10.23.2010

Amor ausente

Meu amor, não foi o gelo que não nos aconchegou
Nem o fogo que nos arrefeceu
Temos uma brasa quente e húmida na garganta
Que nos liga aos braços bravos dos nossos oceanos
Os nossos olhos germinam mesmo nos galhos
Desfeitos da noite madura e quente
As minhas mãos desferem-te flechas de gritos
Lambendo o silêncio ausente do teu corpo astral
E os teus lábios desfeiteiam a múmia da existência
Colados aos meus sobejando a lava de estrelas
Almiscarados com chocolate e torrões de açúcar
Em beijos tragados num marulhar de hienas
Nos cálices refrescantes de flores rubras e alvas
Enquanto o nosso amor reluz na tosse cadavérica das rosas
Que me importa os bichos que mutilam a avenida
Dos meus sonhos abertos ao céu como uma borboleta
Que o sol tenha o sabor asqueroso das trevas
E a escuridão a claridade da língua singrando nas espáduas
Até às curvas húmidas dos meus dedos no som da água
Onde me perco na partitura da tua cavidade musical
Que importa que a podridão arboresça e dê frutos celestes
Eu amo-te toda com os pés frios nas pedras
Os teus olhos consomem-me e ferem-me como duas balas
E o meu corpo é um texto húmido em gotas de sangue
Onde a tua ausência se refunde nos meus dedos
Em ninho que uma ave na Primavera teceu na árvore
Ao fundo do meu umbigo trémulo no teu abrigo
E tu e eu no choco caloroso dos ovos por debaixo das asas
Mas minha querida e apaixonada na ausência de ti
Não há bisturi que corte a pele da minha essência
A morte semeia-me-te a palavra como o grão a ave no céu
Oh casco enferrujado de um navio num banco de areia!
À luz envenenada de uma estrela desmaiada
Oh anjos que tanto venerei sem corpo!
Oh deuses da minha voz em recuo sem respostas!
Altares floridos da minha espera sagrada por ti
Do meu Eu numa caixa de fósforos por arder
Que uma folha de Outono seca te traga amor
Quero-te quente aqui e agora basta-me de cerejas
Onde te como deliciosamente sentado na árvore
Nesta presença invisível de mim, onde te ouço Docemente!



manuel feliciano

Sem comentários:

Enviar um comentário