Hoje uma voz disse-me que eu era eterno
E que as pedras afinal têm garganta e carne
Como que um vulto a engolir o deserto
E uma pápebra a consomir-me todo o pó
O pó de andar sempre à procura de não ter pó
E brilhar num grito
De uma púbis tão virgem
Cheia de palavras
E de um tesão branco
E uma laranja inchada respirou-me a alma
Que vida tão lubrificada escrita nuns lábios tão surdos
Que têm a sabedoria de ter a surdez do teu pântano
Retalhado nos collants do céu
Como se um choro enraizasse nas têmporas do tempo
E uma luz lambesse bocados do escuro
Com galáxias dentro de um lugar inabitável
Cheios de seres sem corpo
Uma noite coube-me toda na vulva da voz
De uma memória tão húmida
E gástrica que me ardeu nos neurônios
E o amor ressucitou pássaros de ervas já secas
E as minhas mãos
Onde estavam as minhas mãos?
Num décimo andar
Onde nenhum homem se lembra de cobrar impostos
Nem ninguém pensa dactilografar
No meu umbigo
Abelhas nos vasos das flores do canteiro
A sociedade vista de cima
Sombra do meu pênis a latejar
E ainda bem que se esqueceram de mim
E todos os frios se lembram de me trazer
Os teus seios para me aquecerem
Que não me trouxeram a esperança mirrada nos figos
E porque as minhas mãos estavam livres
Mamei o leite nas friestas da fome
Como quem vê o rio
A fugir ao longe
Trémulo de febre
Nas águas furtadas de um telhado
E ao longe num ocenano que eu mesmo desconheço
Eu esculpo nesta cicatriz com quem a purifica
O amor que ainda é uma árvore dúctil a nascer na chuva
E dou por mim a vir-me na quilha de um navio
A foder todos os séculos que ainda estão por vir
Que todos os que já foram não me sabem a nada.
manuel feliciano
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