5.20.2010

Diagnóstico de um suicida

Por baixo de chuva na Avenida Paulista





Não. Não me podes deixar sem lençóis esta a noite
Eu estou aqui para aprender contigo essa tua dor
Feita em palavra doce - cântico de um pássaro
Por entre trigais de linho no teu corpo de brisa
Desculpa-me, não sei falar contigo!
Porque dizes gaivotas nas palavras, acácias-fontes
Que se confundem no entrecruzar de crepúsculos.

Vem-te deitar por favor, estou-te aguardando....
Meu corpo está gelado, experimenta-me,
Desconstroi-me, bate-me, incendeia-me, jogua-me no lixo....
Cospe na minha cara.....deixa-me ser tua pedra,
Bate com ela em teus medos possíveis,
Esfaqueia-me com seu gume, toma o meu corpo,
Veste a minha carapaça, bebe a força que te aguente
De minha alma num copo solar, depois cospe-me de novo.


Diz que eu sou teu animal, besta, sociedade hipócrita,
Pesadelo existencial, húmus sem saliva....,
Cais sem água, urina-me de desprezo,
Afogua-me até ao fundo das algas, aos pedregulhos mais profundos,
Não digas nada, tua boca é demasia bela
Para se sujar na podridão do tempo de seres mutilados e sem amor
Acorda desse pesadelo, se quiseres deixa que eu arranque
Com os meus dentes essas algemas de fogo de crianças morrendo de fome
Eu quero o teu ninho, sou tua palha arrastada
Feita com lodo num ramo de árvore, é Primavera, demasiado cedo....
Estou à tua espera soprando essas folhas de Outono
Sobre os teus olhos, és das ilhas incandescentes, faróis marítimos
Queres que os barcos se afundem? E eu me afunde com os barcos
Eu sei que és sereia de mares ausentes, mas gosto das tuas coxas enleadas
Fervendo enroscadas nas minhas, e o teu corpo besuntantado de yogurte
Numa ilusão de sempre...de sempre?



Alguém te disse que o mundo é real e acaba?
Tu és o meu feto, sou homem mas vives-me por dentro do útero
Como uma planta marítima, queres gritar na avenida de S.Paulo que o mundo é louco? Estrangular os ponteiros do relógios, dar pontapés em bonecos de palha?
Esquece - os teus olhos não são portadas de igrejas para homens sem fé!
E de seguida vamos ao teatro, desconjugando nossas crises,
E as jogaremos ao rio com restos de palavras que não gritam
E acabemos por fazer amor como se fosse na Tijuca pela maré dos teus seios!
Sei que é pouco amor, mas nem o mundo nem o tempo tem o direito!!!! Tu és flor sem cálculo matemático, senta-te em cima de mim, sou teu divã, baloiça, é demasiado amor para se arrancar à força, e na sua falta sermos somente escravos dessa conjectura psicológica! Não, não há direito a esse precipício
Temos que pintar as ruas, dos proxenetas que se incutem em nossas almas
Em tons de azul, e abri-las em leques e girassóis,
Amor, olha em frente uma criança que corre, querendo nos abraçar!!!!
Lutaremos por essas torres altas, não somos filhos do pó.

São ainda nossos filhos – nós mesmos dentro deles
Como poderemos querer matar uma criança?
Por causa de uma rédea cruzada nas veias dos caminhos
Que se apertam nos nossos pés.... E nos encurralam os passos
E nos deixam o coração sem corda batendo sem nexo
Quebremos a puta de rédea, aguentemos tudo, somos árvore
Mas daquelas que vivem despojadas da miséria do corpo
Escarraremos tudo o que nos agonia, isso não é nosso templo, nossa alma é longa Eternidade solar, pisada pelo o mundo de loucura, inexistente
Somos crianças dedilhando os teus cabelos
Escutando sons nunca ouvidos de metais abrindo-se em brumas
Brinquemos em jardins lunares! Podemos atravessar a rua, o que é feito do trânsito?
Somos matéria transparente, dizemos sem medo, quem ousa atropelar-nos?
Deixa-me vestir-te a alma com os tecidos do céu, não te esqueças amor, nossa luz é célula em construção, ainda é cedo meu amor, muito cedo……
Encosta a tua cabeça enquanto eu te embalo no recanto sem chuva caindo!
A terra é para as árvores rezarem com as raizes[...]




Manuel Feliciano

Sem comentários:

Enviar um comentário