8.26.2011

Não sou filho de pai nem mãe

Não sou filho de pai nem mãe

Todo o mundo me foi emprestado

Peretença que não pertence

Os dons

A inteligência

A beleza

E todas as coisas materialmente belas

Só são coisas imaterialmente belas

Varas de guarda - chuvas

Ou calçado em ruas desvairado

Os olhos dos gatos prenchem-me todo o vácuo

Há estradas escavadas nas mãos

Sem quaisquer estradas

O rio tem escrito nas uvas

As mulheres de branco

Estaticamente deambulantes

Pela gramática das pernas desgramaticadas

A dissertação

É quando a abelha

Traz a canção sobre a flor

E leva o nectar

Eis tudo o que te quero dizer

Nesta tarde de agosto

Não há nada para fazer

Nada para cumprir

Enquanto o sol

Empresta os ouvidos à areia

E chama toda a semente à morte

Por células de um sorriso vivas

Neste ínico

Neste constante ínicio

de carne perfumada de feridas

Não há nada para fazer

Nada para cumprir Na neve dos pulmões

Senão os braços abertos ao mundo!

manuel feliciano

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Se a vida te renega

Se a vida te renega

Renega também tu a vida

Não faças como eu que ama às escondidas

Por medo

Que acredita que as nuvens são o jardim onde te sentas
Em abraços de tréns dissolvidos

Que nunca chegam

Ahhhhhhhh não grites para que te acudam por pena

Nem sorrias tão pouco por piedade

A vida não te cobra!

Vai por canas de vento sem raízes

Deixa as raízes para os meus olhos

Enviesados na tua talha

Numa torre de papel descrentes

Porque eu só sonho

Da dimensão de orgasmos entre folhas

A atravessar os músculos dormentes

E não creio

Como quem puxa pelos teus cabelos

E te leva a uma boca que te mostra o mundo

Por este fim continuo

De pedras e horizonte

Ahhhhhhhh não faças como eu

Que vai às peras verdes na angúsita de sargaços

Por demência

Ao dorso dos corpos no sol sem bússola

Só de te pensar ausente

Tão perto dos lábios



Morre, morre verdadeiramente

Talvez seja aí que tu respires

Que as estrelas regenerem o vácuo Das bocas ardentes sem sílabas

Nos versos da terra

Nos troncos trémulos de madeira viva

No respirar masturbante dos teus dedos



A estremecer em correntes de espasmos

Da cor da carne

Que despertam as flores para o cio

Na urna da tua boca



Não como eu!

Suspiro húmido de prata e cinza

Que nem morre

Que nem vive!

Árvore de areia

ideia de só ter sido

alguma coisa que não magoasse





Ah morre, morre, morre, se é a vida que tu esperas!

Real e tocável

Da espessura atordoada da bolina de arfares

Enquanto eu só sou as ancas geladas

De um fogo tão de pedra

Natureza por criar!



manuel feliciano

8.22.2011

Não quero nada

Não quero nada

Nada

Com a força da luz



E dos músculos da chuva

A esventrar os sonhos

Com a tua mão ainda seca

Não propensa ao dia



Os meus ideais

Os meus anseios

Nódulos de madeira

Onde te geras

Em trémulo vestido

A escorrer nos ramos



Ahhhhhh senhor do mundo

São um candeeiro

Feito de terra

Brisa por cavar

Os olhos adormecidos

Que te vêem com sangue



Pó invertebrado do colo

Ahhhh, ninho que me acolhe

Que me enche de ti

Num mar de fagulhas

Tudo que sou e quero

Cheio de tua carícia



Ahh, não quero nada, nada

Com a tua voz dentro da urze

E a noite amadurecer na carne

A água no ciclo do sono

Da larva à borboleta!



manuel feliciano

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8.15.2011

Limbo das abelhas

Quero que me dês os teus ombros quentes

Do cantar dos pássaros

O teu amor folha de madeira rosa

As horas que não se vêem

Na fundura da pele

E o amanhecer

No hálito dos teus cabelos

Quero que sejas A minha única noite plena de mistério

No luar dos seios

O teu olhar a sibilar na chuva

Dorso do meu dorso

A verdadeira campa

De flores de saliva

Desenhadas no côncavo das bocas

Florestas de âmbar no colo de estrelas

Ah se um dia os bichos inauguarem o nosso corpo

É porque nós já não estamos

No limbo de abelhas

Na navalha do polén



É de cabelos brancos

E de morte

Quando me beijas

Com o atrito das faces

Fonte que arde

Porque nós

Somos das hastes de névoas

Dos arcordes intimos da brisa

O esterno da loucura

Paisagem demorada

O barro por gemer

No tanto que as cabras pastam!







manuel feliciano

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8.11.2011

Vou pelo vazio do mundo

Vou pelo vazio do mundo



Da cor dos teus sapatos verdes

E dos teus olhos

Pousados na minha garganta

Colhido pelo teu abraço



O teu colo afogado nas varas da minha voz

Na rotação de guarda-chuvas



E as tuas mãos a acordar

A inércia dos músculos

Por caminhos e sinais em branco

Que despem toda a carne



Ah quem me dera que o sol

Entrasse pelos meus poros

E tu fosses sequer a sombra

De um jardim com o teu cheiro

E a tua boca um rio que me afogasse





Talvez assim eu encontrasse a noite

Talvez assim eu visse as estrelas

E os caminhos

Os caminhos a latejar de ervas

Ahhhhhhhhh, mas nem isso

Pudesse eu ao menos acordar deste sono

Para me conhecer! E os teus cabelos bombeassem

Água nos meus lábios com toda a sede

Para eu ver com beleza a tua exactidão

Os ângulos insolúveis dos beijos.





manuel feliciano

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