Nas entranhas das uvas em videiras
Alagando o vale da minha alma
Eram de água as pedras nas raízes
Os esteios pontos onde se cruzam
Os olhos que poderiam ser só terra
A terra que poderia ser só sombra
Mas eu crepintando, na folhagem
Entre os arames das ramadas
sou mesmo se a luz não tem mar
sou mesmo se a chuva não tem mais carne
Porque os castelos são de fumo
E o fumo é de terra
E a terra o coração
Ah como as videiras choram e as lágrimas não são suas
E gritam por uma casa envolta num mistério
Uma boca dourada que lhes beba o sangue
Ah mémoria de um impulso que reencarnou um corpo
Por uma morte que nunca aconteceu
Porque já aconteceu e ainda está tudo vivo
O mundo é surreal como todas as paredes
Paredes que são vácuas
Mas são paredes
Estrelas que não têm luz
E luzem
Olhos com cataratas que vêem
Ah materialidade imaterial dos gestos e das coisas
Do que se aperta e desaperta
Projecção elástica de estar vivo
A morte é agora quando abres as asas
E a brisa cardíaca inaugura todo o corpo!
O corrimão que não quer saber das mãos
Cadáver musical de uvas
Por entre a clave dos dentes!
manuel feliciano
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