aldeia florida



Sei que a mémoria desagua nas pedras e nos troncos



E tu tens que estar





Dentro das pedras e dos troncos



Aqui a espera cansa mas não traz a morte



Porque a morte é trazer-te sempre viva

A morte é só quando um homem quer olhá-la de frente



Que me interessa que os rios desaguem nas estrelas



E tu estejas na altura das estrelas



Que me interessa que o mar seja feito desses troncos



Se tu e eu somos feitos disto tudo

A minha aldeia não tem mar

A minha aldeia não tem barcos

Só pedras e árvores floridas

Só silvados cheios de amoras

Na minha voz à margem de um caminho

È sempre um dia a começar à tua procura

Com a certeza que os teus pés são os meus olhos

Com a certeza que os teus pés são a minha alma.



Manuel Feliciano

6.07.2011

Nuvem

Dentro da água e do pó

Peixes enleados nas nuvens

Na areia sobre o céu

E o mar gritando

Pelo seu espaço

E âmago



Era a boca

A desnudar toda a sombra



Imprópria

Que não sabe de nós

Nem dos ramos

Fogo prenhe

Dos nossos olhos em cavidades profundas

Submersas nas bocas das conchas

Onde

Palavras com eco

Batem contra o pescoço das rochas

E as lapas dos olhos

Esses olhos virtiginosos

Que não suspiram

Pernas enleadas

No fogo de Vênus

E vertem todo o sangue

Nesse jardim

De árvores vazias

E bancos calados

Que os meus braços e os teus

Amplos

De colheita

Abundam Contra a inércia dos movimentos Em frutos cristalizados



Na púbis da flor

Polonizada



Feita de nós

Em janelas abertas

Com memória e Gestos

Correndo nas alturas Como um trém de Brisa

Em torno do mundo







De pulmões solares

Entre as raízes trincando todo o gelo

Do silêncio

E homens tão somente eléctricos

Com carvão na voz Um grito abrindo toda a carne



Que a luz entorna

Entre a frescura de auréolas

Em toalhas de trigo

Escorrendo em sorrisos Curvados Os dedos

Por almas em espuma A pele

À bolina do hálito vence a Lámina Que corta

O sonho Envolto Em Êmbolos Sonoros De cordas





Escava e regenera o verbo seco

Que jaz nas entranhas do que não morre!



manuel feliciano

6.04.2011

Mar

Esta ausência dolorida de caravelas

Colhe na garganta todo o mar



E o mel todo nos pêssegos

E o sol todo na seiva



Aves em janelas de nuvens

Campos de trigo no céu

E eu e tu no centro

Há quem Como eu os veja

A oriente de tudo



Mesmo por debaixo das pálpebras

E o sal a lamber toda a boca

E o sorriso Marinheiros ao longe

Ao longe

Dizes-me que as flores

Luzem ainda sobre o sódio das faces

E os perigos são gaivotas

No abrigo do céu

E que a ausência somos os dois

De mãos dadas

Terra em líquido céu

Chuva que arde

Quando os braços se desligam


E o mar não abraça a ilha

E o amor é pedra leve...

O mundo estende-se mais além

Da cor do nosso dentro

E dá-se-nos em tudo o que falta.





Manuel Feliciano