6.04.2014

As rosas voltam ao seu inicio

Quando passares por um velho na tua rua não lhe digas nada. Fecha os olhos e adormece. Experimenta dar-lhe a mão, vais querer supostamente que ele te mostre as ruínas de uma antiga qualquer civilização.
Mas, no mais íntimo silêncio ouvirás os pássaros experimentando as asas. Das pétalas das Rosas mais douradas pelo sol, sentirás a chuva, um fresco de boca a humedecer a terra e o sol tão mais fértil .
A minha avó tem 92 anos, do seu olhar  eu não consigo ver o fundo da rua, a altura das árvores, a largura da janela, só a planura do mar entrando em suas mãos, e as suas pernas de menina, correndo sobre a areia.
O seu olhar fita as raízes do sol que dormem em silêncio e a sua boca cheira a ninho e rosas. Agora a minha avó é uma menina nos braços de sua própria mãe desenhando rosas nos seus seios, bebendo da própria eternidade, eu não consigo ver-lhe as rugas, os seus cabelos brancos, os seus passos lentos.
A minha avó é Portugal, uma caravela inteira, o seu corpo estende-se ao mundo, é sempre que eu a sonho e sinto, não traz o tempo dentro dela, é um rio permanente que não desagua.
Tomo-lhe a mão, desço a escadas até à sua altura, o céu é o estremecer dos seus próprios olhos, como quem ainda nasce, desaperta o seu sorriso, pelo vestido da lua, e pouco a pouco as suas cicatrizes mais profundas desvanecem entre o colorido das flores e os ramos no calor da face, as rosas menstruam-se e voltam ao seu inicio.

Manuel Feliciano

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